Para alguns, tudo que restou após os 50 anos é se gabar dos procedimentos supostamente científicos que praticam. Luiz Felipe Pondé para a Folha de São Paulo:
Há basicamente duas formas de envelhecer hoje: ou você se transforma num hipocondríaco ou num retardado. O que vem a ser esse fenômeno psicológico?
Sabemos
que nossa espécie não é adaptada a viver tanto tempo. Daí que tristeza,
tédio, degeneração por inatividade e similares são quadros comuns. Não
há no horizonte nada que implique alguma mudança significativa. Aumento
de população idosa,
custos com o envelhecimento, abandono, abuso, perda de papel social e
produtivo, indiferença do Estado e do mercado, enfim, das próprias
famílias, sobrecarregadas e sem dinheiro.
Apesar dos esforços de muitos profissionais e instituições, a inundação de idosos numa sociedade atomizada e de laços familiares e afetivos reduzidos veio para ficar.
Para
além desse olhar sombrio, mas nem por isso menos verdadeiro, há
aspectos mais sutis, mas que fazem parte do cenário do envelhecimento
num mundo feito cada vez mais para os jovens —que por sua vez são cada
vez menos em número nas sociedades afluentes. Filhos são ônus para os
adultos, mas, pelo menos, ainda representam um futuro de alguma forma.
Mas idosos são o passado, e o passado não serve para nada na gloriosa modernidade.
Em
se tratando da população mais afluente e que passa dos 50 anos, chama a
atenção a combinação de dois comportamentos aparentemente
contraditórios, mas que se tornam cada vez mais hegemônicos: a obsessão
por procedimentos médicos —que sem dúvida fazem parte da longevidade nas
populações mais afluentes— e outra obsessão que é a busca histérica por
comportamentos que mimetizem a juventude perdida.
É
dessa combinação que nasce a mania hipocondríaca e o retardo mental
como modelos de envelhecimento no mundo contemporâneo. A obsessão por
procedimentos médicos não se atém ao próprio sujeito, mas se torna um
modo de sociabilidade. A competição pelos números de exames médicos
realizados e pela frequência de visita ao médico é um traço dessa
sociabilidade.
"Quantas colonoscopias você fez nos últimos anos?" "Você mediu seu colesterol este ano?" "Como você continua a comer carne vermelha
nessa idade?!" "Essa dieta é daquela médica que atende fulana?" —sempre
uma famosa recauchutada todo dia. Enfim, os exemplos ocupam as festas
familiares, encontros de amigos, férias.
Uma
clara atitude de superioridade emana daqueles que parecem em dia com o
que a última ciência diz do modo mais saudável de envelhecer. Isso sem
levar em conta que, afora os exames claramente válidos, muita coisa é
moda naquilo que falam, principalmente no que se refere a dietas alimentares.
Para
algumas pessoas, tudo que restou após os 50 anos é se gabar dos
procedimentos supostamente científicos que praticam no seu dia a dia.

O envelhecimento
carrega consigo uma dose significativa de desespero, o que é normal. A
cada dia tudo pode começar a dar errado no corpo, e isso não há atitude
motivacional que resolva.
Alguns filhos se tornam verdadeiros tiranos na relação com seus pais, exigindo deles, muitas vezes, o abandono de qualquer forma de vida que para esses pais, até então, foi significativa.
Ao
mesmo tempo, existe o outro fenômeno citado anteriormente: a busca
histérica por mimetizar a juventude perdida. Não me refiro aqui a meros
hábitos de vestimenta. Com a idade, a disposição para atividades
"jovens" diminui. A maturidade carrega consigo um certo ceticismo para
com muitas das coisas que os jovens veem como de grande valor. A idade
busca um certo silêncio, em detrimento da vocação jovem ao ruído.
A
maturidade tende a relativizar o encanto do sexo em favor de
experiências estéticas mais contemplativas. O gosto pelo hábito em lugar
da busca incessante pela novidade. A recusa por ambientes saturados de pessoas em favor de ocasiões mais seletivas no que tange à ocupação dos espaços à sua volta.
Nada
do citado aqui como escolhas da maturidade representa em si a morte ou a
desistência da vida. Apenas um modo mais atento ao uso do tempo que
resta e uma temporalidade de um corpo e uma alma que podem apresentar um
cansaço saudável pelas ilusões do mundo. Nada mais estoico.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário