A Lava-Jato tem de ser livre. Mas não pode ser arbitrária. Ou ganham os inimigos da democracia
A
menos que haja coisas cabeludas, que desconhecemos — e não há evidência
disso —, é evidente que Rodrigo Janot, procurador-geral da República,
atravessa o samba ao pedir a prisão do ex-presidente José Sarney e dos
senadores Romero Jucá (PMDB-RR) e Renan Calheiros (PMDB-AL), que preside
o Senado e, portanto, o Congresso. Quem ri de orelha a orelha é o PT.
O partido
comandou o mensalão, mas o político até agora mais enrolado por causa da
Lava-Jato é Eduardo Cunha (PMDB-REJ). Sempre chamei a atenção aqui para
esse despropósito. Vocês sabem disso. Janot não está entre os meus
heróis.
Os
companheiros chefiaram o maior assalto aos cofres públicos de que se tem
notícia no mundo, mas Janot pede a prisão da cúpula do PMDB. Acho que a
Lava-Jato, assim, dá um tiro no pé, além de optar pela tática dos
incendiários: meter fogo em tudo para que só as almas puras se salvem da
fogueira. Mas e os próprios incendiários? Serão eles assim tão puros?
Vamos ver.
Eu tenho a convicção, dados os testemunhos, de que Renan, Jucá e Sarney
acabaram se beneficiando com o pagamento de propina. Mas isso precisa
ser devidamente comprovado, de acordo com o processo legal. Se e quando
acontecer, cana, além das outras punições. Por enquanto, Janot está
pedindo a prisão do trio por algo que pode ser caracterizado como delito
de opinião.
Insisto:
se o pedido de prisão está assentado em alguma outra denúncia feita por
Sérgio Machado, com a apresentação de provas, ninguém sabe, não consta. O
que se tem como certo é que o Ministério Público Federal considerou que
as conversas do trio que vieram a público caracterizam uma forma de
obstrução da investigação e da Justiça. É claro que se trata de um
exagero, de um destrambelhamento.
Ao fazer
essa opção, o Ministério Público Federal parece querer assustar os
políticos, colocando-os contra a parede, demonstrando que existe um
poder soberano no país — e soberano ninguém é. Desafia-se alguém,
jurista de qualquer perfil e posto em qualquer lugar no escopo das
opiniões, a apontar onde está o crime cometido por Renan, Jucá ou Sarney
nas conversas divulgadas. Não há. De resto, meras intenções vazadas em
diálogos privados não podem ser confundidas com o cometimento de crime.
Há outra
coisa muito incômoda, imprópria e incompatível com o regime democrático:
Janot havia encaminhado o pedido a Teori Zavascki. O ministro é de tal
sorte discreto que não havia comentando sobre o assunto nem mesmo com
seus pares, no cafezinho. Isso costuma acontecer num colegiado tão
pequeno. Nada! Os demais ministros desconheciam absolutamente a matéria.
Logo, o
vazamento saiu de onde? Ora, do Ministério Público Federal. É uma forma
de constrangimento evidente, não? Trata-se de uma ação para tornar o
Supremo refém do MPF. É sabido que a sociedade, justamente indignada com
a sem-vergonhice, é simpática a atalhos legais para que se faça justiça
com celeridade.
Trata-se
de uma escolha brutalmente errada. No Brasil e em qualquer parte do
mundo, políticos tendem a se proteger mutuamente, sabemos disso. Mesmo
quando as culpas são evidentes. Contam os interesses objetivos, claro!,
mas também certa solidariedade de categoria. E assim é mesmo com as
culpas são evidentes. Vejam a patuscada na Câmara para proteger Eduardo
Cunha. Se e quando a iniciativa do órgão investigador atropela a ordem
legal, aí, convenham, tanto pior.
Não! Não
estou reivindicando leis de exceção para proteger o trio. Estou é
destacando que não existem leis de exceção para prendê-lo. Que a
Lava-Jato investigue tudo, livre, sem interdições e interferências. Mas
que ela não seja livre das regras do Estado de Direito.
Os hipócritas
Se querem a evidência da hipocrisia de parte considerável do jornalismo, mesmo o da grande imprensa, que tem o nariz vermelho, eis a chance: vive a gritar que a Lava-Jato é autoritária e, com frequência, não respeita certos limites. Quando, no entanto, os alvos são peemedebistas, aí tudo lhe parece de uma absoluta normalidade.
Se querem a evidência da hipocrisia de parte considerável do jornalismo, mesmo o da grande imprensa, que tem o nariz vermelho, eis a chance: vive a gritar que a Lava-Jato é autoritária e, com frequência, não respeita certos limites. Quando, no entanto, os alvos são peemedebistas, aí tudo lhe parece de uma absoluta normalidade.
“Ah, e
você? Não faz a mesma coisa?” Não! Faço jornalismo analítico, não
torcida de estádio. Critiquei a condução coercitiva de Lula, por
exemplo. E já deixei claro, mesmo quando o alvo é o PT, que não endosso
vazamentos de material que está sob sigilo, e isso nada tem a ver com o
direito — e o dever — que tem a imprensa de divulgá-los.
Minha
régua nas questões públicas é o Estado de Direito. Não apoio esse ou
aquele procedimentos a depender de quem seja o alvo. Acho que é uma
questão de honestidade intelectual.
Esse
destrambelhamento geral de querer meter todo mundo na cadeia, de
baciada, por razões erradas, só serve a quem esta apostando no clima do
“quanto pior, melhor” para justificar novas eleições.
Esse, definitivamente, não é um bom caminho.
A Lava-Jato tem de ser livre. Mas não pode ser arbitrária. Ou ganham os inimigos da democracia. Ou ganha o PT.
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