Relembrando o fatídico 7 a 1 da última Copa, Bruno Vieira Amaral faz uma crítica impiedosa da seleção brasileira no Observador: "o Brasil
está em convalescença futebolística desde que se convenceu que o mundo
lhe deve sempre mais estrelas do que aquelas que ostenta na camisa":
Quando o seu país
mais precisou dele, Neymar Jr. não desiludiu e apresentou ao mundo um
novo penteado. Não sou dos que julgam um atleta pelo penteado, pelas
tatuagens ou por outros acessório, mas quem aposta tudo na estética
capilar e descura os dotes fuebolísticos arrisca-se a ser crucificado
quando as coisas não correm bem. Em abono do jogador do Paris
Saint-Germain, diga-se que é injusto usá-lo como bode expiatório,
prática que os brasileiros usam amiúde para explicar o insucesso, desde
os tempos do malogrado Barbosa, aquele infeliz guarda-redes de 50 que,
segundo a lenda negra (no pun intended), pôs uma nação inteira a chorar.
Por muito boa vontade
que se tenha para com Tite, qualquer adepto honesto deveria começar por
reconhecer que o Brasil continua em convalescença. Não é desde o
Mineiraço e os traumáticos 7-1. Não é desde o colapso de Ronaldo, o
Fenómeno, em 98. Não é desde a equipa-maravilha de 82, a melhor de
sempre a não ganhar nada, dizem os mais reputados especialistas em
derrotas de elevado teor de pureza estética. Não é desde o já referido
Barbosa e do carrasco Ghiggia que fez todo um povo caminhar pelas ruas
do Rio de Janeiro como se as duas bombas de Hiroxima e Nagasáqui
tivessem atingido em simultâneo o Maracanã. Não, o Brasil está em
convalescença desde que D. Pedro deu o Grito do Ipiranga.
Mas não é altura para
discussões sobre história. O Brasil está em convalescença futebolística
desde que se convenceu que o mundo lhe deve sempre mais estrelas do que
aquelas que ostenta na camisola, ou seja, desde que o futebol é futebol
moderno. E como insiste em cobrar essa suposta dívida, todas as
vitórias são triunfos da humanidade e todas as derrotas são catástrofes
irremediáveis. Que eu me lembre, só uma derrota do Brasil em Mundiais
foi aceite com resignação, tal a superioridade do adversário e
magnificência do homem que o liderava. Foi em 2006 e o homem era Zidane.
De resto, a derrota do Brasil é sempre entendida intimamente pela
torcida como uma violação das leis naturais do desporto, um erro cósmico
para o qual é necessário encontrar um responsável humano, como se agora
resolvêssemos processar pelo degelo do Ártico um motorista da Câmara de
Águeda.
Barbosa, Serginho,
Carlos, Ronaldo, Júlio César, a reunificação da Alemanha ou Neymar podem
ser boas desculpas mas não escondem a realidade. O Brasil é um eterno
convalescente. O atropelamento de Belo Horizonte foi há quatro anos. Em
2014, o espírito à volta do escrete era de governo de salvação nacional.
Recuperou-se o último treinador campeão do mundo, o Felipão com o seu
arsenal esotérico constituído por analfabetismo táctico, Murtosa e
Senhora do Caravaggio, e os jogadores, com David Luiz e Thiago Silva à
cabeça, entravam em transes pentecostais no final dos jogos. Dessa
seleção aziaga restam quatro ou cinco jogadores. Júlio César, Maicon e
outros reformaram-se. Coutinho, Firmino e Gabriel Jesus despontaram.
Scolari deu o lugar a Tite. O medo, esse, continua lá, com contrato
vitalício com a CBF, no lugar que devia ser da alegria.
Por caminhos
inesperados, o “escrete” de 2014 redimiu mesmo Barbosa, como lembraram
os jornais após o vexame de Belo Horizonte. Depois de cinco jogos no fio
da ilusão, o Brasil foi apresentado à realidade que, como
habitualmente, vestia as cores da Alemanha. Os sete golos rasgaram o
peito dos brasileiros, mas o que lhes amarrotou o orgulho foi o golo de
honra marcado no período de descontos por Óscar, que soou como o último
prego num esquife que a nação do futebol tinha andado a carpinteirar há
muitos, desde que se habituara a ganhar com tractores no meio e um
frasquinho de perfume lá na frente.
No rescaldo da
catástrofe de Belo Horizonte, houve quem dissesse que era preciso
alterar toda a estrutura do futebol brasileiro para seguir exemplos de
sucesso como a Espanha, a Alemanha ou, santo deus!, a Islândia. E o que é
que o Brasil fez perante a necessidade de “reformas estruturais”? Pôs
Tite no banco e o treinador, por sua vez, apostou nos “quatro meninos” –
Neymar, Coutinho, Gabriel Jesus e Willian –, mais uma daquelas fórmulas
mágicas e irracionais com que o Brasil procura saltar os obstáculos
concretos com que se depara. Neymar, longe da melhor forma, seguiu o
mesmo caminho e também optou pela transformação cosmética.
Ontem, a culpa foi do
VAR, do egoísmo de Neymar, do cabelo de Neymar, do diabo a quatro.
Amanhã será do adversário malvado que, em conluio com forças demoníacas,
cometer o sacrilégio de trespassar o santuário sagrado guardado por
Alisson. E assim sucessivamente. Como todos os convalescentes, o Brasil
precisa de sopas, descanso e de uma boa dose de sensatez. Mas, mesmo
numa altura em que a canarinha nunca foi menos consensual do que agora,
sensatez ainda é artigo em falta na farmácia Brasil.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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