Sem sexo. Sem glúten. Sem lactose. Sem nomes. Sem carne. Sem peixe. Sem
pai nem mãe. Sem gorduras. Sem cor... Aterrados com o sermos a “favor
de” transformamos o quotidiano numa casa de pânico. Artigo de Helena
Matos, via Observador:
*Sem notícias que não cabem na agenda.
23 de Fevereiro. Três jovens ficaram feridos com gravidade na cara
na sequência de uma desordem envolvendo armas brancas, ocorrida nas
imediações da discoteca Urban Beach, em Lisboa. Na véspera, 22,
tornaram-se conhecidos dois vídeos que mostram agressões entre jovens num parque de skate de São João do Estoril. Numa atitude que já vimos noutras situações semelhantes nenhum dos jovens presentes tenta proteger a vítima. A 20, três jovens foram esfaqueados junto da Escola Secundária Eça de Queirós,
nos Olivais, em Lisboa, na sequência do ataque de um grupo de dez
indivíduos. O grupo de atacantes pôs-se em fuga logo após as agressões… A
PSP só encontrou os feridos. Nem armas. Nem agressores.
O que está a acontecer entre os jovens e crianças? Como é que estes
acontecimentos se enquadram no retrato da “geração mais preparada de
sempre”? Facas, murros, grande violência… e nem uma palavra sobre esta
tragédia? Ou será que esta violência não é uma tragédia? Porquê o
silêncio? Miúdas de doze anos espancam-se por causa de “coisas de
namorados”. Os rapazes andam com facas. Sempre que se tenta perceber
algo mais deparamos com alusões a rixas. Gangs. Conflitos entre gangs.
Ajustes de contas. Depois segue-se o silêncio. Esta violência tal como
os assaltos aos velhos não está na agenda. E nós só podemos falar
daquilo que o Bloco autoriza, que o Presidente declara ser uma tragédia e
que as forças vivas da nação a caminho de mais um simposium avisam ser
uma chaga e para a qual já existe um guião prévio dentro da chamada luta de mentalidades.
Pelo contrário abordar esta violência que obriga muito frequentemente a
entrar no terreno minado das etnias sem a ter certeza de arranjar um
“homem branco” para fazer o papel de vilão. Logo as notícias são breves.
Ninguém se admira por a polícia não ter detido ninguém. Muito menos se
quer saber para onde vão as queixas.
(Entretanto, na Venezuela, Maduro resiste. As ditaduras são todas
igualmente más mas as comunistas resistem muito mais na hora da agonia.)
*Sem pai nem mãe. Sem sexo e sem género.
A 21 de Fevereiro, de manhã, a secretária de Estado da Justiça Anabela Pedroso declara à TSF: “Nós
retiramos na nova versão de cartão de cidadão o género, há países que
vão manter o género, Portugal não vai manter. É facultativo.” Horas depois a mesma secretária de Estado da Justiça Anabela Pedroso declarava à mesma TSF: “É um lapso meu.”
Ouvindo as sucessivas declarações de Anabela Pedroso constata-se que
estamos provavelmente diante de um recuo e não de um lapso: a secretária
de Estado mostrava-se informada sobre as decisões tomadas pelo Governo
de que faz parte e não parecia nada estar a trocar Portugal com a
Holanda, como depois afirmou. (Segundo Anabela Pedroso ela estava a
pensar na Holanda e não em Portugal quando explicou que os cartões iam
ficar sem género.) Mas voltemos às declarações de Anabela Pedroso.
Explica a secretária de Estado na sua rectificação que se manteve o
género nos cartões de cidadão portugueses porque várias bases de dados,
nomeadamente da aérea da saúde, “continuam a fazer algum tipo de ligação
com esse campo.” Qual campo? O do sexo. Valham-nos as consultas de
Ginecologia e Obstetrícia ainda não serem mistas e o cartão de cidadão
incluir dados do SNS para durante algum tempo podermos manter esse
arcaísmo o sexo/género no nosso CC! Obviamente isso acontecerá até ao
momento em que as bases de dados da saúde sejam corrigidas dessa
bizarria de nos dividir em homens e mulheres. (Uma dúvida: em alguma das
inúmeras reuniões referidas pela secretária de Estado para análise dos
conteúdos do referido cartão alguém terá tido a bondade de explicar que
seria excelente que estes passassem a ser legíveis? É que é mais ou
menos impossível aos olhos de ambos os géneros ler sem recurso a lupa os
algarismos que identificam o respectivo cartão!)
Paulatinamente os documentos oficiais estão a tornar-se em peças de
criação de uma identidade ditada pela ideologia, em que o facto
consumado dita a lei: causou agora perplexidade que em França se
pretenda excluir os termos pai e mãe da documentação escolar. Mas na
verdade já em 2017 a Junta da Andaluzia eliminara as figuras de pai e
mãe nos boletins escolares. E a discussão sobre se se deve ou não
celebrar o Dia da Mãe e do Pai nas escolas tem largo historial por essa
Europa fora.
Em nome da não discriminação dos homossexuais, das pessoas que mudam
de sexo ou que não se revêem em sexo algum e de cada minoria dentro da
minoria que nasce a cada hora, está a impor-se administrativamente uma
identidade sem sexo, sem pai e sem mãe. Mesmo quando essa “identidade
ideológica” compromete o fim para que foram criados os documentos. Por
exemplo, se os cartões de cidadão/bilhetes de identidade se destinam a
identificar os cidadãos, excluir o sexo da informação visível nesses
cartões/bilhetes faz algum sentido? Para quê então incluir a altura que,
por sinal, varia ao longo da vida? Ou o nome? Como se justifica a
exclusão de sexo em documentos que se dizem de identificação?
Com os líderes políticos a mostrarem um enorme receio de entrar nesta
discussão a agenda ficou nas mãos dos radicais. E assim o que começou
por ser uma luta por direitos iguais tornou-se numa ditadura
igualitarista. Criámos um mundo em que “sem” se tornou sinónimo de
saudável, de certo, de tolerante. Aterrados com o sermos a “favor de”
transformámos o quotidiano numa casa de pânico e barricamo-nos atrás do
mundo sem. Sem sexo. Sem lactose. Sem glúten. Sem nomes. Sem carne. Sem
peixe. Sem pai nem mãe. Sem gorduras. Sem cor. “Viver sem” é a ditadura
do nosso tempo.
(Alguém sabe quantos intelectuais venezuelanos perseguidos por Chávez
ou Maduro foram convidados pela Universidade de Coimbra para denunciar o
que estava a acontecer no seu país?)
PS. Volta e meia vou sabendo deles: têm um andar afectado a
escritório num prédio de habitação. Ou melhor tinham. Pretendem agora
que o andar volte a ser de habitação mas falta-lhes sempre uma
assinatura. E é por isso que escrevem aos restantes condóminos. Podia
pensar-se que dada a falta de andares para habitação seria legalmente
fácil devolver um andar de habitação ao seu uso original: habitação.
Nada disso, a legislação trata estes proprietários como aqueles que
querem transformar um andar de habitação em escritório ou consultório:
impõe que todos os condóminos, lojas incluídas, dêem a sua autorização.
Por escrito. No caso de uma fracção pertencer a uma herança indivisa não
basta assinar o cabeça de casal: têm de assinar todos os herdeiros.
Como se percebe o processo dura anos!
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