BLOG ORLANDO TAMBOSI
E
no Brasil brasileiro, terra de samba e pandeiro e desse coqueiro que dá
coco? Aqui não temos monarca desde 1889, mas temos uma tradição
certamente inscrita no DNA do país e seguida à risca per omnia saecula
saeculorum: a esculhambação. A crônica semanal de Ruy Goiaba para a Crusoé:
Então
a rainha morreu (rest in peace). No momento em que escrevo este texto,
na quinta-feira (15), o Reino Unido já ultrapassou o meio do caminho de
uma cerimônia fúnebre que dura dez dias e vai culminar, na próxima
segunda-feira (19), no funeral de Estado para Elizabeth II na Abadia de
Westminster, seguido do sepultamento no Castelo de Windsor. Tudo muito
monárquico e muito britânico, cheio de pompa e circunstância e planejado
até os mínimos detalhes: um evento tão de outra época que as redes
sociais preferem se deter nos dedos de salsicha do novo rei, Charles III
(obviamente, não consigo escrever “rei Charles” sem pensar no piano
elétrico do começo de “What’d I Say”).
E
no Brasil brasileiro, terra de samba e pandeiro e desse coqueiro que dá
coco? Aqui não temos monarca desde 1889, mas temos uma tradição
certamente inscrita no DNA do país e seguida à risca per omnia saecula
saeculorum: a esculhambação. Exemplifico não com funerais que causaram
comoção nacional — Getúlio Vargas e Carmen Miranda, por exemplo —, mas
com um enterro que aconteceu há 127 anos: o de Floriano Peixoto. Segundo
presidente da República brasileira, o marechal deu seu nome a
Florianópolis graças a um ato de puxa-saquismo do então governador de
Santa Catarina, Hercílio Luz, aquele mesmo que virou ponte depois
(aliás, se existe outra tradição brasileira tão tradicional quanto a
esculhambação, é puxar o saco de gente poderosa. Fecha parêntese).
Quem
conta como foi o funeral de Floriano, em 1895, é o professor e
historiador Luiz Antonio Simas, que escreveu sua dissertação de mestrado
sobre o assunto. “Teve gente que se jogou no caixão, gente que morreu
de infarto, gente que viu o espírito de Floriano ser levado por Jesus
Cristo”, escreveu Simas no Twitter. Ele se lembrou também de um soneto
que dizia o seguinte: “O grande Deus do Orbe Soberano/ Ao mundo não tem
mais o que dar/ Depois que deu Jesus e Floriano” (vocês veem que isso de
tratar político como Deus TAMBÉM é tradicionalíssimo no nosso Bananão).
Houve mais: Raul Pompeia, autor de O Ateneu e florianista apaixonado,
fez um discurso no cemitério atacando o sucessor do marechal na
Presidência, Prudente de Moraes. Luiz Murat, outro escritor que depois
viraria nome de rua, retrucou com um artigo em que acusava Pompeia de
loucura “gerada por excesso de masturbação” — e assinou o texto como
Olavo Bilac.
(Simas
nos conta que Pompeia, indignadíssimo com o artigo, desafiou Bilac para
um duelo com revólveres ou espadas no Alto da Tijuca; o sonetista de
“Ora (direis), ouvir estrelas!”, que não estava sabendo de nada,
declinou do convite.)
Sempre
segundo o historiador, Floriano, que governou como um ditador militar,
está enterrado no São João Batista perto da pirâmide funerária do Barão
de Paquetá, que acreditava ter sido o faraó Ramsés II em outra
encarnação. O túmulo do marechal tem a inscrição “ao salvador da
República: à bala!”, que foi como o presidente ameaçou receber os
cônsules inglês e alemão por críticas à repressão contra a Revolta da
Armada, em 1893. Notem que pelo menos a nossa diplomacia mudou: hoje ela
se limita a bajular Vladimir Putin e outros líderes “não globalistas” e
fazer postzinho nas redes contra a China, que responde xingando muito
no Twitter. O Barão do Rio Branco foi um acidente de percurso.
Quem
se importa com Floriano Peixoto hoje? Ele é uma espécie de Ozymandias
do poema de Shelley: a estátua de alguém que foi muito poderoso e hoje
jaz em ruínas no deserto (a propósito, “Ozymandias” era o nome que os
gregos davam ao supracitado Ramsés II). O resumo da ópera é que tudo por
aqui vira Carnaval, no melhor ou no pior sentido — mais frequentemente,
no segundo. Continuo achando que nada resume tão bem o que é ser
brasileiro quanto aquela fala de O Bandido da Luz Vermelha, o filme de
Rogério Sganzerla: “Quando a gente não pode fazer nada, a gente
avacalha. Avacalha e se esculhamba”. E, considerando que Luiz Murat e
Olavo Bilac foram sócios-fundadores da Academia Brasileira de Letras,
com Raul Pompeia como um dos patronos, acredito que passou da hora de
rebatizarmos essa venerável entidade como Loucademia de Letras.
***
GRANDES MOMENTOS DO ESPORTE
Hoje,
excepcionalmente, não teremos a “goiabice da semana”: o destaque vai
para Leão Serva, diretor de jornalismo da TV Cultura e mediador do
debate entre candidatos ao governo de São Paulo no último dia 13, por
ter arrancado das mãos do deputado estadual bolsonarista Douglas Garcia —
e jogado longe — o celular que ele usava para assediar a jornalista
Vera Magalhães, apresentadora do Roda Viva. Se arremesso de celular de
babaca fosse esporte olímpico, e talvez devesse ser, Leão seria medalha
de ouro e Brasil no topo do pódio.
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