A autonomia das
universidades garante a elas o direito de fazer proselitismo
político-ideológico? Matéria de Gabriel de Arruda Castro para a Gazeta
do Povo:
O assunto do novo ano
letivo nas universidades públicas brasileiras é a criação de cursos
destinados a estudar o “golpe” contra Dilma Rousseff.
Primeiro foi a UnB,
onde a disciplina “O golpe de 2016 e o futuro da democracia no Brasil”
foi oferecida pelo Instituto de Ciência Política para alunos de
graduação. O ministro da Educação, Mendonça Filho, reagiu contra o que
chamou de “prática de apropriação do bem público para promoção de
pensamentos político-partidários”, e prometeu acionar o Ministério
Público Federal, a Advocacia-Geral da União, a Controladoria-Geral da
União e o Tribunal de Contas da União.
Como reação, outras
universidades públicas decidiram criar cursos ou disciplinas parecidas
com a da UnB: Unicamp, UFBA, UFAM e UEPB se juntaram à instituição de
Brasília.
No fim, o debate
ultrapassou a política e chegou ao Direito: a autonomia universitária
assegura o direito de criação de matérias assim?
O professor Valmir
Pereira, idealizador do curso da UEPB, tem certeza que sim. "Nossa
atitude é em solidariedade a um colega e a uma instituição que estão
sofrendo com a volta daquela postura da ditadura militar, com
interferência na autonomia da universidade e na liberdade de cátedra do
professor", disse ele à Gazeta do Povo.
Segundo o docente, o
uso de “golpe” em vez de “impeachment”, é uma tomada de posição. “Eu não
usaria uma palavra neutra, porque a palavra neutra seria para esconder
um fato. O uso da palavra “golpe” é uma demarcação do campo, para dizer
que nós estamos em oposição”, reconhece ele.
É verdade que o
artigo 207 da Constituição garante “autonomia didático-científica” às
universidades. Mas também é verdade que, no artigo 206, a mesma
Constituição prevê que o ensino se dê com “pluralismo de ideias”.
De forma mais ampla, o artigo 1º da Constituição trata o “pluralismo político” como “fundamento” da República.
O jurista Alexandre
Magno, especialista em direito educacional, acredita que as
universidades se excederam ao criar cursos sobre o “golpe”: “Isso vai
contra o princípio do neutralismo estatal, de que as entidades estatais
não podem ter posições políticas ou ideológicas”, afirma.
Segundo Magno, outra consequência do uso da palavra “golpe” sem questionamentos é a ofensa à liberdade de opinião dos alunos.
“O aluno que
considera o processo de impeachment legítimo fica obrigado a se
manifestar de forma contrária à sua própria consciência”, diz o
jurista.
O professor Valmir
garante que isso não acontecerá, e afirma que alunos a favor do
impeachment podem participar do curso. "Serão muito bem-vindos e terão
espaço para sua opinião. Vamos observá-los do ponto de vista da
argumentação, a força e a consistência dos argumentos que eles vão
utilizar para defender o ponto de vista deles", diz.
Para além do debate
jurídico, a criação de cursos (alguns deles, valendo créditos para a
formatura) sobre o “golpe de 2016”, com bibliografias pinçadas para
apresentar apenas um lado do debate, tem uma consequência imediata: fica
mais difícil negar a existência de aparelhamento ideológico nas
universidades públicas brasileiras.
Histórico
A discussão sobre o
limite entre a liberdade de cátedra e a neutralidade do Estado já chegou
à Justiça antes. Em 2013, a Justiça Federal determinou o fechamento do “Centro de Difusão do Comunismo” na Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).
Há menos de um ano, o Ministério Público Federal processou
os responsáveis pelo Colégio Pedro II (que é federal) por permitirem o
funcionamento de um núcleo do Psol na instituição de ensino.
Por outro lado, o Ministério Público Federal não viu razões para agirquando
a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) promoveu a realização de um
ato em favor da volta de Dilma Rousseff à Presidência.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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