Para os filo-marxistas o mercado é um ente demoníaco. Marx pensava que o
proletário faria parafusos de manhã e tratados de filosofia à tarde.
Isto enquanto chamava “utopistas” aos outros socialistas. Artigo de
Ricardo Dias de Sousa, via Observador:
Escutando a generalidade da
intelligentsia política, económica e social, somos levados a acreditar
que é imprescindível salvar os fiéis da tirania dos mercados, que a
todos submete. Qual hidra gerada do cruzamento entre o demónio da
avareza e o ogre da gula; serpente de muitas cabeças, bem capaz de ter
cornos e tudo! – não há político que não se ofereça para a esconjurar
ou, pelo menos, meter numa jaula. E o povo agradece, aliviado.
Só que os mercados não são monstros: são processos em que os
indivíduos buscam formas mais eficientes e seguras de alcançar os seus
fins, trocando bens e serviços entre si. Em sociedade, as pessoas vão
criando e aplicando conhecimento de forma útil. Quanto melhor os
beneficiários desse conhecimento possam recompensar os produtores do
mesmo, melhor o mecanismo de reforço das boas práticas entre todos. A
esse processo coordenador da distribuição de “recompensas” damos o nome
de mercado. Não é um demiurgo: são processos totalmente humanos. Como
tal, para funcionarem, necessitam do mesmo incentivo que qualquer outra
produção humana: o lucro, a concorrência, a liberdade e a realização
pessoal.
Não há indivíduo mais vilipendiado que o intermediário – às vezes com razão, outras nem por isso — simplesmente por ser o mensageiro dos preços.
O intermediário ia ao campo comprar batatas para trazer para a cidade e
ganhar a diferença entre o preço que paga ao produtor e aquele que
consegue do consumidor. A esta diferença, deduzida dos custos de
transporte e incerteza, chamamos lucro. Quando os lucros são elevados,
há um incentivo a que mais indivíduos se dediquem a este comércio e
criem processos mais complexos e eficientes de distribuição. Se, ao
pressentir isto, o primeiro intermediário corre a casa do governante a
prometer-lhe uma parte dos lucros a câmbio de um monopólio, o processo
de mercado é abortado e a concorrência e a inovação deixam de se
produzir em benefício de produtores, de consumidores ou de ambos. O
mafarrico mercado é colocado na jaula pelo justo governante e a turba
rejubila.
É preciso perceber que não se trata apenas de uma questão de
concorrência: o aumento da prosperidade no futuro depende, em grande
parte, de conhecimento que ainda não se produziu. E nem sequer há
garantias de que esse conhecimento possa chegar a aparecer. A eficiência
dos mercados é dinâmica e é resultado da capacidade dos indivíduos
aproveitarem localmente a divisão do conhecimento e criarem novos
processos que vão refinando a coordenação continuamente. Numa sociedade
tendencialmente socialista, também existem mercados, isto é, processos
pelos quais a produção chega aos consumidores. Só que estão sequestrados
pelos planificadores, pelos seus fins particulares e pela sua
incapacidade de aproveitar toda a extensão da divisão do conhecimento. É
por isso que o mercado-estado é incapaz de substituir os
mercados-livres. Porque carece de conhecimento sobre a informação
disponível e é incapaz de criar informação nova. Tende à obsolescência.
Os filo-marxistas não percebem essa limitação: para eles, o mercado é
simplesmente um ente demoníaco. Não entendem a importância do processo
nem como este emerge. Marx pensava que, no modo de produção socialista, o
proletário produziria, por exemplo, parafusos de manhã e tratados de
filosofia de tarde. Isto ao mesmo tempo que chamava “utopistas” aos
outros socialistas. Nunca entendeu que, numa sociedade próspera,
praticamente toda a produção é para terceiros e tem de chegar aos
beneficiários de forma eficiente. Se os socialistas realmente se
preocupassem com a prosperidade dos indivíduos, estariam todo o dia a
invocar a presença do deus-mercado, nas suas vidas e nas dos demais.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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