Idiotas do bem formam
patrulhas para policiar o pensamento, os costumes, os hábitos. Para
salvar o mundo, eles têm que mudar você. Luiz Felipe Pondé trata desse
último subtipo de idiota, que, se pudesse, proibiria as bebidas
alcoólicas, e não só a propaganda. O que está por trás dessa ideia,
alerta Pondé, é uma mentalidade totalitária. Bando de chatos
ideológicos:
E os idiotas do bem
atacam de novo. Você não sabe o que é um idiota do bem? Explico: é
alguém que tem certeza de participar do grupo que salva o mundo. Mas
essa categoria contemporânea tem subespecificações. Hoje, vamos analisar
uma delas.
Você sabia que tem gente por aí apoiando a proibição de propagandas de bebidas alcoólicas nos meios de comunicação?
Um dos traços desse
subtipo de idiotas do bem é gozar com leis que incidem sobre hábitos e
costumes. No caso do álcool, se eles pudessem, votariam a favor do
retorno da "prohibition" – lei seca americana que deu impulso ao crime
organizado.
O que está por detrás
dessa ideia de proibir a propaganda de álcool é uma mentalidade
totalitária. Uma coisa que rapidamente esquecemos é que toda forma de
repressão vê a si mesma como uma forma do bem instituído na norma.
Daqui a pouco se
proibirá a publicidade de carros (causam acidentes), aviões (caem),
batom (dá vontade de beijar a boca das mulheres e isso pode ser
anti-higiênico), churrascaria (colesterol), café (causa ansiedade),
xampus (os cabelos reais nunca são tão lindos quantos os das
propagandas), bolas de futebol (os meninos podem cair e quebrar a
perna), livros (existem livros que propõem coisas absurdas), telefonia
celular (já se fala em pessoas viciadas em celulares), televisão
(crianças podem ver coisas erradas na televisão), computadores (a
internet é incontrolável), turismo (pessoas podem pegar infecção
intestinal viajando), água (pode estar contaminada), metrô (pode
descarrilar), ônibus (capotam)... A lista é cansativa, como tudo que
brota da alma dos idiotas do bem quando resolvem salvar o mundo de nós
mesmos.
O ódio à espécie
humana é comum em quem é intolerante à contingência. Às vezes, a
intolerância vem disfarçada de amor ao próximo e à sociedade.
A "sujeira" humana é
insuportável para os idiotas do bem que sonham com um mundo em que
apenas eles possam viver e tudo seja limpinho.
O objetivo é
estabelecer um controle absoluto de tudo na vida, matá-la em nome desse
controle. A contingência, inimiga mortal das almas pequenas, é o foco de
leis como essa: proibindo a publicidade de bebidas alcoólicas, os
idiotas do bem entendem que controlarão o uso de álcool.
Recomendo,
fortemente, para essas almas pequenas, a leitura do maravilhoso
"Antifrágil", de Nassim Nicholas Taleb, publicado no Brasil pelo selo
Best Business, da editora Record.
O conceito de
"antifrágil" não é sinônimo de forte ou robusto, ou inquebrável. A ideia
de Taleb é que, quando se acua excessivamente a contingência, ela "se
vinga".
Sistemas muito puros
ou controlados estariam condenados a essa vingança da contingência. A
"saída" é ser meio "sujo", meio "incerto", "educado pela contingência",
aprendendo a conviver com ela.
Taleb identifica,
como seria de se esperar, a modernidade como sofrendo desse mal: nas
palavras do próprio autor, "o intervencionismo ingênuo moderno".
Como, aliás, já
ficava claro nas propostas utópicas de filósofos como Francis Bacon
(1561-1626) para sua "Nova Atlântida", o foco da ciência seria "atar a
natureza" para que ela nos entregasse nossas melhores condições de vida.
Sem cairmos numa
defesa ingênua da vida natural "livre", trata-se de entender que o
controle excessivo da vida a torna insuportável. Quem muito se lava
padece de bactérias superpoderosas.
O mundo
contemporâneo, na mesma medida em que se masturba com a autoimagem de
"livre", sofre de uma profunda compulsão de controle da contingência em
todos os níveis.
Ser antifrágil é
aprender que "pequenos" e contínuos efeitos da contingência são
assimiláveis e formadores da sobrevivência, enquanto que a negação pura e
simples desses efeitos prepara a vingança da contingência.
O mundo, cada vez
mais, é habitado por jovens assustados, ansiosos, inseguros nos afetos,
com medo de ter filhos (mente-se muito sobre isso tudo), que temem uma
vida que, ao contrário do que lhes foi prometida, está sempre além de
nossa capacidade de previsão e controle.
Jovens inseguros e ansiosos: eis a vingança da contingência. (FSP).
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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