Por Raquel Gallinati*
Aprovada recentemente, a Lei "Não é Não" (Lei 14.786/23) representa um avanço significativo na luta contra o constrangimento e a violência direcionados às mulheres em ambientes noturnos, criando medidas abrangentes para garantir espaços mais seguros e respeitosos, especialmente em casas noturnas, boates e shows.
Inspirada por campanhas inovadoras como "Ask for Angela", originada na Inglaterra em 2016, a Lei adota um protocolo preventivo fundamental. Essa campanha, precursora, utilizou uma palavra de código para auxiliar pessoas em situações desconfortáveis, inspirando iniciativas semelhantes em diversos países, como o uso da palavra-chave "Angel Shot" nos Estados Unidos. O protocolo "No Callem", implantado em 2018 pelo governo de Barcelona, também serviu de inspiração, trazendo inovação na abordagem contra assédios e agressões sexuais em espaços públicos de lazer, cuja eficácia foi evidenciada no caso do jogador Daniel Alves, destacando a importância de protocolos bem definidos e treinamento profissional.
A Lei "Não é Não" estabelece o protocolo "Não é Não" como uma medida preventiva crucial, buscando proteger mulheres contra constrangimentos e violência em ambientes noturnos. A criação do selo "Não é Não - Mulheres Seguras" reforça o compromisso em promover ambientes mais seguros e enfrentar ativamente situações de risco.
Restrita a locais noturnos, a aplicação do protocolo reconhece a necessidade de medidas específicas nesses espaços, onde o consumo de álcool pode contribuir para situações de risco, sem interferir em eventos religiosos.
A Lei define constrangimento como qualquer insistência após a manifestação contrária da mulher e violência como o uso da força resultando em lesão, morte ou dano. Essas definições claras são essenciais para a compreensão e aplicação efetiva da legislação. Princípios como respeito ao relato da vítima, preservação de sua dignidade e integridade, celeridade e cooperação público-privada são estabelecidos pela Lei, garantindo uma abordagem holística na aplicação do protocolo.
A legislação assegura diversos direitos às mulheres, desde serem prontamente protegidas até decidirem sobre medidas de apoio, destacando a importância de uma resposta rápida e eficaz.
Estabelecimentos devem assegurar pessoal qualificado, manter informações visíveis sobre o protocolo e colaborar com as autoridades. A preservação de direitos da denunciante e a garantia de segurança através de câmeras de segurança são passos fundamentais.
Com a flexibilidade para adotar medidas adicionais, como retirar o agressor do local e criar códigos específicos, os estabelecimentos mostram a adaptação da legislação à dinâmica variada dos ambientes noturnos. O poder público desempenha um papel ativo na promoção da Lei, via campanhas educativas e formações periódicas, conscientizando empreendedores e trabalhadores sobre a importância do protocolo "Não é Não".
A instituição do selo "Não é Não - Local Seguro para Mulheres" representa uma estratégia eficaz para reconhecimento e divulgação, proporcionando uma referência valiosa para quem busca ambientes seguros. A Lei estabelece penalidades para o descumprimento do protocolo, com advertências e outras sanções previstas em lei. A aplicação justa dessas penalidades é crucial para garantir a eficácia da legislação.
"Não é Não" representa uma resposta significativa aos desafios enfrentados pelas mulheres em ambientes noturnos. Ao criar um protocolo abrangente, estabelecer direitos claros e envolver tanto os estabelecimentos quanto o poder público, essa legislação promove a segurança, a igualdade e o respeito, contribuindo para uma sociedade mais justa e inclusiva. A implementação efetiva dessas medidas nos próximos 180 dias será fundamental para o sucesso desta iniciativa inovadora.
*Raquel Gallinati é Delegada de Polícia; Diretora da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil; Mestre em Filosofia; e Pós-graduada em Ciências Penais, Processo Penal e Direito de Polícia Judiciária
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