BLOG ORLANDO TAMBOSI
Robert Kaplan faz mea-culpa sobre a invasão do Afeganistão e do Iraque. João Pereira Coutinho para a Folha de São Paulo:
Os
comentadores políticos têm vida santa. Por maiores que sejam os erros,
nunca há consequências. O cavalheiro pode prever uma coisa e depois
acontecer outra.
Ou, ligeira variação, pode defender um caminho e esse caminho levar à ruína de um país.
Nenhum problema. Na semana seguinte, ele estará prevendo novos cenários ou aconselhando novos desastres.
Mas
há exceções. Robert D. Kaplan é uma delas. Lembro-me bem: Kaplan,
depois do 11 de Setembro, cavalgando a onda dos neoconservadores e
defendendo a invasão do Afeganistão e do Iraque.
Para
Kaplan, o objetivo não era apenas punir o Taleban ou derrubar Saddam
por conta das suas imaginárias armas de destruição em massa.
Não.
A loucura era mais profunda: os Estados Unidos deveriam levar a
democracia até o Oriente Médio tal como levaram à Alemanha e ao Japão
depois de 1945.
Não aconteceu, para usar um eufemismo. E Kaplan publicou agora um mea-culpa que, parcialmente, o redime: "The Tragic Mind: Fear, Fate, and the Burden of Power", uma mistura de autobiografia e encontro com os clássicos.
A
autobiografia explica-se em breves linhas: Kaplan conheceu o Iraque de
Saddam Hussein nos anos de 1980, como jornalista, e ficou horrorizado
com aquela prisão a céu aberto.
Conclusão: tudo servia para derrubar Saddam, até a crença infantil de que, depois do tirano, qualquer regime seria melhor.
Essa
ilusão durou até 2004, quando o próprio retornou ao país e encontrou um
caos que era bem pior do que a ordem sufocante do passado.
Quem diria. Sim, quem diria que a ordem, mesmo que perversa, pode ser preferível a uma anarquia selvagem?
Na
verdade, qualquer grande clássico do pensamento político o poderia ter
informado: sem ordem, a vida é "solitária, pobre, sórdida, brutal e
curta", como dizia o tio Tomás.
Sem
falar dos dramaturgos gregos, com quem Kaplan aprendeu tarde uma grande
lição: só quem sabe pensar tragicamente pode evitar a tragédia. O que
significa pensar tragicamente?
Não,
não é pessimismo, ou fatalismo, ou estoicismo. Pensar tragicamente é
uma forma de conhecimento, escreve Kaplan, embora eu acrescente: é uma
forma de conhecimento sobre o nosso desconhecimento.
A
mente trágica, em política, está sobretudo sintonizada para as
contingências da vida –acasos imprevistos, atos de terceiros, forças
culturais ou religiosas que são invisíveis aos olhos, mas determinantes.
Por
todos esses motivos, a mente trágica é sempre modesta e humilde. Ela
sabe, ela reconhece o lugar diminuto que ocupamos no esquema geral das
coisas.
A ideia de que os Estados Unidos podem consertar o mundo –em todo lado e ao mesmo tempo, como no filme–
é uma violação da sensibilidade trágica, que o autor se penitencia por
ter cometido. E por que motivo os políticos e os analistas de hoje têm
pouca sensibilidade para o trágico?
A
hipótese avançada por Kaplan, que ironicamente não se aplicaria a ele,
passa pela falta de experiência real com as brutalidades da vida.
Longe
vão os tempos em que Dwight Eisenhower, o 34º presidente dos Estados
Unidos, que comandara o desembarque na Normandia, resistia aos conselhos
dos seus "especialistas" para usar o arsenal nuclear na Coreia, salvar
os franceses no Vietnã ou declarar guerra aos soviéticos por causa da
invasão da Hungria.
Os
líderes de hoje, que cresceram na paz e na abundância, nem hesitam em
começar guerras por escolha –a suprema forma de loucura, como lembrava
Eurípedes, em "As Troianas", pela boca de Cassandra.
O
que é válido para os líderes é sobretudo válido para a
"intelligentsia", dentro da sua bolha e perfeitamente alienada das
dimensões mais primitivas da natureza humana.
Na
luta eterna entre Apolo e Dionísio, tudo era apolíneo para a
"intelligentsia". Invadir o Iraque, derrubar Saddam Hussein, fazer
eleições e entregar a chave do novo apartamento ao vencedor era um
programa tão racional que só gente irracional poderia recusá-lo. E gente
irracional não conta, certo?
Vinte anos depois da invasão do Iraque, as elites de Washington que cozinharam esse prato permanecem caladas –ou, pior, verborreicas como sempre.
Tivessem elas passado uma temporada no Afeganistão e no Iraque talvez o encontro com a tragédia fosse uma forma de salvação.
Postado há 1 week ago por Orlando Tambosi
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