Primeira bomba H testada nas Ilhas Marshall. |
Da coluna Mundialista, de Vilma Gryzinski,
sobre o novo experimento do tirano Kim Jong-un, que implicará uma
resposta inevitável dos Estados Unidos, via ataque militar ou confronto
comercial com a China:
Não é
bom, de forma geral, acuar a maior potência da história na base da
tática do bêbado: comportar-se de maneira tão amalucada que os outros
envolvidos preferem contemporizar.
O teste com uma bomba de hidrogênio, comemorado com as habituais risadas maníacas de Kim Jong-un, apressou o o já muito anunciado fim da contemporização.
Restam duas vias. Os Estados Unidos podem apertar a China, o único salva-vidas da Coreia do Norte, via sanções comerciais, com consequências sísmicas para a economia mundial.
Ou
desfechar um ataque preventivo com métodos acachapantes, talvez ainda
sequer conhecidos, de forma a minimizar o terrível número de vítimas dos
dois lados da fronteira que divide as Coreias.
Em caso
de via bélica, a grande dúvida é: com ou sem a autorização tácita de Xi
Jinpin e da liderança coletiva que ele representa e a quem responde,
mesmo tendo acumulado todas as posições de poder.
A
resposta depende de outro enigma: depois de décadas manipulando a Coreia
do Norte como um elemento radiativo, mas sob controle e a serviço de
seus interesses geoestratégicos, a cúpula chinesa agora entende que a
ditadura hereditária ficou contaminada demais ou ainda vê utilidade
nela?
E mais
um: como a China interpreta as múltiplas frentes de fragilidade política
de Donald Trump diante de uma oposição que se denomina resistência e de
investigações que podem provocar grave paralisia? Como Trump, hoje,
enfrentaria o “fator body bag”, os corpos ensacados de militares
americanos baseados na Coreia do Sul que seriam alvo prioritário num
conflito?
Ameaças de papel
Já foi
dito um milhão de vezes que todas as opções são ruins para conter o
furor nuclear da Coreia do Norte. Mas a pior de todas, agora, é não
fazer nada.
Ou
esperar que a diplomacia obtenha resultados a longo prazo. Ao ritmo
acelerado do programa nuclear norte-coreano, a longo prazo estaremos
todos mortos.
O pior
cenário: o jovem Kim acha que vai ser evaporado e desfecha um ataque, as
armas convencionais abrem caminho às nucleares, os Estados Unidos
incineram o país do mapa, a China se sente existencialmente ameaçada e
por aí está formado o holocausto planetário.
Os dois
grandes avanços norte-coreanos aconteceram em menos de dois meses. O
teste com um míssil de longo alcance, capaz portanto de se aproximar do
território americano, foi em 4 de julho. Ontem, foi o teste com uma
bomba de hidrogênio, a mais devastadora arma nuclear.
Hoje, o Conselho de Segurança da ONU fez uma reunião de emergência.
Como só é
possível esperar mais resoluções condenatórias e advertências de papel,
é possível também presumir que o governo americano esteja fazendo uma
encenação diplomática: recorrer às instâncias internacionais para deixar
claro que vão continuar a tomar medidas retóricas ou aprovar sanções
que não resolvem nada.
Sanções efetivas só contra a China, que detém controle praticamente total sobre a sobrevivência econômica da Coreia do Norte.
Mas como
sancionar uma economia à qual os Estados Unidos exportaram 115 bilhões
de dólares no ano passado e da qual compraram produtos e serviços no
valor de 462 bilhões? Que tem 1,4 trilhão em títulos do Tesouro
americano?
Ponto zero
A bomba
que piora uma situação já em estado de agravamento terminal tem origem
em personagens diametralmente opostos e igualmente gigantescos.
A
trajetória dos dois homens que criaram as primeira bombas de hidrogênio,
Edward Teller nos Estados Unidos e Andrei Sakharov na União Soviética, é
quase uma ilustração das ironias da história
“As
ideias e as emoções desencadeadas naquele momento não diminuíram até
hoje e mudaram totalmente meu modo de pensar”, escreveu Andrei Sakharov,
o físico russo que era oficialmente venerado na União Soviética como
“pai da bomba H” antes de virar um dissidente, perseguido e humilhado, o
que só aumentou sua estatura moral incomparável.
O teste
da primeira bomba de hidrogênio em escala de megatons, em novembro de
1955, foi o gatilho que iniciou a transformação de Sakharov.
Num
lugar perdido no meio da “espantosa e majestática beleza” da Sibéria, um
avião pintado de branco, para refletir a radiação térmica que poderia
destruí-lo, soltou a bomba de três megatons. De paraquedas, para
proteger o Tu-16 no qual Sakharov queria voar, tão seguro estava de seus
cálculos. Não foi autorizado.
A ideia
de fazer testes nucleares de superfície em lugares remotos, hoje
chocante, ainda era aceitável. Sakharov conta que ficou de costas para o
ponto zero da explosão, no laboratório secreto construído perto de um
vilarejo. Virou-se quando viu o grande clarão iluminando o prédio e o
horizonte.
