O novo programa econômico, o Pró-Brasil, é uma reedição do
desenvolvimentismo estatal do governo Médici e reforça a influência dos
militares na gestão federal. Alexandre Borges, via Oeste:
Uma curiosa coletiva de imprensa realizada na última quarta-feira,
dia 22, comandada por militares e sem a presença da equipe econômica,
revelou um pequeno conjunto de intenções genéricas que pretende ser a
cloroquina de um país infeccionado, asfixiado e ainda sem perspectiva de
alta. O pouco que se mostrou já foi suficiente para entender a ausência
de Paulo Guedes no lançamento do maior programa econômico do governo
até agora.
Chamado de Pró-Brasil, o programa deverá ser um parente próximo de
outras iniciativas desenvolvimentistas anteriores como o Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC), lançado por Lula em 2007 e que colocou
Dilma Rousseff, titular da Casa Civil, no centro do palco político e
alavancou de vez sua candidatura presidencial para 2010. O comandante em
chefe do Pró-Brasil é também o atual ministro-chefe da Casa Civil, o
general Walter Souza Braga Netto, igualmente visto como uma espécie de
primeiro-ministro informal do governo desde que assumiu a pasta, em
fevereiro.
A visão do Estado como motor da economia não é nova, especialmente para militares brasileiros.
Muitos deles guardam uma memória afetiva do “milagre econômico” do
período de 1968-1973, quando o PIB do país cresceu vigorosamente e todo
um aparato de propaganda política foi anabolizado pelo governo, ao som
de hits ufanistas como “Eu te amo, meu Brasil”, “Esse é um país que vai
pra frente” e o tema da seleção campeã de 1970, a icônica “Pra frente
Brasil”. Artistas como Wilson Simonal e Roberto Carlos ajudavam a elevar
o moral do país e, em parte, eclipsar as músicas de protesto contra a
ditadura no momento mais duro da repressão política.
Alguns analistas buscam comparar as bases do Pró-Brasil com o Plano
Marshall, como ficou conhecida a série de auxílios bilionários fornecida
pelo governo norte-americano após a Segunda Guerra aos aliados europeus
para fomentar a reconstrução daqueles países depois da devastação
causada pelo conflito. Outros tentam comparar com o infame New Deal, o
conjunto de medidas autoritárias, inspiradas no fascismo italiano e
implementadas com a mão de ferro de Franklin Roosevelt nos anos 30 nos
Estados Unidos e de triste memória. As comparações são estapafúrdias e
indesejáveis, assim como a lembrança do PAC lulista, um dos muitos ralos
por onde os maiores escândalos de corrupção da história do país puderam
passar.
O Pró-Brasil, ao que tudo indica e a despeito das poucas informações
reveladas na coletiva, é uma reedição do desenvolvimentismo estatista do
governo Médici, capitaneado na época pelo czar da economia Antonio
Delfim Netto. Delfim, com 91 anos, continua um participante ativo do
debate nacional e é hoje um economista muito mais afinado com as
diretrizes da política econômica do governo do que Paulo Guedes, um
liberal da Escola de Chicago.
O presidente Bolsonaro muitas vezes se mostrou pouco à vontade na defesa da cartilha liberal clássica.
Trata-se de um ideário que em nada lembra seu histórico de votações e
posições econômicas como deputado federal em quase três décadas.
Parecer liberal na campanha e no início do governo não é novidade no
Brasil, já que até Lula aceitou publicar uma “Carta ao Povo Brasileiro”
em 2002 e nomeou uma equipe econômica totalmente afinada com o governo
anterior para pacificar o mercado e criar um clima de euforia inicial.
Ao ser reeleito, em 2006, Lula nomeou Guido Mantega no lugar de
Antonio Palocci e dali em diante pôde mostrar a que veio. Com a entrada
de Dilma Rousseff em 2011, veio a desastrosa Nova Matriz Econômica, uma
bomba atômica na economia brasileira que relegou ao país anos de
recessão e pavimentou o caminho para o impeachment.
É cedo para dizer como será o novo momento do comando do país com o
general como superministro e uma equipe militar no Planalto tocando uma
política econômica nacional-desenvolvimentista, como sempre foi o sonho
da chamada “ala ideológica” que demonizava o liberalismo de Guedes nos
corredores e suspirava por Steve Bannon, o ex-estrategista de Donald
Trump que sempre defendeu investimentos estatais maciços em
infraestrutura e programas sociais e nutre um desprezo profundo pelo
liberalismo clássico da escola de Chicago.
É inegável que o general Braga Netto imprimiu novo ritmo ao governo e
é hoje sua face mais reconhecível, num momento em que diversos
militares assumem postos-chave no primeiro escalão e dão um tom da
administração federal totalmente diferente do que se viu em 2019, com
Moro e Guedes desidratados e a “ala ideológica” aparentemente legada a
comandar turbas virtuais em redes sociais. Os que foram às ruas nos
últimos dias pedindo intervenção militar parecem mal informados.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário