Carta aberta aos não-esquerdistas. Ou: O cegante brilho de nossas botas.
Carta aberta aos não-esquerdistas. Ou: O cegante brilho de nossas botas.
Qualquer militar sabe muito bem que, quando um exército se envolve em um conflito real, coisas pequenas como coturnos engraxados, corte de cabelo, pinturas de meio-fio, cerimoniais e excesso de burocracia, são colocadas de lado. O foco passa a ser executar as ações necessárias para derrotar o inimigo. Esse texto trata disso. Em: Revista Sociedade Militar.
Pois, se um reino
estiver dividido contra si mesmo, não pode durar. E se uma casa está
dividida contra si mesma, tal casa não pode permanecer. [...] Ninguém
pode entrar na casa do homem forte e roubar-lhes os bens, se antes não o
prender; e então saqueará sua casa.
Marcos 3, 24-25 e 27
Marcos 3, 24-25 e 27
Aos amigos da direita, ou, melhor, da não-esquerda. Aos daqui, aos de lá, aos de toda parte (porque são muitos os tipos), mas, sobretudo, àqueles que se dão a censurar, diminuir e até ridicularizar aqueles outros que têm-se dedicado a fazer algo para que saiamos todos do duradouro estado de letargia em que nos encontrávamos. Àqueles que se imbuíram de uma superioridade tirada sabe-se lá de onde, que bem poderiam dedicar-se a orientar aqueles que julgam perdidos pelo afã de resolver a situação; que bem poderiam ajudar de alguma forma aqueles que julgam que põem os pés pelas mãos em suas ações, como organizar hangoutsvários e protestar contra aqueles que sempre massacraram os não-esquerdistas impunemente (e.g., Porta dos Fundos e Ghiraldelli versus Sheherazade).
Aos gostosões
intelectuais, aos aprendizes de fariseus, aos santarrões, aos caçadores
de falhas alheias, aos próceres da prudência, enfim, a todos que
resmungam entre os dentes que quaisquer formas de ativismo e militância
são contra os preceitos conservadores. Peço permissão a toda essa gente
para imbuir-me de uma autoridade tirada não sei de onde para dizer-lhes:
Concordo com vocês:
são hangouts, palestras e entrevistas demais. Contudo (eis uma
obviedade), há esquerdistas demais falando e escrevendo por aí; é
preciso equilibrar essa conta. Seria maravilhoso se todos fossem capazes
de dar contribuições como as do professor Olavo de Carvalho, do Padre
Paulo Ricardo, do Mário Ferreira dos Santos, mas não é assim.
Evidentemente, como estes, há apenas estes e mais alguns que ainda estão
preparando-se, creio. A propósito, o conselho do professor Olavo, de
que devemos estudar muito antes de sairmos por aí falando o que
pensamos, é muito prudente e deve ser seguido por todos; mas a
admoestação se refere à publicação de idéias próprias, inéditas, não
para a reprodução do que aprendemos nem para a denúncia do que é errado.
Não precisamos
sentirmo-nos prontos, maduros, tinindo, capazes de ensinar ao mundo o
muito que aprendemos e que dominamos como poucos para que comecemos a
falar de nossas próprias experiências, fartas de erros e percalços. Por
isso mesmo, boa parte dos hangouts não são especificamente para vocês,
superiores, que já têm muito mais a dar do que a receber. Por suas
próprias características de tempo e abordagem, os hangouts, são para
neófitos, servem para atrair e acolher aqueles que (como nós fizemos em
algum momento) estão querendo ir além do que aprenderam nas escolas e do
que lêem nos jornais. Esseshangouts têm algo de grupo de reabilitação,
como alcoólicos anônimos. Ou, ainda, os hangouteiros talvez sejam como
os moleques que vão para a rua entregar panfletos de restaurantes, de
assistência técnica de ar-condicionado, de escolas de informática; o
transeunte lê o panfleto, interessa-se e, depois, vai atrás do que é
propagandeado. Não devem – nem têm como – concorrer com o Curso Online
de Filosofia, por exemplo; devem, sim, introduzir os temas, acolher os
recém-chegados e atrair os que olham com desconfiança. Também, servem
os hangouts para quem os faz acontecer, no sentido de organizar o
pessoal, de mobilizar e aglutinar forças.
