Se o 25 de Abril é hoje associado à liberdade e à democracia, e não ao
começo de uma ditadura, é porque em 1975 houve quem resistisse à tomada
do poder pelo PCP. Rui Ramos, via Observador:
Para testar o que é verdadeiramente importante no recheio de uma
casa, há este velho exercício: imaginem que a casa arde e só podemos
salvar uma coisa – que coisa seria? As autoridades nacionais, nesta
epidemia, responderam a um teste parecido. Se tudo tiver de parar, menos
uma coisa, qual seria essa coisa? A economia? Não. A educação? Também
não. Para a nomenklatura, a única coisa que não pode parar, por maiores
que sejam os riscos e os custos, é – a celebração do 25 de Abril e do 1
de Maio, com as suas cerimónias parlamentares e manifestações de rua. Os
alunos podem ficar sem aulas, os trabalhadores sem emprego, as famílias
e os amigos sem contacto entre si, mas o PCP e a CGTP é que não podem
ficar sem homenagens e desfiles. São estes os limites da saúde pública
em Portugal. Porquê?
Como já muita gente reparou, não se trata de comemorar o 25 de Abril.
Trata-se de arranjar mais um pretexto para provar que os que não estão
com a esquerda não estão com o 25 de Abril, e portanto não estão com a
democracia. Ora, nada disto tem qualquer fundamento.
O movimento militar de 25 de Abril de 1974 não foi obra da esquerda. O
25 de Abril foi obra dos oficiais das forças armadas do Estado Novo,
para quem se tinha tornado claro que a ditadura, dividida, estava num
impasse sobre o que fazer em África. Quase toda a gente aderiu, a
começar por aqueles que viriam a fundar a actual direita: Freitas do
Amaral elaborou, com Amaro da Costa, o programa do governo provisório; e
Sá Carneiro tornou-se o braço direito do primeiro-ministro Palma
Carlos. Portanto, não, o 25 de Abril não foi da esquerda.
No entanto, a partir do Verão de 1974, as dificuldades da chamada
“descolonização” deram ao PCP e à extrema-esquerda uma influência nas
Forças Armadas que lhes permitiu, durante quase um ano, exercer o poder e
sonhar com um Portugal de tipo soviético ou terceiro-mundista. Hoje, o
25 de Abril é associado à liberdade e à democracia, e não, como o 28 de
Maio, ao começo de uma ditadura. Mas isso só é assim porque em 1975
houve quem resistisse, nos quartéis e nas ruas, à tentativa de tomada do
poder pelo PCP.
Como seria de esperar, foi com o chamado PREC que, desde 1976, o PCP e
a extrema-esquerda insistem em identificar o 25 de Abril. É para isso
que lhes têm servido as comemorações, as suas e até as do Estado, em que
aparecem sempre como os mais fervorosos. O objectivo não é apenas, ao
inventar um 25 de Abril que só os comunistas podiam aplaudir, provar
mais uma vez que quem não é comunista é “fascista”. O objectivo é também
poder tratar a consolidação democrática em Portugal – o fim do Conselho
da Revolução em 1982, a entrada na CEE em 1986, ou a abertura da
economia em 1989 – como uma “traição ao 25 de Abril”, e fazer do actual
regime algo de ilegítimo à luz das suas supostas origens.
A democracia em Portugal não se fez apenas contra o Estado Novo, mas
também contra o chamado PREC de 1975. O PCP e a extrema-esquerda, porém,
tentaram sempre fazer de conta que a verdadeira democracia foi o PREC.
Nesse esforço, tiveram a colaboração de muitos militares do MFA, mesmo
daqueles que haviam resistido à hegemonia comunista em 1975, mas que,
deixados no museu pela evolução da democracia, encontraram nos
comunistas um eco para os seus despeitos. A novidade é que também tem
agora a colaboração de mais um dos seus adversários de 1975, o Partido
Socialista. O interesse do PS é claro. Por um lado, anima a actual
“geringonça” com o PCP e o BE; por outro lado, prepara o terreno para
outras geringonças, ao refrescar uma ideia que sempre lhe serviu: a de
que a direita “está contra o 25 de Abril”, e que portanto só alinhando
com o PS demonstrará que é democrática.
Os católicos fecharam as igrejas, e o papa apareceu sozinho. Mas as
esquerdas portuguesas não se podem permitir tais despojamentos. Quem
serve um deus que sabe ser falso, nunca pode dispensar o aparato de
cerimónias e manifestações que sustenta as mentiras.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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