MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

sábado, 17 de setembro de 2022

Um velório muito louco

 


BLOG  ORLANDO  TAMBOSI
E no Brasil brasileiro, terra de samba e pandeiro e desse coqueiro que dá coco? Aqui não temos monarca desde 1889, mas temos uma tradição certamente inscrita no DNA do país e seguida à risca per omnia saecula saeculorum: a esculhambação. A crônica semanal de Ruy Goiaba para a Crusoé:


Então a rainha morreu (rest in peace). No momento em que escrevo este texto, na quinta-feira (15), o Reino Unido já ultrapassou o meio do caminho de uma cerimônia fúnebre que dura dez dias e vai culminar, na próxima segunda-feira (19), no funeral de Estado para Elizabeth II na Abadia de Westminster, seguido do sepultamento no Castelo de Windsor. Tudo muito monárquico e muito britânico, cheio de pompa e circunstância e planejado até os mínimos detalhes: um evento tão de outra época que as redes sociais preferem se deter nos dedos de salsicha do novo rei, Charles III (obviamente, não consigo escrever “rei Charles” sem pensar no piano elétrico do começo de “What’d I Say”).

E no Brasil brasileiro, terra de samba e pandeiro e desse coqueiro que dá coco? Aqui não temos monarca desde 1889, mas temos uma tradição certamente inscrita no DNA do país e seguida à risca per omnia saecula saeculorum: a esculhambação. Exemplifico não com funerais que causaram comoção nacional — Getúlio Vargas e Carmen Miranda, por exemplo —, mas com um enterro que aconteceu há 127 anos: o de Floriano Peixoto. Segundo presidente da República brasileira, o marechal deu seu nome a Florianópolis graças a um ato de puxa-saquismo do então governador de Santa Catarina, Hercílio Luz, aquele mesmo que virou ponte depois (aliás, se existe outra tradição brasileira tão tradicional quanto a esculhambação, é puxar o saco de gente poderosa. Fecha parêntese).

Quem conta como foi o funeral de Floriano, em 1895, é o professor e historiador Luiz Antonio Simas, que escreveu sua dissertação de mestrado sobre o assunto. “Teve gente que se jogou no caixão, gente que morreu de infarto, gente que viu o espírito de Floriano ser levado por Jesus Cristo”, escreveu Simas no Twitter. Ele se lembrou também de um soneto que dizia o seguinte: “O grande Deus do Orbe Soberano/ Ao mundo não tem mais o que dar/ Depois que deu Jesus e Floriano” (vocês veem que isso de tratar político como Deus TAMBÉM é tradicionalíssimo no nosso Bananão). Houve mais: Raul Pompeia, autor de O Ateneu e florianista apaixonado, fez um discurso no cemitério atacando o sucessor do marechal na Presidência, Prudente de Moraes. Luiz Murat, outro escritor que depois viraria nome de rua, retrucou com um artigo em que acusava Pompeia de loucura “gerada por excesso de masturbação” — e assinou o texto como Olavo Bilac.

(Simas nos conta que Pompeia, indignadíssimo com o artigo, desafiou Bilac para um duelo com revólveres ou espadas no Alto da Tijuca; o sonetista de “Ora (direis), ouvir estrelas!”, que não estava sabendo de nada, declinou do convite.)

Sempre segundo o historiador, Floriano, que governou como um ditador militar, está enterrado no São João Batista perto da pirâmide funerária do Barão de Paquetá, que acreditava ter sido o faraó Ramsés II em outra encarnação. O túmulo do marechal tem a inscrição “ao salvador da República: à bala!”, que foi como o presidente ameaçou receber os cônsules inglês e alemão por críticas à repressão contra a Revolta da Armada, em 1893. Notem que pelo menos a nossa diplomacia mudou: hoje ela se limita a bajular Vladimir Putin e outros líderes “não globalistas” e fazer postzinho nas redes contra a China, que responde xingando muito no Twitter. O Barão do Rio Branco foi um acidente de percurso.

Quem se importa com Floriano Peixoto hoje? Ele é uma espécie de Ozymandias do poema de Shelley: a estátua de alguém que foi muito poderoso e hoje jaz em ruínas no deserto (a propósito, “Ozymandias” era o nome que os gregos davam ao supracitado Ramsés II). O resumo da ópera é que tudo por aqui vira Carnaval, no melhor ou no pior sentido — mais frequentemente, no segundo. Continuo achando que nada resume tão bem o que é ser brasileiro quanto aquela fala de O Bandido da Luz Vermelha, o filme de Rogério Sganzerla: “Quando a gente não pode fazer nada, a gente avacalha. Avacalha e se esculhamba”. E, considerando que Luiz Murat e Olavo Bilac foram sócios-fundadores da Academia Brasileira de Letras, com Raul Pompeia como um dos patronos, acredito que passou da hora de rebatizarmos essa venerável entidade como Loucademia de Letras.

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GRANDES MOMENTOS DO ESPORTE

Hoje, excepcionalmente, não teremos a “goiabice da semana”: o destaque vai para Leão Serva, diretor de jornalismo da TV Cultura e mediador do debate entre candidatos ao governo de São Paulo no último dia 13, por ter arrancado das mãos do deputado estadual bolsonarista Douglas Garcia — e jogado longe — o celular que ele usava para assediar a jornalista Vera Magalhães, apresentadora do Roda Viva. Se arremesso de celular de babaca fosse esporte olímpico, e talvez devesse ser, Leão seria medalha de ouro e Brasil no topo do pódio.


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