O caso, obviamente, envolve uma disputa política na qual se defrontam Imran Khan e um governo atrás do qual está a cúpula militar. Vilma Gryzinski:
Um
relógio Graff de platina cravejado de diamantes, outros quatro da marca
Rolex, anel, abotoaduras, caneta… O conjunto já é conhecido dos
brasileiros — e envolve muito mais do que presentes de estado que
deveriam fazer parte do acervo nacional.
No
caso do Paquistão, onde o ex-primeiro-ministro Imran Khan foi levado
para cumprir pena de três anos de cadeia por vender um presente valioso,
envolve uma disputa política tremenda num país onde militares poderosos
e muitas vezes golpistas, fundamentalistas islâmicos, uma disputa
eterna com a Índia e forte tradição de violência política, tudo isso
temperado por armas nucleares, criam um caldeirão em permanente
ebulição.
“Um
ladrão foi preso hoje”, disse a porta-voz do governo, Marriyum
Aurangzeb. “Qualquer negociação com o ladrão será difícil agora, já que
ele está na cadeia”.
Isso
dá uma ideia da disputa entre o político mais popular do país, com uma
movimentada e intrigante história, e um governo que parece ser apenas a
fachada por trás da qual operam generais da alta cúpula.
Detalhe:
Khan, um ex-jogador de críquete que era ídolo esportivo adorado na
Inglaterra, só governou, de 2018 até o ano passado, porque os militares
deixaram. Caiu ao perder um voto de confiança. Nem um único
primeiro-ministro terminou serenamente o governo na curta e violenta
história do Paquistão, país nascido no banho de sangue propiciado pela
independência e a subsequente partilha da Índia entre hinduístas e
muçulmanos, em 1948.
Todas
as analogias com o Brasil devem levar em conta as condições
completamente diferentes, embora sejam enormes as coincidências. O
relógio de platina da joalheria Graff foi presenteado por Mohammed Bin
Salman, o príncipe que na prática governa a Arábia Saudita. “Eles
queriam vender por quatro a cinco milhões de dólares, mas eu comprei por
dois milhões”, disse Umar Farooq Zahoor, empresário baseado em Dubai,
sobre o raríssimo relógio da Graff.
A
joalheria inglesa produz o relógio mais caro do mundo, um modelo
feminino no formato de pulseira onde se articulam enormes diamantes de
oito cores diferentes, chamado, apropriadamente, de Hallucination.
Preço: 55 milhões de dólares.
Agradar
visitantes com presentes valiosos é uma prática comum dos ricos países
do Golfo Pérsico. Os sauditas são especialmente conhecidos pela
generosidade, um modo de honrar a tradição árabe de hospitalidade e,
claro, de fazer amigos em lugares importantes.
Ao
todo, em seu curto mandato Khan e a mulher receberam cerca de 110
presentes e ficaram com a maioria. O episódio é chamado de caso
Tokhashana, nome do departamento do Ministério do Tesouro ao qual devem
ser entregues presentes dados a chefes de estado ou de governo.
Segundo
a acusação, Imran Khan depositou os presentes no acervo nacional — e
depois os comprou de volta, por um valor menor do que o real, para
revenda. O problema é que não declarou essas transações. A venda do
relógio modelo especial foi intermediada por um assessor da terceira
mulher de Khan, Bushra Bibi.
A
primeira, mãe de seus dois filhos mais velhos, foi a linda Jemima
Goldsmith, socialite inglesa que, na época, formou com Imran Khan um dos
casais mais bonitos e badalados dos altos círculos britânicos. O pai de
Jemima era o banqueiro de origem judaica Jimmy Goldsmith, o que não
facilitou muito a vida dela quando se converteu à religião muçulmana e
foi morar no Paquistão.
Em
lugar de se tornar um político de ideias modernas, tão necessárias para
transformar o Paquistão num país bem sucedido — ainda mais agora que
seu inimigo mortal, a Índia, está vivendo uma extraordinária evolução
econômica —, Imran Khan foi se tornando religioso e até se aproximou do
fundamentalismo, uma corrente fortíssima no Paquistão, redundando em
simpatias pela Al Qaeda e horríveis perseguições à minoria xiita e aos
poucos cristãos do país.
Os
partidários de Khan têm um histórico de manifestações violentas e o
julgamento do ex-primeiro-ministro foi um show de abusos, de todas as
partes. No ano passado, ele disse ter sofrido um atentado do qual com um
tiro na perna. “O establishment tem pavor que eu ganhe a eleição e,
portanto, vai tentar me eliminar”, disse na época.
A
popularidade do ex-primeiro-ministro aumentou depois que o caso das
joias foi, por motivos óbvios, transformado num julgamento político.
Todos
os ex-primeiros-ministros paquistaneses passaram, em algum momento,
temporadas na cadeira. Zulfikar Ali Bhutto foi enforcado em 1979, e sua
filha, Benazir Bhutto, assassinada por um homem-bomba em 2007.
Imran
Khan não tem nenhum plano de passar três anos preso em silêncio. Antes
de ser levado para cumprir a pena, deixou um apelo gravado: “Meus
compatriotas, eles vão me prender e estarei detido quando ouvirem essa
mensagem. Tenho só um pedido a fazer: não fiquem quietos em casa.
Estamos travando uma guerra pela justiça, por seus direitos, por sua
liberdade. As correntes não caem sozinhas, precisam ser quebradas”.
A
situação tem contornos paquistaneses: milhares de partidários de Khan
foram presos, incluindo políticos do partido dele, o Movimento
Paquistanês pela Justiça. Alguns renunciaram aos mandatos.
Imran Khan na cadeia não vai acalmar em nada a situação ou sua prisão acabará absorvida?
A resposta interessa a muita gente.
Postado há 3 weeks ago por Orlando Tambosi
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