Vivemos num simulacro de
República. Eis a mais grave e profunda crise política da história
brasileira. Artigo do historiador Marco Villa (O Globo):
A cada dia fica mais
patente que precisamos proclamar urgentemente a República. O ano de 1889
foi apenas o anúncio. O grito do marechal Deodoro da Fonseca ficou
parado no ar. O simulacro de República conduziu o Brasil à mais grave e
profunda crise política da nossa história.
Como de hábito, em
momentos como o que estamos vivendo, o tempo histórico corre
rapidamente. A conjuntura política está absolutamente imprevisível. Tudo
pode acontecer. Sem uma ação decisiva (e rápida) dos principais atores
políticos, poderemos chegar muito próximos à convulsão social. Não é
exagero, é mera constatação.
O impeachment de
Dilma Rousseff não encerrou a crise política. Apenas abriu o processo
que estamos vivendo. Muitos, ingenuamente, imaginaram que o espírito de
1992 — quando do processo de impeachment de Fernando Collor — estava se
repetindo em 2016. Não compreenderam que as contradições estão de tal
forma acirradas que uma mera substituição de presidente não altera, por
si só, o panorama político. Isso não significa diminuir a importância da
derrota do projeto criminoso de poder. Não custa imaginar se Dilma
ainda estivesse na Presidência em meio ao agravamento da crise
econômica, que foi produzida por ela. Pior ainda, se, ao mesmo tempo,
Lula ocupasse a Casa Civil. O que seria do Brasil?
A questão é que o
bloco que ascendeu ao poder não entendeu que o impeachment foi produto
da maior mobilização da sociedade civil da nossa História, e não do
Parlamento. Supôs que o desejo das ruas fosse a mera substituição dos
ocupantes das cadeiras da Presidência da República e dos ministérios.
Erro crasso. No que Geddel Vieira Lima difere de Jaques Wagner? Milhões
foram às ruas para isso?
Michel Temer jogou
fora a expectativa favorável criada após o impeachment. Compôs um
ministério ruim. Optou pela nomeação de políticos dos partidos da base,
alguns sem qualquer expressão para a área para a qual foram indicados.
Logo o governo deu sinais de paralisia. A maioria dos ministros
permaneceu no anonimato. Pouco fizeram. Não viajaram pelo país. Evitaram
entrevistas. Deram a impressão que não queriam ficar comprometidos com o
governo. Eram ministros de si próprios, e não do presidente. A inépcia
ministerial foi sentida pelo mercado. Teve reflexo direto sobre a tímida
recuperação econômica. Se em agosto imaginava-se que o PIB cresceria
1,5% em 2017; hoje os mais otimistas falam em 0,5% e os realistas em
zero. E a paralisia econômica agrava ainda mais a crise política.
Com as primeiras
revelações das delações dos executivos e acionistas da Odebrecht, a
crise aumentou. Era esperado. Se o presidente Temer conseguir comprovar
que não teve qualquer participação no esquema criminoso da Odebrecht,
abre a possibilidade de dar um novo gás ao governo. Neste caso, é
indispensável uma profunda reforma ministerial, com a demissão imediata
de todos os acusados, e o compromisso de apoio à Lava-Jato sem qualquer
tergiversação. Poderá até legitimar as propostas de reformas, inclusive a
previdenciária.
Contudo, se as
acusações atingirem Temer — ou se o presidente não conseguir convencer a
opinião pública da sua inocência —, não é possível prever até onde irá a
crise. Isto porque, diferentemente de outros momentos da nossa História
— como 1930 e 1964 — não estão presentes alternativas reais de poder
para substituir a ordem em declínio. E o vazio poderá, no limite, ser
ocupado por algum ator fora da cena política tradicional.
O agravamento da
crise é responsabilidade da elite política. Não conseguiu entender que o
Brasil mudou. Que a sociedade civil está vigilante. Que é peça de museu
o brasileiro bonzinho, desinteressado em política e aguardando —
pacientemente — receber algumas migalhas do banquete dos poderosos. Mais
ainda: a paciência popular está se esgotando. Não custa imaginar como
seria recebida a notícia de um eventual habeas corpus para Sérgio
Cabral.
Com o conhecimento do
conjunto das delações — são 77 —, a bola vai para a Justiça. Aí mora
mais um problema. Há uma enorme desconfiança em relação ao funcionamento
do Poder Judiciário. E qualquer tentativa de um grande acordão vai
fracassar. Relativizar a crise vai jogar ainda mais lenha na fogueira.
Cambalacho jurídico —como o da semana passada livrando a cara de Renan
Calheiros — vai receber uma dura resposta da sociedade. Resposta muito
além das redes sociais, resposta nas ruas.
É claro que o sistema
político deu o que tinha de dar. Do jeito que está, é um produtor de
crises, e não de governabilidade. As instituições — tão elogiadas pelas
Polianas de plantão — estão carcomidas. Não atendem aos clamores
populares e às necessidades estruturais para um bom governo. Terão de
passar por uma profunda reforma. E reforma dos Três Poderes. Quem está
satisfeito com o Congresso Nacional? E com a Presidência da República? E
o Supremo Tribunal Federal? O dilema que se coloca é que se a crise é
do sistema, a solução a curto prazo não passa pela reforma ou
reestruturação de tudo o que está aí — que é uma tarefa de meses, anos.
Dada a gravidade da situação, a intervenção para solucionar a crise tem
de ser efetuada imediatamente.
Fica o dilema: o
governo Temer chegará até as eleições de 2018? Impossível dar esta
resposta, tal o clima de incerteza. Os próximos dias serão decisivos. E o
papel de Temer será central. Tem de assumir as rédeas do governo sem
tentar acordos com quem for. Espírito conciliatório, neste momento, é um
desserviço ao país. Estabelecer um contato direto com os sentimentos
das ruas é um caminho. É preciso coragem.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário