"A providência mais importante a ser tomada é a completa privatização da
Vale e sua transformação numa companhia pública, no sentido americano
da palavra. Uma empresa aberta de capital pulverizado em bolsas,
administrada profissionalmente. Esse processo já está em curso e precisa
ser mantido". Artigo de Carlos Alberto Sardenberg, via O Globo:
Vamos falar francamente: no mundo real da política, o governo federal
exerce — ou pode exercer — muita influência sobre a Vale, assim como a
Vale exerce influência sobre governos federal e estaduais.
Não que o presidente Bolsonaro possa mandar demitir Fabio
Schvartsman. Mas pode complicar muita a vida do executivo da Vale, até
conseguir sua saída.
Já aconteceu antes, nos dois sentidos. Lula e Dilma forçaram a
demissão de Roger Agnelli, em 2011, porque este queria dirigir a
mineradora como se fosse uma empresa privada, independente do governo.
Depois, Dilma e Lula controlaram a escolha do sucessor, Murilo Ferreira,
assim como Temer coordenou a indicação de Schvartsman, com a
participação de Aécio Neves, já que a Vale sempre foi considerada um
“patrimônio” mineiro.
Duas circunstâncias permitem esses arranjos, um econômico, outro político. No econômico: o governo é o maior acionista da Vale.
Somando as participações dos fundos de pensão de estatais, Previ,
Petros e Funcef, mais as ações do BNDES, o governo tem 27,7% do capital
da mineradora. A segunda maior participação é do Bradesco, com 5,8%.
No momento, a Vale passa por uma complexa mudança estrutural, cujo
objetivo é tornar a empresa totalmente aberta. Mas até aqui, há um grupo
de acionistas controladores, formado justamente pelos fundos de
estatais, BNDES, Bradesco e a japonesa Mitsui. Como nem o Bradesco nem
os japoneses querem brigar com o governo, dá para entender quem exerce a
maior influência. Esse é o fator político.
Esqueçam, portanto, a tal “golden share”, de propriedade do governo.
Ela só serve para o Planalto impedir, por exemplo, a transferência da
companhia para o exterior, o que não passa pela cabeça de ninguém.
Dirão: mas os fundos de pensão de estatais são entidades independentes.
Deveriam ser. Na prática, sempre foram, digamos, coordenados pelo
governo. Nos tempos do PT, então, o aparelhamento foi total, levando-se
os fundos a negócios e investimentos, digamos, duvidosos.
Portanto, a providência mais importante a ser tomada é a completa
privatização da Vale e sua transformação numa companhia pública, no
sentido americano da palavra. Uma empresa aberta de capital pulverizado
em bolsas, administrada profissionalmente. Esse processo já está em
curso e precisa ser mantido.
E já que estamos no assunto, é preciso introduzir regras mais firmes que garantam a autonomia dos fundos de pensão.
A segunda grande providência é no sentido inverso: a estatização do Estado, ou seja, das agências reguladores e fiscalizadoras.
A trama política nas relações Vale/governo/Congresso/assembleias
legislativas inclui um controle sobre agências que deveriam regular a
mineração. São inúmeros os casos de atuação de políticos lobistas em
favor das mineradoras, quer facilitando licenciamentos, por exemplo,
quer derrubando normas mais rigorosas para o controle da atividade.
Mas a arma mais poderosa é quase silenciosa: o aparelhamento político
de agências reguladoras e o seu “desaparelhamento” prático. Exemplo: a
recente Agência Nacional de Mineração, criada para colocar moral nessa
história, tem 35 agentes para fiscalizar 790 barragens de rejeitos mais o
funcionamento de minas e a situação da pesquisa mineral. E vem o
governo atual dizer que vai fiscalizar nada menos que 3.386 barragens de
algum risco. (Notaram a precisão do número?)
Nesse ambiente, não é de estranhar que surjam propostas tão
equivocadas, como a de intervenção federal na Vale, tão ilegal quanto
inútil. Assim como um suposto endurecimento da legislação, inútil se não
há instrumentos de aplicação.
Além disso, essa situação prejudica o debate sobre o licenciamento
ambiental. Uns querem afrouxar, outros, apertar. Mas o problema não está
aí, está na “privatização” e no aparelhamento das agências.
Do jeito que está o debate, corremos o risco de ou liberar geral ou proibir tudo.
Como resolver, então? Simples, copiem do Canadá.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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