MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

domingo, 24 de novembro de 2013

'Saudade foi a primeira palavra que aprendi', diz médico cubano no Recife


Médico que atua na Mustardinha deixou mulher grávida e dois filhos na ilha.
Em Igarassu, grupo com quatro médicos cubanos divide a mesma casa.

Katherine Coutinho Do G1 PE

Arnais Albriza explica que a boa acolhida no Brasil tem ajudado a driblar a falta da família. (Foto: Katherine Coutinho / G1)Arnais Albriza explica que a boa acolhida no Brasil tem ajudado a driblar a falta da família (Foto: Katherine Coutinho / G1)
As línguas portuguesa e espanhola possuem muitas semelhanças, mas, ainda assim, há algumas palavras e expressões muito peculiares em cada idioma. A palavra ‘saudade’ não tem correspondente direta em espanhol, mas define a situação de muitos dos cubanos que deixaram suas famílias para vir trabalhar no Brasil por meio de um acordo entre o Ministério da Saúde e a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), dentro do programa Mais Médicos. Neste domingo (24), completam-se três meses desde que o primeiro grupo de profissionais chegou ao país.

“'Saudade' foi a primeira palavra em português que aprendi”, conta o médico cubano Arnais Albriza. Arnais, como prefere ser chamado, é um dos 196 profissionais formados no exterior que estão atuando em Pernambuco através do programa federal. Chegou na segunda leva de médicos cubanos, em outubro. Pai de dois meninos, tem mantido contato sempre que pode com a cidade natal para saber da esposa, grávida de uma menina.
“A saudade é inevitável para todo mundo, mas aprendi desde pequeno a importância de se preocupar com os outros. A acolhida aqui no Brasil tem sido muito boa, não esperava que tivessem esse coração tão bonito. Eu sinto como se tivesse uma segunda família, o que tira 50% da saudade”, explica o cubano, que está responsável pela Unidade de Saúde da Família da Mustardinha, no Recife.
Falando português com fluência, ele conta que vem estudando a língua desde que soube da missão, ainda em Cuba. Conhecia o Brasil apenas através das novelas, que fazem muito sucesso na ilha. “Existem muitas coisas parecidas entre nós, a comida não é muito diferente”, afirma.
A polêmica criada no Brasil devido ao fato de parte do salário ficar com o governo de Cuba é encarada pelo médico com muita tranquilidade. “Os salários tem ajudado a nós lá. Não é apenas uma ajuda solidária a um país, como o Brasil, que está precisando, ajudamos também o nosso país, a reformar nossos postos de saúde”, conta Arnais, que já atuou por quatro anos na Venezuela.
Mayelin Vidal, Melquíades Solis e Marlen Piloto. (Foto: Katherine Coutinho / G1)Mayelin Vidal, Melquíades Solis e Marlen Piloto se ajudam
a enfrentar a saudade (Foto: Katherine Coutinho / G1)
Em Igarassu, na Região Metropolitana do Recife, quatro médicos cubanos encaram a saudade com um pouco mais de facilidade. Mayelin Vidal, Melquíades Solis Hernandez, Marlen Piloto e Mayelin Legrá Guá dividem a mesma casa e têm a oportunidade de falar a língua natal e tirar dúvidas uns dos outros, o que ajuda a amenizar a falta de casa.
A cidade histórica, sem grandes prédios, com vários museus e igrejas, fascinou o grupo, que tem aproveitado para conhecer os pontos turísticos nas folgas. O calor constante da cidade e as praias lembram um pouco o país natal, o que também ajuda a atenuar a saudade de casa. “Já fomos a Olinda também. Cuba e Brasil têm muitas semelhanças, como cultura, mestiçagem, religião”, conta Melquíades, o único homem do quarteto.
As tarefas da casa são divididas: a cozinha fica por conta de Marlen, enquanto os pratos são lavados por Mayelin. Após o trabalho, as novelas brasileiras são uma das opções de diversão. A médica cubana Maryanis Perez Romero, que está na cidade de Goiana, na Zona da Mata Norte do estado, também é fã de novelas.
Maryanis manda sempre mensagens para o marido. (Foto: Katherine Coutinho / G1)Maryanis manda sempre mensagens para o marido
(Foto: Katherine Coutinho / G1)
Mãe de uma menina de nove anos, Maryanis admite que a saudade é a parte mais difícil. “Ela sonha em ser cantora. A saudade é um ponto ruim, mas quando penso que estou aqui ajudando a salvar pessoas, olho o bem que estou fazendo, vale a pena. É um prazer muito grande. E em um ano vou a Cuba”, diz, animada.
Para abrandar também a saudade do marido, Maryanis mantém o celular sempre por perto. “Eu ligo todas as semanas para falar com eles, mas mensagens? São umas vinte por dia”, admite a médica, contando que tem ainda uma prima trabalhando em Belo Horizonte.

Apaixonada pela profissão, ela explica que a dedicação faz parte da formação cubana. “Nós, médicos, temos que estar presentes não só na doença, precisamos conhecer nossos pacientes”, afirma.
Desafios
Integrante do primeiro grupo de médicos estrangeiros que chegou ao país por meio do programa 'Mais Médicos', o colombiano Ricardo Di Zappola trocou, em agosto, a Espanha pelo Brasil. Morando em Goiana, aguarda ansioso pela mudança da família no final de dezembro. “A falta dos filhos é maior até que da esposa, só quem é pai entende”, conta.
Ricardo não vê a hora da família vir da Espanha para o Brasil. (Foto: Katherine Coutinho / G1)Ricardo não vê a hora da família vir da Espanha para o
Brasil (Foto: Katherine Coutinho / G1)
Conseguir uma casa na cidade, explica, não tem sido tarefa fácil. Com o crescimento do município, localizado na Mata Norte, o preço do aluguel vem subindo. “É muito complicado mesmo. Admito que meu tempo livre tem sido todo para organizar as coisas para a vinda da minha família, não resta muito mais o que fazer. Estou começando uma vida do zero aqui. Goiana ainda precisa investir muito em infraestrutura para receber não os médicos, mas todas as pessoas que estão mudando para cá”, pontua Ricardo.
Ele conta que a troca de país aconteceu devido, principalmente, à crise espanhola. Na Europa, Ricardo dividia-se em dois empregos, trabalhando no setor de atenção básica. Ao perder um, começou a se preocupar. Ao saber da oportunidade no Brasil, o pai dele telefonou da Colômbia contando sobre a oportunidade. “Entrei no site do 'Mais Médicos', mas sem muita fé. Eles iam pedindo os documentos, eu mandando. Quando percebi, tinham chegado as passagens e eu fiquei sem saber o que fazer, ainda tinha meu emprego lá”, recorda.
Em uma semana, Ricardo tomou a decisão e veio para o Brasil, mesmo sem falar português. “No começo, eu tinha mais medo. Português se aprende falando, já consigo me comunicar”, explica. O trabalho, com uma estrutura muito diferente da que tinha, não o preocupa, embora acredite que o Brasil precisa investir mais no sistema de saúde. “As pessoas não se sentem acolhidas pelo sistema de saúde, muitas pessoas ficam doentes e não procuram o médico”, conclui.

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