"A liberdade de expressão é o mecanismo por meio do qual a sociedade evoluiu. É
em decorrência da liberdade de expressão e da capacidade de articular
idéias que as pessoas conseguem apontar problemas, explicá-los,
solucioná-los e tentar chegar a um consenso". Artigo de Julian Adorney, publicado pelo Instituto Mises Brasil:
O ser humano é um animal dotado da capacidade de raciocinar, imitar e
imaginar. Mas não só. Ele é também um animal dotado da capacidade de
verbalizar e comunicar suas idéias com o propósito de persuadir seus
interlocutores, trocar informações com eles ou, simplesmente, expressar
suas emoções.
A capacidade de se expressar de maneira complexa e argumentada
constitui um traço distintivamente humano — o qual, ademais, é em grande
medida responsável pelo nosso progresso civilizatório.
Mais ainda: a capacidade de se expressar livremente é o mecanismo por meio do qual o ser humano mantém a sociedade funcionando.
É em decorrência da liberdade de expressão e da capacidade de
articular idéias que as pessoas conseguem apontar problemas,
explicá-los, solucioná-los e tentar chegar a um consenso.
Mas há o outro lado: a transmissão de idéias também representa um
foco potencial de conflitos entre os seres humanos. Um determinado
conjunto de idéias — sobretudo quando estas não fazem parte de nossa
identidade cultural — pode nos parecer rechaçáveis, criticáveis ou mesmo
repugnantes. Ou seja, as idéias não só nos seduzem, como também podem
nos molestar. E, em ocasiões, podem nos molestar sobejamente.
E isso é inevitável: por ser capaz de pensar e de se expressar, o ser humano sempre poderá soar ofensivo a terceiros.
A evolução se deu por meio do debate aberto
Durante séculos, os indivíduos chegaram ao ponto de se enfrentar
mutuamente, até o extremo de se aniquilarem, por causa das idéias. As
guerras religiosas foram, em última instância, guerras sobre idéias:
sobre concepções heterogêneas (e contrapostas), acerca da
transcendência, pelas quais muitos estavam dispostos a morrer e a matar.
A forma que socialmente descobrimos para evitar nos enfrentarmos e
nos agredirmos por causa de nossas idéias díspares foi a tolerância
mútua: um programa ideológico que politicamente se cristalizou naquilo
que hoje chamamos de 'liberalismo' — "uma tecnologia para evitar a
guerra civil", como, de maneira clarividente, definiu o filósofo Scott Alexander.
As idéias liberais nos ensinaram o segredo para podermos conviver em
paz: aceitarmos tolerar mutuamente as idéias díspares e incorrermos em
argumentações racionais para resolver nossas discordâncias. Foi assim
que a civilização evoluiu.
A censura estimula a intolerância
Obviamente, nosso desafio sempre foi tolerar aquelas idéias ou
expressões alheias que nos ofendem, e não aquelas que nos agradam e
entusiasmam. Somos tolerantes quando respeitamos o dissenso, e não
quando recriamos o consenso. E somos mais propensos a tolerar as idéias
alheias quando os demais toleram as nossas: se um grupo de pessoas vê
suas idéias sendo silenciadas e censuradas, ele perde toda a razão
estratégica para tolerar as idéias alheias.
Consequentemente, quando um grupo politicamente influente consegue
instituir a censura sobre aquelas idéias alheias que consideram
ofensivas, essa ação bem-sucedida começa a atrair imitadores: a
tendência natural é que outros indivíduos que também se sentem ofendidos
por outras idéias passem a exigir a censura dessas idéias. Como
consequência, o debate vai se tornando cada vez mais manietado.
Pior: quando um grupo vê suas idéias sendo censuradas, a tendência é
que ele redobre a aposta em suas idéias, tornando-as ainda mais
agressivas, podendo se degenerar em violência física.
Assim, qualquer sociedade que opte pela censura, ainda que branda,
está continuamente colocando em xeque a resistência de seus pactos
implícitos em torno da liberdade de expressão.
Em última instância, a tolerância mútua é, em certa medida, um
equilíbrio potencialmente muito frágil: quando um grupo sente que suas
idéias já são suficientemente toleradas pelos demais, ele pode, de um
lado, se limitar a tolerar as idéias alheias; mas, de outro, pode também
cair na tentação oportunista de tentar censurar marginalmente aquelas
idéias ou expressões de terceiros que lhes ofendem, causando ainda mais
distúrbios.
