Nem acuado nem paralisado, o presidente tuíta como nunca e briga como
sempre, na certeza de que a decisão da Câmara não vai passar no Senado.
Coluna de Vilma Gryzinski:
As acusações contra Donald Trump são gravíssimas: nada menos de trair
a pátria ao abusar do poder conferido pelo cargo “para recrutar uma
potência estrangeira” de modo a corromper eleições democráticas.
Os democratas, com maioria na Câmara dos Representantes, escolheram,
filtraram, manipularam e executaram o mais devastador conjunto de
ofensas atribuídas a Trump.
Acusar um presidente de trair a pátria é, vastamente, sem precedentes na história política americana.
Tão inédito que ocupa mais o universo da força de expressão.
Na prática, o impeachment de Trump é baseado em delitos de abuso de poder e obstrução ao Congresso.
Este último por escolher, no estilo desafiador que deixa a oposição
em estado de permanente apoplexia, “não colaborar” com a “farsa” das
audiências preparatórias para o impeachment – embora sem tomar nenhuma
medida, aí sim delituosa, para impedir os integrantes do governo que
escolheram prestar seus depoimentos às comissões de Inteligência e
Justiça.
As acusações são, evidentemente, desproporcionais ao fato gerador.
Ou erro, equívoco, besteira, pisada de bola, delito censurável –
escolham -, cometido por Trump ao pedir ao presidente ucraniano que
fizesse “um favor para nós” e não deixasse passar em branco as
investigações sobre a atuação dos Biden, pai e filho, na Ucrânia.
Como Joe Biden é o probabilíssimo, se aguentar até lá, candidato
democrata a presidente no ano que vem, Trump estava de fato tentando
puxar o tapete de um adversário com a ajuda do pobre Volodymyr Zelensky.
O humorista ucraniano foi eleito presidente justamente por ser um nome alternativo e não comprometido com a corrupção sistêmica.
O fato de que tenha sido arrastado para a crise no coração do sistema americano é apenas uma das incontáveis ironias desse caso.
Outra, e mais impressionante, é o modo quase performático como Trump está enfrentando a história toda.
Ninguém esperaria que Donald Trump fosse sóbrio, solene ou friamente
enfurecido como Richard Nixon – muitíssimo mais comprometido, com fatos
comprovados infinitamente mais graves, embora os delitos cometidos no
bojo do caso Watergate fossem parecidos na caracterização: obstrução de
justiça, abuso de poder e desacato ao Congresso.
Ou mesmo a raiva incandescente, e as mentiras reiteradas até o limite
da insanidade, sempre revestidas pelo “advocatês”, de Bill Clinton,
enrolado com mulheres que queriam, e muito, ou não queriam fazer sexo
com ele.
Clinton escapou vivo do julgamento do Senado, a segunda etapa do
processo de impeachment por perjúrio e obstrução de justiça, favorecido
pelo voto de cinco republicanos.
Nixon renunciou antes, chamado à realidade inelutável de sua
condenação por três senadores republicanos, entre eles Barry Goldwater,
um ultraconservador que depois evoluiu para o libertarianismo.
A hipótese de que algum democrata, mesmo daqueles eleitos por regiões
mais conservadoras, vote a favor de Donald Trump é praticamente
impensável.
Os tempos são de divisão sectária, total e absoluta, um fenômeno que não é só americano.
Mas também é altamente improvável que, na falta de revelações
transcendentais, vinte senadores republicanos – o número necessário para
dar a maioria de dois terços – votem por sua condenação.
É por causa disso que Trump está fazendo do limão do impeachment uma margarita. Ou whisky sour. Ou equivalente.
Todo mundo entendeu a metáfora – ressalvando-se que Trump não bebe.
A margarita perfeita de Trump seria usar o impeachment e sua
subsequente absolvição como provas de perseguição política – e,
principalmente, reforços para sua reeleição em novembro de 2020.
Ainda está faltando muito para o sal na borda da taça, mas a situação
de Trump é muito longe do desespero apresentado pela maioria esmagadora
da imprensa americana.
No momento, por exemplo, o jacaré está quase fechando o bico, com a
maioria que apoia o impeachment caindo ligeiramente, para baixo da marca
dos 50%, e os que são contra subindo para perto de 47%.
Isso é uma pesquisa diária, com as oscilações previsíveis.
Coincide, por motivos óbvios, com os índices de aprovação ao governo Trump, em média de 43% ou pouco mais.
Ótimos para um presidente apresentado dia e noite como a encarnação de Sauron (a maligna entidade de O Senhor dos Anéis).
Ainda insuficientes para uma reeleição garantida.
Se os democratas tivessem um candidato forte, provavelmente seria
mais fácil para os eleitores no meio do caminho decidirem que Trump
causa tumulto demais, um ruído constante e prejudicial não só para o
país como para a paz de espírito de quem quer tocar a vida sem precisar
escolher um lado todos os dias, sem parar.
A outra vantagem para Trump está aí: o impeachment expõe, para o pessoal do meio do caminho, as artimanhas de Joe Biden.
O provável candidato democrata faz piruetas para , ao mesmo tempo,
defender o filho, Hunter, contratado por um magnata ucraniano quando o
“daddy” era vice-presidente, além de encarregado do dossiê Ucrânia, e se
declarar totalmente inocente de sequer uma única conversa com seu
garoto prodígio sobre o assunto.
Talvez não exista alma mais honesta nos Estados Unidos do que Joe Biden.
Talvez alguns americanos fiquem em dúvida.
Talvez Rudy Giuliani, o advogado particular de Trump, consiga escavar mais sujeiras do democrata.
Ou talvez Trump acabe mais comprometido.
Embora o espetáculo da partidarização absoluta seja deprimente,
principalmente pela cegueira ideológica que causa em ambos os lados,
ainda subsiste a beleza da democracia: ninguém pode cravar o que vai
acontecer.
Não existe, como na China, um Partido Comunista que já tenha tudo muito bem decidido, com ampla antecipação.
A fama de Trump como construtor e incorporador, com seus reluzentes e
novo-riquíssimos edifícios ou hotéis, muitas vezes ofusca sua vocação
tardia, de show man e produtor de televisão.
Criador de programas tipo reality show, obcecado por índices de
audiência, escolado em entender a necessidade de “personagens”
emblemáticos – não vamos falar em arquétipos -, Donald Trump está
vivendo o espetáculo que vai definir seu futuro e, como dizem todos os
ex-presidentes, seu lugar na história.
Não que ele ligue a mínima para esta parte.
O que interessa é a audiência, resultado, em grande parte, de ocupar
todos os espaços possíveis, tarefa amplamente facilitada pela obsessão
com o impeachment.
Em ocupar espaços, até os que o consideram pior que lorde Sauron, reconhecem que ele é bom.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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