Meio século depois, país finalmente chegou a um acordo final com as famílias das vítimas do massacre que ocorreu em 1972. João Pereira Coutinho via FSP:
Contando ninguém acredita: soube que a Alemanha chegou a um acordo final com as famílias das vítimas do massacre de Munique,
em 1972. Isso significa que foi preciso esperar meio século para que a
Alemanha fechasse a conta pela tragédia daquele 5 de setembro.
Antes tarde que nunca, diz o ditado, mas há casos em que tanta demora fede. O valor da indenização é de € 28 milhões.
Entendidos
no assunto afirmaram ao Wall Street Journal que a proposta inicial era
de € 5,4 milhões —em linha com o valor habitual que Berlim paga às
vítimas de terrorismo no país. Suspiros. Será preciso fazer um desenho
para explicar que 11 israelenses assassinados na Alemanha representam um
caso histórico particular (e sem preço)? E que os € 5 milhões que foram
pagos imediatamente depois dos atentados eram manifestamente
insuficientes?
Para se entender a dimensão do desastre, aconselho um documentário: "One Day in September", de Kevin Macdonald. Revê-lo, hoje, à luz da indenização, é altamente perturbador.
Ponto prévio: a Alemanha recebeu duas vezes os Jogos Olímpicos no século 20. O primeiro encontro dispensa apresentações: foi em 1936, em pleno Terceiro Reich, e o objetivo de Hitler era consagrar o regime aos olhos do mundo.
O
Comitê Olímpico Internacional, que nunca se distinguiu por um
particular amor à democracia e à liberdade, acreditou na farsa. Três
anos depois, a Europa estava em guerra.
Em
1972, tinham passado 27 anos sobre essa guerra. Mas as memórias da
barbárie, e em especial da barbárie antissemita, estavam frescas na
cabeça de todos. Os Jogos de Munique eram uma oportunidade para mostrar a
nova Alemanha democrática saída das cinzas.
Para
conseguir tal feito, o país mobilizou para o evento 2.000 policiais
desarmados. Repito: desarmados. O clima era de festa —e quando os
terroristas palestinos se aproximaram da Vila Olímpica, até tiveram um
encontro inesperado com atletas americanos que regressavam
clandestinamente aos quartos, depois de uma noite de farra. Os
palestinos ajudaram os americanos a saltar a cerca e eles devolveram a
gentileza.
O
documentário vai contando a história pela boca do único terrorista
ainda vivo à data do filme, em 1999, Jamal Al-Gashey, que assegura que
as intenções eram pacíficas: o grupo Setembro Negro apenas tencionava
libertar mais de 200 dos seus camaradas de armas, então nas prisões de Israel.
O
que se segue não é pacífico: dois atletas são mortos quando tentam
resistir aos criminosos. Nove israelenses ficam sequestrados nos seus
quartos. É então que tem início o mais penoso espetáculo de
incompetência e perversidade.
Para
começar, o Comitê Olímpico Internacional recusou-se a cancelar os
jogos. O presidente da organização à época era Avery Brundage —por
sinal, alguém que estivera nos Jogos de Berlim em 1936, como presidente
do comitê olímpico americano.
Sobre
Brundage, lembro-me de ler algures que, em 1936, o cavalheiro
"compreendeu" o antissemitismo de Hitler. "No meu clube em Chicago
também não deixamos entrar judeus", terá dito Brundage.
Depois,
a polícia alemã foi incapaz de montar uma operação de resgate com pés e
cabeça. Pior: quando tentou, os terroristas acompanhavam todas as
movimentações dos policiais pela TV. Havia câmeras que filmavam ao vivo a
operação "secreta".
E,
quando um helicóptero finalmente levou os terroristas e os reféns para
um aeroporto da cidade —um avião iria transportá-los para uma capital
árabe—, os policiais escondidos no local voltaram a naufragar
no mais grotesco amadorismo. Há policiais que desertam —os que estavam
dentro do avião, disfarçados de tripulação. Outros disparam sobre os
colegas.
No
meio do caos, os terroristas executam os reféns e explodem com os
helicópteros. Morrem todos os israelenses e quase todos os terroristas.
Digo
"quase" porque os três criminosos presos nessa noite acabariam por ser
libertados meses depois, quando um avião da Lufthansa foi sequestrado.
Muito provavelmente, o sequestro do avião e a posterior libertação dos
terroristas foi uma ação combinada entre o governo de Willy Brandt e a
organização Setembro Negro. Em troca de paz, o Estado alemão pactuava
com a chantagem do terror.
Falar dos Jogos Olímpicos de Munique não é apenas lembrar mais um atentado na história do terrorismo. É recordar como, 27 anos depois de Auschwitz, a Alemanha foi incapaz de evitar o derramento de sangue judeu no seu território.
Saber que só agora foi fechado o capítulo das indenizações, meio século depois, não deixa de ser um alívio —e um vexame.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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