O
conceito de “estado falido” é útil para designar os países que vivem
sob tensão permanente, em virtude da incapacidade estatal em conter a
violência interna proveniente das questões políticas, étnicas,
religiosas ou do resultado do crime organizado. É um termo baseado em
doze parâmetros que, integrados, fornecem visão clara da capacidade do
poder público para lidar com a violência.
A
organização americana “Founds for Peace” divulga, anualmente, um
ranking dos países agrupados pelo nível de alerta, que varia de “Very
High Alert”, para países como Somália e a República Democrática do Congo, a “Very Sustaineble” que compreende países modelos em segurança como a Suécia e a Finlândia. Nessa escala de onze grupos, o Brasil está numa posição intermediaria, sob a rubrica “Warning”, atrás da Argentina e do Chile, estes reconhecidos como “More Stable”, e do Uruguay, “Very Stable” segundo o estudo.
Num primeiro momento, observam-se os indicadores socioeconômicos que
englobam a pressão demográfica, a existência de refugiados/deslocados,
os níveis de desigualdade econômica, as tensões sociais, a emigração e a
redução da pobreza. Na sequência, indicadores politico-militares são
analisados, tais como a legitimidade do poder do Estado, os níveis dos
serviços públicos, o respeito aos direitos humanos, o aparato de
segurança pública, a atuação do poder politico somente em prol de
minorias e a influência estrangeira.
No
contexto de intervenção federal na segurança pública do Estado do Rio
de Janeiro, é interessante observar os parâmetros considerados para o setor, com vistas a concluir sobre os desafios com os quais a sociedade brasileira se depara nesse momento.
“O
parâmetro – aparato de segurança – considera as ameaças a um
determinado estado, tais como a ocorrência de bombardeios, de ataques e
de mortes relacionadas a batalhas, a movimentos rebeldes, a motins, a
golpes de estado ou ao terrorismo. Neste quesito, também se levam em
consideração graves atos criminosos, como crime organizado e homicídios,
e a percepção da confiança dos cidadãos na segurança interna”. (fonte?)
Não
seria necessário estudar profundamente a problemática para verificar a
ocorrência de alguns dos aspectos destacados na citação, notoriamente
os relacionados ao Crime Organizado (CO). A situação atual compromete a
ordem pública tal como é compreendida pelas Forças Armadas no Manual de
Campanha “Glossário de Termos e Expressões para uso no Exército”:
“Conjunto
de regras formais que emanam do ordenamento jurídico da nação, tendo
por escopo regular as relações sociais de todos os níveis do interesse
público, estabelecendo um clima de convivência harmoniosa e pacífica, fiscalizado pelo poder de polícia e constituindo uma situação ou condição que conduza ao bem comum”. (C20-1. 4ª ed., EME, 2009)
Nesse
contexto, o decreto presidencial determinou a intervenção federal
devido “ao grave comprometimento da ordem pública”. Isto significa dizer
que o poder federal reconhece que o Estado do Rio de Janeiro não possui
condições para evitar, neste momento, o aumento da violência e, assim
sendo, nomeou um militar para resolver o problema.
O
Comandante Militar do Leste, General Braga Neto, estabeleceu dois
grandes objetivos que representam o entendimento militar para a questão:
“recuperar a capacidade operativa e baixar os índices de criminalidade”. Numa terminologia militar, busca-se atingir um Estado Final Desejável (EFD) que seja compatível com a convivência harmoniosa e pacífica do cidadão, maior interessado em que a missão seja cumprida.
Seria
ingênuo acreditar que somente a abordagem militar poderia pôr fim aos
problemas de segurança no Rio de Janeiro, no período de dez meses.
Deve-se buscar uma solução ampla, de modo a acabar com o “triângulo do
ato criminoso”, conceito utilizado pelos franceses Bauer e Soullez, no
livro “Commet Vivre au temps du Terrorisme: Vigilance, résilience,
résitance” (2017).Segundo os autores, o ato criminal acontece com base
em três vértices: motivação, facilidade e impunidade.
Em uma simplificação, observemos o caso do tráfico de drogas:
- os traficantes (Comando Vermelho, Amigos dos Amigos, Terceiro Comando Puro) são motivados a vender seus produtos a um mercado consumidor em franca expansão;
- para comercializar os produtos, as facilidades são muitas, a começar pela aceitação social do consumo, passando pela ineficácia dos Órgãos de Segurança Pública (OSP) em reprimir a venda e o tráfico, e finalizando com as facções rivais se encarregando de dificultar as ações umas das outras;
- todos esses fatores são potencializados pela sensação de impunidade que vigora atualmente. Com uma legislação processual lenta e permissiva, as consequências penais parecem não surtir o efeito desejado para o combate ao Crime Organizado (CO).
Seria
razoável espelhar-se na estratégia adotada em Nova Iorque, na década de
1990, quando a cidade era conhecida como “Capital do Crime”. Entre 1994
e 2002, o prefeito republicano Rudolph Giuliani implementou a “política
da tolerância zero”, rompendo duas décadas de medidas liberais que
haviam sido implementadas pelo partido conservador.
Segundo
o artigo de Patrick A. Langan, “The Remarkable Drop in Crime in New
York City” (2004), o sucesso americano foi resultado das seguintes
medidas:
- ampliação dos efetivos e reaparelhamento da polícia;
- redirecionamento das patrulhas para o combate da desordem publica. Conhecido como “broken-windows policing”, o objetivo desse modelo era coibir desde as simples infrações de vandalismo, até a conduta antissocial, como forma de mudar o comportamento da população;
- desenvolvimento de uma relação próxima com a comunidade (“community policing”);
- mudança na legislação penal com foco nos crimes com armas de fogo e nos crimes resultantes do trafico de drogas;
- “tolerância zero” pelas polícias e pelo poder judiciário, o que, finalmente, gerou a mudança de atitude na população, que também deixou de tolerar os pequenos delitos.
Sem
dúvida, a solução exigira sacrifícios de todos para que o Estado do Rio
de Janeiro e mesmo o Brasil não percam a guerra contra as organizações
criminosas, tornando-se um “estado falido” nesse setor.
É valido lembrar as palavras de Winston Churchil diante do parlamento inglês, em setembro de 1939:
“(…)
pode parecer paradoxal que uma guerra em nome da liberdade e do direito
exija, durante sua execução, a restrição de um grande número de
liberdades e de direitos os quais são caros a nós”.
Maj Maurício Aparecido França – Artigo no Eblog. Recomendado pela Agência Verde Oliva – agenciaexercito@gmail.com / agenciaexercito@ccomsex.eb.mil.br / Revista Sociedade Militar

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