O professor e escritor português João Carlos Espada
chama atenção para a indiferença em relação à democracia e aos valores
ocidentais que acontece nos EUA (e outros países, é claro). Dá o que
pensar, principalmente no Brasil, onde tivemos pelo menos duas gerações
moldadas no esgoto que desaguou no lulopetismo, inimigo da democracia:
Na semana passada referi aqui
o livro de Kim Holmes, The Closing of the Liberal Mind: How groupthink
and intolerance define the left (New York/London: Encounter Books,
2016). Observei que o autor apresentava uma alerta a que direita e
esquerda moderadas deviam prestar atenção: o alerta para a erosão dos
valores comuns entre esquerda e direita democráticas, valores esses que
sustentam as democracias ocidentais.
A leitura
de férias que recomendo hoje vem corroborar o argumento de Holmes, mas
desta vez com forte evidência empírica — não apenas no plano conceptual.
Trata-se do artigo de abertura da mais recente ediçãodo
Journal of Democracy (Julho de 2016, Volume 27, Número 3). Intitulado
“The Democratic Disconnect”, o artigo é assinado pelos politólogos
Roberto Stefan Foa, investigador principal de World Values Survey, e
Yascha Mounk, de Harvard.
Com base em estudos de opinião internacionais
promovidos desde 1981, os autores detectam um efectivo declínio recente
do apoio à democracia ocidental — antes de mais nas próprias
democracias ocidentais e até nos EUA. Não é possível reproduzir aqui
todos os dados discutidos no artigo. Mas alguns podem e talvez devam ser
citados.
Nos EUA,
72% das pessoas nascidas antes da II Guerra dão o valor máximo (10, numa
escala de 1 a 10) a “viver numa democracia”. Mas, quando se passa para
os chamados “millenials” (pessoas nascidas depois de 1980), os valores
caiem abruptamente: apenas 30% dão valor máximo a “viver numa
democracia”.
Não se
trata de um fenómeno relacionado com a idade, argumentam os autores. Em
1995, apenas 16% dos americanos nascidos na década de 1970 acreditavam
que a democracia era um “mau sistema político” para o seu país. Em 2011,
essa percentagem subia para 24% entre os “millenials” (nascidos depois
de 1980, portanto em idades semelhantes aos do grupo anterior medido em
1995).
Entre
estes mesmos “millenials”, 26% considera “não importante” que as pessoas
possam escolher os governantes em eleições livres. Essa percentagem
baixa para 10% entre as pessoas nascidas antes da II Guerra e para 14%
dos que nasceram entre 1945 e 1965 (os chamados “baby-boomers”).
Estes
dados são reforçados pelas respostas à pergunta “seria melhor ter um
‘líder forte’ que não tivesse de seguir parlamentos e eleições?”. Em
1995, 24% subscrevia essa preferência. Em 2011, essa percentagem subiu
para 32%. No mesmo período, a percentagem de pessoas que acha melhor
“ter especialistas, em vez de governos eleitos, a tomar decisões para o
país” cresceu de 39 para uns surpreendentes (ou mesmo escandalosos) 49%.
Estes e
muitos outros dados preocupantes justificam largamente a leitura atenta
do artigo do Journal of Democracy (bem como a breve resposta, menos
pessimista, de Ronald Inglehart no artigo seguinte). É de prever, e será
de saudar, que aquele artigo venha a dar lugar a um largo debate
internacional sobre o real alcance dos dados encontrados e as possíveis
explicações para eles.
Em
qualquer caso, no imediato, o artigo parece ajudar a explicar o
intrigante espectáculo até agora oferecido pela campanha presidencial
norte-americana.
Como é
possível que o Partido Republicano de Abraham Lincoln, Dwight Eisenhower
e Ronald Reagan tenha deixado que massas ululantes nomeassem Donald
Trump — que nunca foi um Republicano — como seu candidato presidencial?
Como é possível que o Partido Democrata de Franklin D. Roosevelt, Harry
S. Truman e John F. Kennedy tenha deixado que massas ululantes quase
nomeassem Bernie Sanders — que nunca foi um Democrata — como seu
candidato presidencial?
No livro
da semana passada, Kim Holmes sugeria que ideias radicais de direita e
de esquerda estavam a enfraquecer o ancestral consenso demo-liberal
americano. No artigo que sugiro esta semana, esse enfraquecimento é
evidenciado com dados empíricos.
Resta-me
terminar com as palavras de Winston Churchill, recentemente citadas por
um americano distinto em Lisboa: “The Americans can always be trusted to
do the right thing, once all other possibilities have been exhausted.”
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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