Aliás, se os crimes de Putin tivessem sido cobrados e punidos na guerra da Síria, talvez a Ucrânia sequer tivesse sido invadida. A tolerância para com criminosos de guerra alimenta novos crimes de guerra. Leonardo Coutinho para a Gazeta do Povo:
A
lista de barbaridades decorrentes da invasão russa na Ucrânia parece
estar longe do fim. A descoberta de um cemitério improvisado com
centenas de civis ucranianos com sinais de execução é a mais recente e
sombria das revelações da brutalidade da invasão, que Moscou chama de
“operação especial” ou “desnazificação”, como muita gente, sem menor
pudor, ainda insiste em repetir.
Nenhuma
guerra é linda. Mas algumas podem ser mais horripilantes e sujas que
outras. E o que Vladimir Putin iniciou na Ucrânia já se revelou ilegal e
desumano ao ponto de colocar a invasão na fila de espera daquelas que
serão consideradas repletas de crimes contra a humanidade.
A
reação ucraniana, que tem permitido recuperar porções significativas de
seu território, permitirá ao mundo se deparar com o horror produzido
pelas tropas de Putin. Mais do que escombros de casas, escolas e
hospitais. Não faltará quem diga quem é propaganda de guerra. Afinal, as
batalhas não são travadas apenas com tiros e bombardeios.
As
sepulturas descobertas em uma floresta de pinheiros nos arredores da
cidade ucraniana de Izyum revelaram que entre as vítimas havia mulheres e
crianças. Ao lado das covas individuais, havia uma vala comum dedicada
aos militares ucranianos, que tiveram tratamento ainda mais indigno.
Até as guerras têm regras. Mas
para a Rússia de Putin, as regras são um detalhe. A Rússia de Putin as
viola na Ucrânia. A Rússia de Putin as violou na Síria. A Rússia de
Putin as violou na Chechênia. Mas Putin nunca foi cobrado por isso.
Alguns
dos eventos mais brutais da guerra civil travada na Síria tiveram a
participação direta da Rússia. Para ajudar o seu aliado, o ditador
Bashar al-Assad, Vladimir Putin empenhou as forças armadas russas para a
realização de bombardeios que, além de arrasar cidades inteiras,
deixaram um saldo de pelo menos 200 mortes de civis em apenas três cidades das várias que foram atacadas pelas tropas de Putin.
A guerra civil na Síria, que segue ativa e completou onze anos, tem o saldo de mais de 306 mil mortes de civis – cerca de 10% são crianças.
Há diversos relatórios independentes que descrevem as atrocidades de
Assad sob a proteção e com o patrocínio de Putin. Mas talvez nada seja
mais sufocantemente didático que o documentário The Cave, que conta a história de médicos em um hospital subterrâneo em meio aos escombros dos bombardeios russos na Síria.
O
documentário termina com a evacuação do hospital, que depois viria a
ser alvo de uma campanha de desinformação russa. Como ficou mal para
Putin a destruição do hospital, ele empacotou uma versão de que se
tratava de um covil do grupo terrorista Estado Islâmico. Uma espécie de
enfermaria de terroristas, para justificar a sua destruição. Putin e seu
regime são, por sinal, uma máquina de construção de versões e mentiras
com o objetivo de desinformar e gerar confusão. O documentário, que
chegou a ser finalista do Oscar, quebrou as pernas de mentira do
Kremlin, mas nem por isso alguém cobrou a conta de Putin.
Aliás,
se os crimes de Putin tivessem sido cobrados e punidos na guerra da
Síria, talvez a Ucrânia sequer tivesse sido invadida. A tolerância para
com criminosos de guerra alimenta novos crimes de guerra.
Putin
se sente tão à vontade em relação aos seus crimes que escalou o general
Alexander Zhuravlyov, o mesmo líder militar que autografa alguns dos
capítulos brutais da guerra na Síria, para repetir a receita de horror
no teatro ucraniano.
Se Putin tivesse pagado pelo que fez contra os chechenos, talvez a própria história da guerra civil na Síria seria a mesma.
O
último carniceiro europeu a ser preso, julgado e condenado foi o
ex-presidente da Sérvia Slobodan Milošević, que promoveu o que o
Tribunal Penal Internacional entendeu se tratar de genocídio, crimes de
guerra e contra a humanidade. Sob suas ordens, as tropas e milícias
sérvias promoveram um ataque direcionado à população de origem albanesa
que vivia no Kosovo. A política de extermínio de Milošević provocou a
morte de aproximadamente 13 mil pessoas, sendo 11 mil albaneses.
Milošević
só pôde ser acusado, preso e condenado depois de apeado do poder. Putin
segue firme em seu regime, apesar dos rumores de golpe, tentativas de
assassinato e o flagrante descontentamento da elite local que sofre, no
bolso, o custo da guerra armada por Putin.
Só
o futuro permitirá saber o destino do líder russo. Mas é impossível
pensar que a história não lhe tratará com destaque dentro do capítulo
que reúne líderes que carregam em seu legado a infâmia dos crimes de
guerra e genocídio.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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