Os
vídeos com as imagens assustadoramente belas e poderosas dos testes
nucleares podem ser vistos nas redes. Mas vale acompanhar a descrição do
criador da bomba sovieteica.
“Vi uma
cegante esfera branco-amarelada se expandir rapidamente, tornar-se
alaranjada numa fração de segundo e depois ficar de um vermelho
resplandescente e tocar no horizonte”, descreveu Sakharov. “De repente,
tudo com obscurecido pela poeira que formava uma enorme e cambiante
nuvem cinza-azulada entrecortada por explosões púrpura. Entre a nuvem e a
poeira formou-se a haste do cogumelo, maior ainda do que a da primeira
explosão termonuclear (em 1953)”.
“Todo aquele espetáculo mágico desdobrou-se em total silêncio.”
Passaram-se
vários minutos até Sakharov mandar todos saltarem da plataforma montada
para acompanhar o teste à distância. Só o guarda-costas da KGB, que à
época ainda não tinha uma relação de brutal hostilidade com o físico,
manteve a pose mesmo com a chegada da onda de choque e sofreu alguns
ferimentos. No vilarejo próximo, um abrigo improvisado desabou e matou
uma bebezinha.
“Passei
por toda uma gama de sentimentos contraditórios, talvez o mais forte
deles o medo de que esta força recém-desencadeada pudesse escapar ao
controle e provocar desastres inimagináveis.”
Doutor Strangelove
Edward
Teller não ficou com medo de nada quando viu o cogumelo de Ivy Mike se
erguer sobre o atol de Bikini em 1 de novembro de 1952. Ao contrário,
sentiu-se compensado pela obsessão com que buscava soluções para um
artefato termonuclear, uma espécie de bomba dentro de outra bomba (a
fissão ou fratura dos átomos, princípio da bomba clássica, desencadeia a
fusão atômica, a mesma força fenomenal que existe no sol) .
O físico
húngaro, judeu laico que emigrou por causa das leis anti-semitas, já
era praticamente um pária, rejeitado pelos colegas por não reconhecer a
contribuição de outros cientistas e pelo temperamento irascível.
Desde a
época do Projeto Manhattan, a congregação de 77 dos maiores cientistas
do planeta reunidos num laboratório secreto em Los Alamos para fazer uma
arma que terminasse a guerra, Teller propunha a “Super”.
Brigou
com praticamente todo mundo e foi contra a proposta – rejeitada – de
alguns dos colegas, incluindo o chefe do projeto, J. Robert Oppenheimer,
de primeiro fazer uma espécie de explosão demonstrativa para o Japão.
Em 1954,
prestou depoimento contra Oppenheimer nas audiências que ficaram
conhecidas como os processos macarthistas. O curioso é que Opppenheimer
realmente tinha pertencido ao Partido Comunista americano e colaborado
com os soviéticos.
Todo o
Projeto Manhattan estava infiltrado pela espionagem stalinista, do
físico alemão Klaus Fuchs ao técnico David Greenglass, que copiava e
passava os segredos para a irmã e o cunhado, Ethel e Julius Rosenberg.
Como confessou a espionagem em detalhes, escapou da sentença de morte
aplicada ao casal.
Teller
tornou-se um ardoroso defensor da superioridade nuclear, por seu fator
dissuasivo, e do uso, nunca concretizado, de bombas termonucleares em
projetos megalomaníacos como a construção de um porto de águas profundas
no Alasca.
Foi
também um dos inspiradores do cientista maluco chamado Doutor
Strangelove no filme de Stanley Kubrick. (“Se me chamar disso mais três
vezes, vou te chutar para fora daqui”, disse a um jornalista que
insistia na comparação.)
Mil sóis
Curiosamente,
propôs o projeto Guerra nas Estrelas, um sistema orbital de
interceptação e destruição com raios laser de mísseis no caso de um
ataque soviético, ridicularizado por muitos cientistas, mas endossado
pelo presidente Ronald Reagan.
O
projeto de alguma maneira contribuiu para desencadear uma reação
atômica que acabou levando ao fim do comunismo na União Soviética e seus
satélites e à própria dissolução do império vermelho.
Andrei
Sakharov morreu em dezembro de 1989, dois anos antes de ver o fim do
sistema que havia fortalecido com seus excepcionais conhecimentos
científicos e enfraquecido com a força do exemplo da resistência
pacífica.
De
alguma maneira, Sakharov e Teller, os desencadeares da força dos mil
sóis, tão parecidos e tão diferentes, se entrelaçaram na vida e na
morte.
Todos os
cientistas nucleares norte-coreanos foram treinados originalmente na
União Soviética. São os conhecimentos lá adquiridos, com a provável
cooperação de outro “pai da bomba”, o paquistanês Abdul Khan, e talvez
outros colaboradores secretos, que hoje movem a corrida de Kim rumo a um
futuro curto.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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