Parafraseando o que diz
C. S. Lewis no prefácio de “Cristianismo puro e simples”, quando propõe
que é necessário defender primeiro uma causa comum para, só depois,
aprofundar conhecimentos e expor e debater desavenças, eu diria que
os hangouts, as palestras, as entrevistas e as reações aos ataques
esquerdistas conformam uma grande sala-de-estar, pela qual se entra na
residência e se passa; depois, os convidados e os anfitriões se recolhem
aos seus aposentos e fazem o que deve ser feito. Vocês, superiores, já
estão em seus aposentos, recostados em seus recamiers, trajando roupões
de seda roxos, charutando e "eruditizando-se" deliciosamente, enquanto a
esquerdalha prepara-se para invadir suas residências e estourar-lhes
os miolos (na verdade, não será necessário "invadir”; a esquerda entrará
tranqüilamente nas casas dos gostosões da prudência). Enquanto
limitam-se a estudar (o que em si não é ruim, obviamente) e resmungar em
seus confortáveis aposentos, há hordas do lado de fora, querendo tomar a
propriedade. Definitivamente, não há prudência [palavra adorada por
vocês] em desprezar os poucos aliados que estão na sala-de-estar.
Além disso tudo, há a
necessidade de equilibrar a balança da opinião pública, que há muito
está capenga para a esquerda. Esses hangouts, essas entrevistas, a que
vocês se recusam a participar (lamentavelmente, pois, não tenho dúvidas
de que seus relatos de vida, de formação, serviriam a muitas pessoas) e
que insistem em menosprezar, ajudarão a levar pessoas do “nosso lado”
(seja lá o que isso for) para a mídia (o que já está ocorrendo, aliás;
vide Felipe Moura Brasil na Veja); ajudarão a respaldar os “dos nossos”
que estiverem por aí, escrevendo em blogs, jornais e revistas, falando
na televisão e no rádio e ensinando em escolas e universidades.
Todos nós devemos, sim,
fazer o que vocês fazem e nos admoestam que façamos: estudar a sério,
reservadamente. Todavia, se fizermos “só” isso (entre aspas, porque,
reconheço, já é muito), as esquerdas crescerão mais do que já cresceram e
nos sufocarão mais do que já nos sufocam, ao ponto de que nem isso
(estudar reservadamente) nos será permitido fazer. Esses
muitos hangouts podem ser um meio de reconquistarmos o direito de dizer
que um mais um é dois.
Como católico (dos
piores), evito emitir opiniões contra o protestantismo; como um pretenso
conservador, evito emitir opiniões contra os liberais (embora não
consiga, muitas vezes; o que é um erro). Temos inimigos demais querendo
nossas cabeças, de modo que não creio que devamos atacar aqueles que, em
determinada especificidade, agem em desacordo com aquilo que julgamos
correto. Precisamos de companhias para a viagem, pois a estrada é cheia
de perigos. Por exemplo: há algum tempo, a cada quatro anos, vemo-nos
obrigados a votar em gente que jamais votaríamos se vivêssemos em um
cenário político minimamente decente. Se chegamos ao ponto de votar em
sociais[socialistas]-democratas por pura necessidade de sobrevivência,
por que, por outro lado, atacamo-nos mutuamente?
Espero, honestamente,
poder viver o dia em que teremos tempo e tranqüilidade para discutir,
entre nós, os erros e acertos dos mais variados pormenores, sobre os
meios com que nos comunicamos, as maneiras como falamos etc. Contudo,
por ora, estamos recém tentando falar.
Hoje, não posso dar-me
ao luxo de chamar a atenção do soldado ao lado porque suas botas não
estão bem lustradas. Depois que conseguirmos ao menos sair do buraco em
que estamos escondidos, enquanto somos bombardeados por todos os lados,
talvez eu pense nisso. Não é hora de ficar no buraco, admirando o brilho
de minhas botas; a não ser que eu não me importe em ser soterrado pelo
inimigo.
http://www.midiasemmascara.org/artigos/conservadorismo/14839-carta-aberta-aos-nao-esquerdistas-ou-o-cegante-brilho-de-nossas-botas.html
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