Já esperava que Ana Paula Vôlei
tratasse, em sua coluna desta semana no Estado, da catastrófica greve
dos caminhoneiros, que alguns malucos ousaram comparar à Revolução
Americana. Nada disso: "sem
continuidade e estabilidade, sem o império das leis, como ingleses e
americanos nos mostram há séculos, não há escapatória. Nas estradas e na
democracia, não existem atalhos (...). O
preço da gasolina está caro, mas o custo de uma revolução baseada no
caos é ainda maior, como estamos cansados, mas muito cansados de saber".
Segue o texto na íntegra:
Depois do Brasil ter
parado, literalmente, e enfrentado dias venezuelanos devido à greve dos
caminhoneiros, o país começa a voltar ao normal nas estradas e rodovias,
mas não nas redes sociais. As vias virtuais continuam tumultuadas,
motoristas ainda exaltados e muitos dirigindo embriagados. Se beber não
dirija nem use as redes sociais, vai dar PT.
De todos os cantos
das redes (cada dia menos) sociais, o que mais me espanta é aquele que
ainda tenta relacionar as estradas bloqueadas da histórica greve dos
caminhoneiros, as prateleiras vazias dos mercados, a intimidação muitas
vezes violenta de quem quer trabalhar (um caminhoneiro infelizmente foi
agredido e faleceu), as escolas sem aulas, os hospitais sem remédios, as
propriedades rurais ilhadas, com a Revolução Americana. Posso não
entender de muita coisa na vida, mas quero, se me permitem, esclarecer
um ponto ou outro sobre o que aconteceu aqui nas terras do Tio Sam no
final do séc. XVIII e evitar revisionismos históricos que beiram à
insanidade.
Num sermão proferido
em 1750 em Boston, o pastor graduado em Harvard, Jonathan Mayhew disse:
“nenhuma taxação sem representação”, frase que logo se tornou um bordão
na costa americana banhada pelo Atlântico. Anos mais tarde, também em
Boston, a frase ecoava como fonte de inspiração aos colonos da coroa
britânica através de James Otis, um político local, que a adaptou para
“taxação sem representação é tirania”. Os colonos americanos acreditavam
que, como cidadãos britânicos, não estavam suficientemente
representados no parlamento londrino e que, portanto, este não teria
legitimidade para governar a colônia. A coroa britânica estava longe de
ser um império totalitário e ditatorial para os parâmetros da época, mas
com os elevados gastos das guerras travadas contra a França entre 1754 e
1763 houve a necessidade de fazer caixa e a colônia era vista como um
enorme caixa eletrônico para saques.
Muitas decisões
unilaterais foram tomadas pela Inglaterra, chegando às “Leis
Intoleráveis” de 1774 que tornaram a Guerra de Independência inevitável.
O que diferencia a Revolução Americana de praticamente todas as outras,
especialmente da Revolução Francesa ocorrida poucos anos depois, é que
em vez de rios de sangue nas ruas, cabeças guilhotinadas e todo tipo de
barbárie bestial contra tudo e todos, os Pais Fundadores da América
entenderam que estavam sendo tratados injustamente como súditos de
segunda classe do Rei e que precisavam de um plano bem executado para se
libertarem das injustas imposições da coroa britânica.
O que se viu, então,
foi uma revolução baseada em ideias, conduzida por gigantes intelectuais
e morais da história, que se rebelaram contra uma “quebra de contrato”
da coroa britânica e que buscou, com inigualável sucesso, recriar na
ex-colônia uma sociedade nos moldes da pátria-mãe mas longe da tirania
de um monarca específico. A América não queria “enforcar o último rei
nas tripas do último padre” como os jacobinos franceses, muito pelo
contrário, como se provou na Declaração da Independência, no Bill of
Rights e na Constituição promulgada pouco depois.
John Adams, George
Washington, Benjamin Franklin, Thomas Jefferson, entre outros seres
realmente iluminados e únicos, queriam um país com governo controlado,
cidadãos livres para buscar a própria felicidade sem a intermediação,
controle, ingerência ou supervisão da burocracia estatal. O resultado
foi a sociedade mais próspera e bem sucedida da história da humanidade,
enquanto os jacobinos criaram O Terror, abriram o caminho para a
ascensão de Napoleão e de uma perda de protagonismo da França com
consequências até os dias de hoje.
As conquistas da
Revolução Americana foram únicas porque seus ideais, métodos e valores
eram igualmente únicos, daqueles que nós, apenas quatro anos antes do
bicentenário da nossa própria independência, poderíamos estudar e
relembrar um pouco mais antes de citar como exemplo de insubordinação ou
desobediência civil. Comparar a Revolução Americana com a Revolução
Francesa ou qualquer outra revolução promovida por líderes carismáticos
contra “tudo isso que está aí” é como comparar o trabalho de um lenhador
sério com “O Massacre da Serra Elétrica”.
A natureza humana
traz dentro de todos nós um Robespierre e um John Adams, cabe a cada um
decidir qual voz interna falará mais alto. Sou filha de pais
professores, classe sufocada e desprezada em quase todos os governos,
entendo perfeitamente e me solidarizo com o drama de toda categoria
profissional brasileira que se encontra presa numa cadeia de regulações
insanas, impostos extorsivos e reféns dos burocratas e políticos
insaciáveis que devoram quase metade de tudo que o brasileiro produz,
sem devolver praticamente nada à sociedade. A sensação é de verdadeira
“taxação sem representação” e isso tem que mudar, e pra ontem, ou o país
do futuro será sempre o lupanário do atraso ideológico, político e
econômico. No entanto, como meu saudoso pai dizia, e como em tudo na
vida é importante que se diga, os fins nem sempre justificam os meios.
Se mudar o país
utilizando as instituições democráticas é lento e com resultados
incertos, quebras institucionais levam sempre a mais problemas do que
aqueles que diziam querer resolver. O Brasil já está na sua sétima
Constituição e não é exatamente comum na nossa história que um
presidente eleito, que tenha recebido o governo de outro eleito, passe a
faixa para um sucessor também eleito. Sem continuidade e estabilidade,
sem o império das leis, como ingleses e americanos nos mostram há
séculos, não há escapatória. Nas estradas e na democracia, não existem
atalhos.
A falta de liderança e
autoridade de um governo fraco, que hoje entregou a cabeça de Pedro
Parente e as joias da coroa num fim melancólico de mandato, mesmo que
com alguns bons resultados na economia, é uma carniça que sempre atrai
os abutres, nas estradas da política e nas vias das redes sociais, mas
cabe a cada um de nós, especialmente os que se autointitulam
conservadores, que as paixões revolucionárias do momento possam ser
refreadas em função do senso comum e do bem estar de todos os cidadãos
que sofreram e ainda estão sofrendo com o caos provocados pelas
paralisações. Não é possível socializar prejuízos em nome de pautas
privadas e ainda se dizer liberal, pelo menos no sentido clássico da
palavra.
Lênin, Fidel, Che,
Pol Pot, Mao e até Robespierre podem inspirar os sonhos de intelectuais e
até de políticos oportunistas, mas são os prudentes, sábios, legalistas
e morais da Revolução Americana que devem servir de exemplo para
qualquer democrata. O preço da gasolina está caro, mas o custo de uma
revolução baseada no caos é ainda maior, como estamos cansados, mas
muito cansados de saber.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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