Esse tem sido o caminho escolhido pelos adeptos do politicamente correto.
O politicamente correto como ferramenta de controle
O adjetivo 'politicamente correto' é usado para descrever linguagens
ou ações que devem ser evitadas por serem vistas como 'excludentes' ou
'ofensivas'.
Em tese, o politicamente correto defende a censura de idéias que
marginalizam ou insultam grupos de pessoas tidos como desfavorecidos ou
discriminados, especialmente grupos definidos por gênero, raça ou
preferências sexuais.
No entanto, ao defender a censura de idéias consideradas "ofensivas",
o politicamente correto nada mais é do que uma ferramenta criada para
intimidar e restringir a liberdade de expressão. Ao proibir a livre
manifestação de idéias a respeito de uma miríade de assuntos, o
politicamente correto funciona como uma linha de montagem mecanizada,
cujo objetivo é padronizar e homogeneizar as ideias dos indivíduos,
fazendo-os pensar e agir sempre de modo uniforme.
Para o politicamente correto, um debate aberto e sem censura, além de
ofensivo para as minorias, é também subversivo, inflamatório e gerador
de discórdias, devendo por isso ser censurado. Mas isso atenta contra a
lógica básica. O debate aberto é algo que, por definição, estimula a
análise crítica e impede a uniformidade (e a hegemonia) intelectual. O
debate aberto e sem censura evita a predominância do chamado "pensamento
de manada", garantindo assim uma voz exatamente para os grupos mais
marginalizados e excluídos — os quais, em tese, são o alvo da
preocupação do politicamente correto.
Se o indivíduo não mais tiver a liberdade de falar o que pensa, ele não mais será capaz de pensar. Como bem disse o psicólogo Jordan Peterson,
a liberdade de expressão é suprema e está acima do "direito" de alguém
de não se sentir ofendido. Com efeito, não há o "direito de não ser
ofendido" simplesmente porque isso, caso realmente fosse impingido,
levaria à extinção do próprio pensamento: o ser humano, por ser capaz de
pensar, sempre poderá soar ofensivo a alguém. Querer proibir a
expressão do pensamento significa proibir o próprio ato de pensar.
Conclusão (e um teste)
No final, o que temos hoje é apenas uma defesa simétrica da liberdade
de expressão: só é lícito aquilo que me agrada. Aquilo que me ofende
deve ser proibido.
Só que defender a liberdade de expressão de minhas idéias não é
mérito nenhum. Tampouco representa qualquer utilidade social. O
verdadeiro mérito está em defender a liberdade de expressão daqueles que
nos ofendem profundamente, e então vencê-los no debate por meio da
razão. A censura prévia é simplesmente o método a que recorrem os
intelectualmente incapazes.
No geral, se você é de esquerda e defende censura e punição àquilo
que você considera "discurso de ódio da direita", você está apenas
defendendo o privilégio da sua seita de abolir a expressão das idéias
alheias. E vice-versa. A universalidade da liberdade de expressão não
existe para proteger aquilo que nos agrada, mas sim para proteger da
censura aquilo que nos ofende.
Caso cedamos ao encanto de censurar aquilo que nos desagrada, em vez
de criarmos uma plataforma que estimule o desenvolvimento do indivíduo
por meio do raciocínio lógico, do questionamento e dos diálogos
estimulantes, estaremos apenas criando robôs com pensamentos
padronizados e homogeneizados.
Abrir a Caixa de Pandora da censura pode acabar estimulando outros
grupos a fazerem exatamente o mesmo, acabando assim com a liberdade
geral de expressão e com toda a nossa capacidade de debate baseado na
razão. Com efeito, estaremos atacando a nossa própria capacidade de
raciocínio.
Não há mágica: o livre intercâmbio de informações e idéias é crucial
para o progresso de uma sociedade livre. Por isso, toda a forma de
"polícia do pensamento" deve ser abolida.
Por fim, um teste: alguns países europeus, como a Alemanha,
transformaram em crime o "discurso de ódio" (hate speech) na internet.
Na prática, as mídias sociais (Google, Facebook e Twitter) serão severamente multadas caso permitam que seus usuários façam "discursos de ódio" em suas plataformas.
Por uma questão de lógica, isso implica que agora é ilegal odiar
Hitler e o Holocausto na internet. Também significa que o marxismo — que
fomenta o ódio dos assalariados aos capitalistas, estimulando o
assassinato de capitalistas — se tornou ilegal. Você apóia?
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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