Mesmo quem tem surpresa zero diante da confusão argentina impressiona-se com a maneira como o uso do ato de violência tenta obter vantagem. Vilma Gryzinski:
Os kirchneristas culpam a oposição e a imprensa pelo atentado fracassado contra Cristina Kirchner,
oposicionistas desconfiam que tudo foi uma armação, a namorada do
agressor mentiu mais do que nos sites onde presta serviços eróticos e
apareceu em fotos com a arma usada no crime, o discurso contra o ódio é
mais odioso ainda e, provavelmente, existe uma única certeza: como
tantos outros casos de enorme repercussão, as investigações vão se
enrolar num novelo mais emaranhado do que romance de Borges.
Ah,
sim, um ex-agente da CIA, Gustavo Cueto, foi objeto de denúncia
apresentada pela Secretaria de Direitos Humanos por dizer que foi um
falso atentado e, assim, “animar ou incentivar a perseguição ou o ódio
contra Cristina Fernandez de Kirchner e o setor político que ela
representa”.
Dessa
maneira, o que seria uma entrevista pouco confiável, considerando-se
que foi baseada no olhômetro, ganhou mais repercussão. “Acho que ele não
estava lá para cometer um magnicídio, mas para criar a aparência de um
magnicídio”, afirmou Cueto sobre Fernando Sabag Montiel, o homem nascido
no Brasil que apontou contra o rosto da vice-presidente uma pistola
Bersa calibre .32 sem acionar o ferrolho que engatilharia a primeira
bala. Ele também acha que as grandes manifestações que se seguiram foram
uma “reação planejada” antecipadamente.
Isso
indica que não conhece a capacidade de mobilização do peronismo, mas é
claro que as preferências políticas vão pesar na avaliação de suas
palavras – isso já ficou bem demonstrado no Brasil, com os sinais
políticos trocados: facada falsa, para os opositores; intrincada trama
política para os partidários.
O
celular de Sabag, que poderia ajudar a elucidar componentes
fundamentais, foi contaminado e detonado pelos agentes federais que
deveriam acessá-lo. Em vez disso, conseguiram ressetar o telefone,
apagando tudo o que estava guardado nele. É inacreditavelmente
incompetente. Ou, para os conspiracionistas, mais um sinal de que aí tem
coisa.
Onde
tem coisa mesmo: no papel que a namorada de Sabag, Brenda Uriarte,
desempenhou. Ela foi presa ao descer do metrô, depois que os
investigadores identificaram, pelas imagens de câmaras de segurança, que
ela estava presente na cena do atentado fracassado, da qual se retirou
tranquilamente. A um canal de televisão, tinha dito que não via o
namorado havia dois dias.
Nas
fotos recuperadas pela justiça no cartão de memória do telefone
ressetado de Sabag, ela aparece posando com a arma do atentado na
cintura. Sabag também foi fotografado empunhando a Bersa. As fotos foram
feitas há um ano.
Brenda
se apresenta também com o nome de Ambar, Sasha e outros pseudônimos,
como vendedora de algodão doce na rua, estudante de medicina ou
funcionária de limpeza. Já apareceu de cabelos castanhos, ruivos e
loiros. Fazia encenações eróticas pagas em serviços de streaming
dedicados ao ramo.
Brenda
incentivou os conspiracionistas ao dizer no Instagram, antes de ser
presa, que da pistola Bersa saiu “um jorro de água”. Também elogiou o
libertário Javier Milei por dizer que “os políticos não deveriam ter
mais direitos do que os civis”.
Uma
pesquisa feita antes do atentado fracassado indicava que Milei, uma
novidade na política, poderia ir para o segundo turno na eleição
presidencial do ano que vem. É claro que está num dos lugares mais altos
dos acusados de discurso de ódio, uma expressão usada, como no Brasil,
para criminalizar opiniões políticas divergentes.
Victoria
Tondi, do Instituto Nacional contra a Discriminação, um órgão do
governo, escreveu um artigo acusando os principais líderes da oposição
pelo atentado. “As armas dos odiadores são carregadas pelos Macri, os
Bullrich, os Milei”. Outro artigo ao qual contribuiu, na agência oficial
de notícias, foi ilustrado por um revólver de cujo cano sai um
microfone – uma maneira nada sutil de acusar a imprensa não peronista.
“Não há nenhum projeto que esteja sendo analisado”, disse a porta-voz do presidente Alberto Fernández
sobre uma lei contra o discurso do ódio que, obviamente, criminalizaria
a oposição. Um assessor presidencial havia declarado, de maneira
inequívoca, que “a Argentina tem que avançar na limitação dos discursos
de ódio”.
Outro
balão de ensaio: o atentado fracassado justificaria nada menos que o
encerramento dos processos contra Cristina na justiça.
“Nesse
julgamento, brotou a semente que gerou a violência extrema”, disse, com
formidável cara de pau, o senador José Mayans. “Queremos paz social?
Então comecemos por parar com esse julgamento vergonhoso”. Foi recebido
ontem pelo presidente Alberto Fernández.
No
julgamento em questão, a acusação pediu doze anos de prisão e cassação
dos direitos políticos pela “maior rede de corrupção da história”,
envolvendo um bilhão de dólares desviados de 51 obras públicas em Santa
Cruz, o berço político do casal Kirchner.
Cristina,
que se passava por vítima da justiça – algo que conhecemos bem -, agora
tem uma arma que, por sorte, não disparou para ampliar o teatro da
perseguição política.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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