Caso proíba
a prisão de Lula, o STF mergulhará o país em profunda insegurança
jurídica, nociva à democracia, escreve José Nêumanne no Estadão:
Uma
lenda urbana atormenta o Supremo Tribunal Federal (STF): a de que o País
pegará fogo quando o Tribunal Federal Regional da 4.ª Região (TRF-4),
em Porto Alegre, mandar executar a pena de 12 anos e um mês a que foi
condenado o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na verdade, o
criminoso (não levem a mal o autor destas linhas, mas o fato já foi
resolvido em definitivo pela instância cabível no Judiciário) foi
presidente da República e, a julgar pelas últimas pesquisas, deve ser o
mais popular da História. É fato também que Lula lidera as pesquisas de
intenção de voto dos institutos de opinião pública para a eleição
presidencial de outubro. E daí?
O
argumento da paz social é usado para transformar o fundador e principal
líder do Partido dos Trabalhadores (PT) em beneficiário de anistia num
lance sórdido, conhecido no popular como tapetão. E este pode configurar
o STF como um puxadinho da mal afamadíssima justiça desportiva – com as
letras mais minúsculas com que seja possível grafar. Pasme, leitor
sensato e incauto, as supremas togas nacionais conspiram para evitar a
prisão de um criminoso do qual não há presunção, mas, sim, pretensão de
inocência, temendo o rugir das ruas contra a execução de sua pena.
Suprema ignorância! O anunciado exército de Stédile, do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), não impediu o impeachment de sua
afilhada Dilma Rousseff nem paralisou o processo em que ele foi
submetido a uma condução coercitiva, tida como humilhante, e condenado
pelo juiz federal Sergio Moro a nove anos e seis meses. Muito menos: não
conseguiram mais do que interromper o trânsito com pneus queimados para
protestar contra a confirmação da condenação, o aumento da pena na
segunda instância e a negação de seu habeas corpus pelo Superior
Tribunal de Justiça (STJ).
O
carisma do condenado, liberado para fazer campanha, só elegeu seu poste
Dilma com ajuda do PMDB e não evitou a catástrofe de seu partido nas
eleições municipais de 2014.
A
perspectiva de uma convulsão social com a prisão de Lula é um falso
pretexto para que os conspiradores togados, dos quais sete foram
nomeados por presidentes dos desgovernos petistas Lula e Dilma, dele se
aproveitem para substituírem definitivamente o governo das leis pelo
governo dos homens. O modus operandi da cúpula do Poder Judiciário está
claramente dando um golpe contra o Estado de Direito (o governo das
leis). Mas não está isolado nessa ignomínia, como denunciou um artigo,
que é uma verdadeira aula de Direito, escrito pelo professor Celso Lafer
e publicado neste espaço no domingo passado. O Legislativo, o
Executivo, o Ministério Público e a Polícia Federal são cúmplices!
Os
conspiradores togados não o fazem por motivos ideológicos, caritativos
ou por generoso garantismo, mas por meros interesses pessoais, passando
por cima da ética e da honra com um cinismo deslavado. Um ministro do
STF concedeu habeas corpus a clientes da banca de seu cônjuge e julga
patrocinadores de empresas de que é acionista. Um ex-colega dele,
patrono da causa que poderá ser beneficiada pelo tapetão, eleva a
chicana à condição de direito pleno de defesa recorrendo à lerdeza dos
julgamentos de uma Corte tartaruga. Duplo vexame: no exercício de cargo
no topo de suas carreiras, ganhando salários que servem de teto para
todo o funcionalismo, incluindo o presidente da República, participam
dos lucrativos negócios da educação e da advocacia, pois lhes é
permitido e não percebem quebra de decoro.
Se o STF
endossar o tapetão para Lula, apenas porque um de seus membros, Gilmar
Mendes, mudou de opinião, será responsável por uma grave crise de
insegurança jurídica nesta República de réus. Pois um juiz de primeira
instância, três da segunda e cinco do STJ, estas últimas por
unanimidade, decidiram pela execução da pena que o STF pode a adiar.
E a
segurança jurídica, segundo Lafer, apoiando-se em sólida literatura,
assinada por exegetas do escopo de Theofilo Cavalcanti Filho e Tércio
Sampaio Ferraz Jr., e no filósofo italiano Norberto Bobbio, “é algo a
ser constantemente buscado no Direito por meio da adequada avaliação dos
problemas da prova, da qualificação, da interpretação e da relevância”.
O professor emérito da USP concluiu suas lições com uma definitiva: a
segurança jurídica é atributo, e não impeditivo do bem-estar nacional.
O
tapetão para o cliente do dr. Pertence, que troca a reputação por êxito
nessa operação, terá, se não for sustado por ministros comprometidos com
a democracia no STF, duas outras consequências graves. Para o golpe ser
bem-sucedido, a cúpula do Judiciário anulará decisão que tomou há dois
anos, por maioria aritmética simples (ao contrário do que desaprendeu o
ministro da Justiça, Torquato Jardim, seis não é igual a cinco, é mais),
proibindo a prisão de condenados em segunda instância. Atenderão,
assim, ao interesse dos potentados da política assustados com o
mensalão, que apelaram para a leitura fundamentalista da Constituição,
em 2009, para negar prática adotada desde o Código Penal de 1941, como
lembrou o advogado José Paulo Cavalcanti Filho, nomeado por Dilma
Rousseff para a Comissão Nacional da Verdade. E René Ariel Dotti,
defensor de presos políticos na ditadura, concorda com ele.
E mais:
ao arrepio da Lei da Ficha Limpa, de iniciativa popular, o condenado por
corrupção e lavagem de dinheiro por nove a zero em duas instâncias e no
STJ (agora usado por quem quer ganhar tempo para o culpado) participará
da campanha eleitoral de outubro. Isso certamente ocorrerá depois que
ele for, como tudo indica que o será, condenado pela Lava Jato a mais 20
anos de cadeia por ocultação do patrimônio no sítio Santa Bárbara. Até o
cancelamento do registro de sua candidatura ilícita, o condenado
disputará a Presidência. Só nos restará apelar: “Valei-nos, Santa
Bárbara!”
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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