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A união dos BRICS, agora BRICS+5, é em si e por si sinal de um mundo onde mais depressa se sabe o que não se quer do que o que se quer. Jaime Nogueira Pinto para o Observador:
Os
BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul (South Africa), até
agora denominados pelas iniciais – vão, em Janeiro de 2024, ser
reforçados por cinco novos membros: a Arábia Saudita, o Egipto, os
Emiratos Árabes Unidos, a Etiópia e o Irão. A Argentina, cuja entrada
também estava prevista, parece ter recuado, com a eleição de Javier
Milei. São dez países importantes, cobrindo o chamado “Sul Global”, que
vêm reforçar a multipolaridade do sistema internacional neste interregno
que sucedeu à ordem liberal.
Uma coligação negativa?
Os
BRICS passarão agora a ter, além da mais importante nação da América do
Sul (o Brasil) e das duas maiores demografias mundiais (a China e a
Índia), os maiores exportadores de petróleo (a Arábia Saudita, a Rússia e
o Irão), o detentor do maior número de ogivas nucleares (a Rússia), o
primeiro Estado da África do Norte (o Egipto) e dois países
determinantes da África Subsariana (a África do Sul e a Etiópia).
É
difícil encontrar entre todos estes países grandes denominadores comuns
pela afirmativa: uns são democracias ocidentais, como o Brasil; outros,
como a Arábia Saudita e o Irão, são autocracias medio-orientais; a
China é um Estado de partido único; a Índia é liderada por um
nacional-populista e o Egipto tem um presidencialismo para-autoritário. O
Brasil tem um presidente populista de esquerda; a Arábia Saudita lidera
o sunismo e o Irão o xiismo; a China e a Índia são Estados rivais e
inimigos tradicionais, mas nos BRICS parecem muito amigos e têm
políticas semelhantes em relação ao outro membro fundador da
organização: a Rússia. Os sauditas e os iranianos, inimigos de longa
data, parecem também, ali, no melhor dos mundos.
Dito
isto, e olhando as diligências dos países-membros da organização quanto
à ordem económico-financeira internacional (e também à ordem política),
a única coisa que parece unir antigos e novos BRICS é uma recusa da
ordem liberal euroamericana. Uma ordem que, no pós-Guerra Fria, quis
exportar globalmente, não só os seus valores éticos, mas a sua tradição
democrática atlântica e os seus modelos de regime.
Era
natural e compreensível que o “Sul Global” – ou o que se lhe quiser
chamar – reagisse. E reagisse mal. A República Popular da China, como
segundo poder mundial, não iria querer que Washington e Bruxelas lhe
impusessem a democracia pluralista; a Índia de Modi, com os seus mais de
1420 milhões de habitantes de muitas e variadas raças, cores, religiões
e tradições, só muito dificilmente se imaginaria como uma democracia
liberal ao estilo americano; e poderiam Estados onde o Islão tradicional
é a chave da legitimidade da dinastia, como a Arábia Saudita, seguir os
chamados “valores ocidentais”?
Ou
seja, a aspiração de exportação da democracia euroamericana, que surgia
vencedora da Guerra Fria há trinta anos, foi uma ilusão e uma ilusão
perigosa que, além de ter custado a vida a muitos milhares de soldados
norte-americanos e a centenas de milhares de cidadãos dos países-alvo
nas guerras perdidas do Iraque e do Afeganistão, esqueceu a grande regra
das vitórias de 1945 e 1991: nunca fazer coligações ideológicas em
confrontos globais.
Uma ordem global alternativa?
O
tempo tem vindo a reforçar a velha ideia de que o interesse e a
independência nacionais são os verdadeiros guias das políticas dos
Estados; ou de que o interesse real, geopolítico, se impõe às
ideologias; e a independência nacional, o trunfo decisivo dos Estados
poderosos, terá de ser também o trunfo dos menos poderosos que queiram
sobreviver no concerto mundial.
A
breve história e a estrutura realista dos BRICS, agora aumentada, é um
exemplo a observar com atenção para quem queira entender a realidade
evolutiva do mundo e da ordem ou desordem internacionais sem os
preconceitos ideológicos ou os maniqueísmos que sempre perturbam e
prejudicam a visão correcta dos homens, das nações e da História.
A
união dos BRICS, agora BRICS+5, é em si e por si um exemplo de um mundo
em convulsão, onde mais depressa se sabe o que não se quer do que o que
se quer.
Estarão
os BRICS+5 preparados para, além de escaparem à ordem internacional
liberal e até de a abalarem, constituir uma ordem global alternativa? O
certo é que parte das pretensões levantadas por alguns representantes de
países membros – como a criação de uma moeda de reserva alternativa ao
dólar norte-americano – parecem, por enquanto, não passar de aspirações
longínquas.
Na
reunião deste ano, em Joanesburgo, entre 22 e 24 de Agosto, o tom do
ministro indiano dos Negócios Estrangeiros era mais de queixa contra os
“poucos privilegiados” que, na ordem económica internacional, “decidiam
pela maioria”, do que o de quem quer apresentar uma agenda alternativa à
do Ocidente. E tem sido essa a atitude de três dos cinco fundadores dos
BRICS nos grandes conflitos: a Rússia e a China aproximaram-se na
hostilidade aos Estados Unidos e aos europeus, activamente solidários
com Kiev; mas a Índia, o Brasil e a África do Sul ficaram aquartelados
numa neutralidade colaborante com todas as partes.
Na
sua afirmação – e nas suas contradições, que não os impedem de estar
unidos – os BRICS aparecem como um símbolo dos tempos que nos esperam no
ano que aí vem; ano de alguns perigos, mas sobretudo de incerteza e
ambiguidade entre os principais competidores do Grande Jogo do Mundo.
Postado há Yesterday por Orlando Tambosi
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