Artigo de Carlos Andreazza ("A pressa de Ciro"), publicado pelo Globo,
afirma que "Ciro sabe que precisa se consolidar — como opção
esquerdista viável, competitiva — antes de Lula indicar seu candidato".
Para o articulista, a esquerda (vade retro!) estará no segundo turno:
A esquerda estará no
segundo turno. Ignorar essa obviedade é desprezar a existência do
Nordeste e a natureza do mapa eleitoral brasileiro conforme cristalizado
principalmente a partir de 2006 — ano da reeleição de Lula, o primeiro
em que o Bolsa Família se impôs como elemento determinante para o voto,
um programa de transferência de renda eficaz sobretudo como ferramenta
para cadastramento e acesso a informações de milhões de cidadãos. Não há
novidade nisso, senão no fato de que, decisivo há três eleições, o
Bolsa Família ainda seja menosprezado pelos que fazem análise política
neste país.
A esquerda estará no
segundo turno. O padrão demográfico do Brasil explica. Ciro Gomes sabe
disso. Daí a sua pressa. Ele sabe também que precisa se consolidar —
como opção esquerdista viável, competitiva — antes de o momento vindouro
em que Lula indicará seu candidato. Porque o PT terá candidato — um
petista. Trata-se de questão estratégica para a sobrevivência do
partido, vencedor das últimas quatro eleições presidenciais, que
contempla e até trabalha com a possibilidade (grande) de afinal ser
derrotado, mas que não pode arriscar a hegemonia sobre a esquerda
brasileira erguida no curso de quase 40 anos. É o que está em jogo, para
muito além da eleição.
Ciro sabe, pois, que
são remotíssimas as chances de o PT apoiá-lo no primeiro turno. Em troca
de quê? Daí a sua pressa. Pressa e cálculo. Único que ora se move, e
com primor, num tabuleiro eleitoral de resto engessado, ele sabe que
precisa estar robusto — estruturado, com alguma aliança claramente
percebida como de esquerda, donde o cortejo a PSB e PCdoB — para quando,
logo adiante, as especuladas e fraquíssimas hipóteses de candidatura
petista se converterem, sob a palavra do ex-presidente, no candidato de
Lula. É erro grave apoucar a capacidade de transferência de votos de um
homem que, mesmo preso, há dois meses mantém estáveis 30% em pesquisas
de intenção de voto, dois terços dos quais declaradamente dispostos a
migrar para o indivíduo que apoiar — seja quem for o ungido, com
considerável probabilidade de avançar à segunda rodada se superar a casa
dos 15%. Alguém duvida?
Insisto que, para o
Partido dos Trabalhadores, nas circunstâncias em que se encontra, as
eleições de 2018 são menos sobre vencer do que permanecer — não perecer.
De todo modo, olhando para a dinâmica do mundo real, convém relativizar
os sentidos e as proporções do que seja ganhar. Ou o PT não sairá
vitorioso, ademais reafirmado como senhor da esquerda nacional, caso
consiga fazer seu candidato — o escolhido de um líder presidiário —
avançar ao segundo turno? É o que está em jogo.
Tempos difíceis virão
para Ciro Gomes, portanto. Ele faz tudo certo, no ritmo correto, mas
sabe que, ainda assim, maiores são as chances de que sua candidatura
seja tragada pela assunção daquele escolhido para representar — para ser
— Lula nesta eleição, pleito para cujo componente plebiscitário, a
própria definição da tática petista, novamente chamo atenção: parcela
não desprezível do eleitorado votará em 2018 não para presidente, mas
sobre se o ex-presidente é ou não culpado, é ou não injustiçado.
Sugiro não desmerecer
as pesquisas eleitorais que apresentam, por exemplo, Fernando Haddad
expressamente como o candidato de Lula, situação em que o ex-prefeito de
São Paulo — na casa de 2% quando apregoado como representante do PT —
alça voo instantâneo ao seleto clube dos dois dígitos. Desqualificar
essa simulação induzida sob o argumento de que condicionaria a opinião
do entrevistado é se cegar para o que em nada mais consiste do que
antecipação do ambiente real da campanha, conforme veremos a partir de
agosto. Haddad é Lula, Haddad é Lula, Haddad é Lula — qualquer Jaques
Wagner será.
Testar e estudar
cenários em que um fulano petista seja identificado como o escolhido do
ex-presidente é obviedade lastreada não apenas na experiência de
eleições passadas (que exprimiram uma manifestação de popularidade), mas
no movimento de guerrilha — de natureza plebiscitária — por meio do
qual Lula ora capitaliza a politização de seu cárcere concentrando o
discurso exclusivamente no terço do eleitorado que jamais lhe faltou,
investimento seguro numa manifestação agora de resistência. Não importa
se apelo artificial. Artificial para quem? A mensagem é clara e se
destina a receptor doméstico e domesticado: seja quem for o candidato
petista, Lula será — e isso, essa associação quase religiosa, vendido
com intensidade jamais vista, como próprio a quem peleja por não morrer.
Ciro tem pressa.
Dificilmente, porém, não será a primeira vítima — talvez mesmo a única —
da estratégia lulista. O PT — quem diria? — precisa de pouco.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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