Fernando Gabeira, via jornal O Globo:
O Brasil não pode
parar. É uma questão de Estado. Semana que vem, deixo o Brasil por um
bom tempo: missão profissional. Já estava acertada desde o início do
ano. Passei esses meses, um pouco aos trancos, estudando a história
cultural da Rússia. Espero fazer um trabalho interessante.
Mas saio do Brasil
com uma pergunta no ar: como é possível impedir que o país pare do novo,
como aconteceu na greve dos caminhoneiros? Já escrevi um artigo
mostrando a fragilidade do governo. Mas evoluí para considerar que,
independentemente da incapacidade do governo, o Brasil não pode parar. É
uma questão de Estado.
Do ponto de vista
legal, não deveria haver problema. Se um presidente gosta do diálogo e
da negociação, ótimo. Mas está fora do seu alcance tolerar uma
paralisação nacional que coloque o país de joelhos. Acho que o Brasil
tem a obrigação, depois dessa, de formular um plano que impeça o país de
parar.
Minha sugestão é um
plano que envolva Brasília e estados e que passe por uma simulação. Não
há nada de errado em simular. Os japoneses fazem com frequência, para
vários perigos em potencial. Aqui, no Brasil, já fizemos simulação de um
desastre em Angra. Houve alguns problemas. O pior deles: o policial
rodoviário que daria apoio à operação morreu num desastre no perigoso
trecho da BR-101.
Deveria ter percebido
com mais clareza que as estradas são o nosso ponto fraco. Hoje, fica
bastante claro que a opção quase total pelas rodovias nos coloca um
problema singular de segurança nacional, não apenas pelas greves, mas
diante de um potencial inimigo externo.
Felizmente, as coisas
estão voltando à normalidade. Percorri algumas cidades da Serra
fluminense, para documentar a epopeia de nossa salada, que sumiu das
mesas na primeira semana. Tudo volta à normalidade, mas com um rombo de
R$ 75 milhões. Uma normalidade que expôs como o país pode se tornar
refém de grevistas.
Não tenho nada contra
greves. É razoável que, em certas condições, as pessoas cruzem os
braços. Mas paralisando apenas sua atividade, deixando que as outras
possam fluir. Simplesmente, recusando-se a transportar sua carga, os
caminhoneiros já teriam um enorme poder de barganha. Ao bloquear
estradas e refinarias, multiplicaram seu poder. Tornaram-se
momentaneamente mais fortes que o Estado brasileiro.
Quando Temer resolveu
agir, era tarde demais. A própria ideia de convocar as Forças Armadas
naquele momento já tornava a tarefa muito mais difícil. Quando assisti
na TV que os militares estavam em dúvida se teriam gasolina para
realizar sua tarefa ao longo de estradas bloqueadas e refinarias
fechadas, cheguei à conclusão de que é preciso fazer alguma coisa para
que isso não aconteça nunca mais.
Nenhuma causa
justifica bloquear combustível, alimentos, deixar hospitais em
emergência, adiar cirurgias, aterrorizar pacientes que dependem de
hemodiálise. É preciso definir alguns limites. Compreendo, também, que
às vezes uma greve tem a simpatia popular. Isso é ótimo para ela. Mas,
ainda assim, mesmo num caso em que a maioria apoie o bloqueio, ela não
tem o direito de impô-lo aos outros.
O que aconteceu com o
governo e os políticos demonstra, mais uma vez, que eles vivem num
universo paralelo. Não percebem que os gastos monumentais da máquina,
inclusive com as mordomias, contribuem com nossa pesada carga
tributária. E quando se precisa dela, a máquina entra em pane.
O tamanho dela não
cabe no Brasil. É até compreensível ter falhado ao deixar o Brasil
parar. Sua lógica cotidiana já é de reduzir o nosso ritmo, ampliar nossa
pobreza.l
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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