Carlos Alberto Sardenberg
O Globo
Quanto mais distante o candidato está da vitória, mais detalhadas são suas propostas de governo. Inversamente, quanto mais perto do poder, mais vagos tornam-se seus programas. Tome-se o caso do endividamento. Cerca de 80% das famílias brasileiras estão endividadas. Claro, há dívidas boas (como aquelas para compra da casa própria) e dívidas péssimas, como as do cheque especial ou o rotativo do cartão de crédito.
Mas, como as taxas de juros estão em alta e devem permanecer elevadas por muitos meses, avançando até 2024, toda dívida torna-se perigosa, ainda mais com inflação alta e renda real em queda.
CONTAS EM ATRASO – Muitos lares já foram atropelados. Segundo dados da Confederação Nacional do Comércio, em agosto passado 30% das famílias tinham alguma conta em atraso — o maior percentual da série iniciada em 2010.
Ciro Gomes, empacado nos 8%, tem uma proposta ampla para a renegociação meio forçada de todas as dívidas de pessoas e empresas. Tecnicamente, é de implementação muito difícil, praticamente impossível, mas de todo modo revela a preocupação do candidato em buscar os instrumentos para isso.
O favorito Lula só entrou no assunto por causa de Ciro. Sua campanha percebeu como o tema levantado pelo candidato do PDT era sério e trazia apelo eleitoral. Mas no que deu a proposta petista? Uma vaga promessa de renegociação.
RENEGOCIAÇÕES – É nada. Credores, de bancos a empresas de varejo, estão renegociando o tempo todo. Há empresas especializadas nisso. Se for para apresentar algo de novo, algum tipo de financiamento barato e garantido, seria preciso mostrar o dinheiro e a modalidade de empréstimo.
Complicado, claro. O presidente da República não pode mandar o Banco Central reduzir os juros na marra. Pela nova lei, o BC é uma agência independente. Seu presidente atual, Roberto Campos Neto, tem mandato até dezembro de 2024 e precisa operar de acordo com regras bem definidas — a principal delas, colocar a inflação na meta. Como está longe da meta, manterá juros muito elevados. Isso é fato a limitar qualquer política econômica para os próximos dois anos, no mínimo.
Como retomar investimentos e consumo nesse ambiente? Como elevar os gastos em programas sociais — incluindo o salário mínimo, indexador das aposentadorias — com o governo quebrado e endividado? Lula, e insistimos nele por ser o favorito, tem resposta pronta quando se colocam essas questões: — Olhem para meus governos anteriores.
OUTRA REALIDADE – Não faz o menor sentido. As situações são completamente diferentes. Para começar, o primeiro Lula foi beneficiado por uma onda de crescimento mundial, que derrubou os níveis de pobreza em todo o mundo emergente.
Com o crescimento dos mais desenvolvidos e da China, os preços dos produtos de exportação dos emergentes atingiram níveis inéditos. Choveram dólares. Hoje, Estados Unidos e Europa caminham para a recessão. O motor chinês se engasgou com a política de Covid Zero, que sempre deixa milhões de pessoas em lockdown, interrompendo atividades econômicas.
Internamente, o primeiro Lula recebeu de FHC um governo arrumado: o real instalado, a regra da responsabilidade fiscal e do superávit primário, inflação domada. Agora, receberá o oposto disso tudo.
REESTATIZAÇÃO? COMO? – E o candidato favorito ainda fala em reestatizar a Eletrobras. Com que dinheiro? Só se confiscar as ações que foram vendidas, inclusive a milhares de pessoas físicas, que puderam usar parte de seu FGTS para comprar papéis da empresa de energia. Farão como? Devolverão o dinheiro ao FGTS? Seria uma quebra de confiança, um golpe jurídico que desmoralizaria o governo por muito tempo.
Finalmente, há outra bomba na praça: as finanças estaduais, destruídas por reduções compulsórias de ICMS. Aliás, o que os candidatos a governador dizem sobre isso? Tomar dinheiro do governo federal, que não tem.
Tudo considerado, o favorito Lula deve respostas, especialmente agora que quer tomar eleitores de Ciro e Simone. Estes aceitariam voto no escuro?
Nenhum comentário:
Postar um comentário