BLOG ORLANDO TAMBOSI
As
cotas raciais caíram na sua terra natal, os EUA, graças a uma decisão
da Suprema Corte. Como o Brasil é uma espécie de quintal dos EUA, em
tese seria de esperar que caísse aqui também, e pelos mesmos moldes:
decisão do STF. Nos EUA as grandes decisões morais são tomadas pela
Suprema Corte afastada do povo; no Brasil, idem, só que por um STF que é
conhecido demais por boa parte do povo.
Longe
de mim saber o que está acontecendo nos bastidores dos EUA, mas num
curto espaço de tempo caíram dois pilares do progressismo: a
impossibilidade de proibir o aborto e a possibilidade de usar a raça
como critério de admissão. Foram juízes indicados por Trump. Por que
essas decisões saíram agora e não antes? Não sei. Haverá uma crise
interna na tecnocracia dos EUA, ou tais decisões estavam previstas? Não
sei.
De
todo modo, é preciso observar que as cotas raciais do Brasil e dos EUA
são bem diferentes e atendem a propósitos distintos. Nos EUA, as
recém-extintas cotas serviam ao propósito de colocar o negro em posição
inferior. No Brasil, as cotas serviram ao propósito de destruir a
universidade pública.
Comecemos
pelos EUA. O país tem um vestibular nacional único chamado SAT, do qual
o nosso ENEM é imitação. Tal como aqui, instituições diferentes têm
notas de corte diferentes – e as notas de corte das quotas são
diferentes das notas de corte normais. O SAT é uma prova criada para refletir o QI.
Digamos que um branco e um negro tenham o QI 100: o negro de QI 100,
graças às quotas, ia para uma sala onde os brancos tinham um QI superior
ao seu, enquanto que o branco de QI 100 ficará entre pares –
sentindo-se superior, porém, ao cotista de QI inferior que, graças à
política de quotas, era negro. Na expressão de Sowell, o negro fica
sempre mismatched (descasado) em relação à turma. É mais fácil dizer que
as quotas desenharam um sistema que garantia ao negro o posto de burro
da sala. A única possibilidade de escapar disso seria ter uma nota
altíssima, que colocasse qualquer um (independente da cor) no curso com a
nota de corte mais alta de todas. Mas aí seria, naturalmente, exceção,
já que nem todos podem estar no topo do pódio. A menos que esteja no
topo do pódio, o negro sempre estaria na posição de inferioridade
intelectual entre os colegas.
A
polêmica obra The Bell Curve alegava que o QI decide o sucesso
profissional e financeiro de um indivíduo nos Estados Unidos. Essa é uma
afirmação bastante parcimoniosa, já que lá o diploma importava muito, e
o acesso ao diploma era mediado pelo QI. Um efeito colateral
previsível, inclusive, é o sucesso dos orientais, que costumam se sair
melhor em testes de QI e açambarcam as vagas nas melhores universidades –
que passaram então a fazer provas de personalidade para excluir os
orientais, aflitos com a “sobre-representação” (o excesso) de orientais
mais ou menos como os alemães se afligiam com a “sobre-representação” de
judeus nas universidades. Se a obra The Bell Curve estiver correta, a
política de cotas serviu precisamente para que o QI de um indivíduo
negro fosse obstado pela sua raça.
Se
as cotas raciais dos EUA eram anti-negro, podemos dizer que as cotas no
Brasil – raciais ou não – são anti-universitárias. A implementação das
quotas aqui se deu no quadro mais amplo do Reuni, o Plano de
Reestruturação do então ministro da Educação Fernando Haddad. Uma das
primeiras medidas foi substituir a pluralidade de vestibulares locais
por um exame único nacional: o ENEM, que deixou de ser uma avaliação do
Ensino Médio e passou a ser o SAT brasileiro.
Diferentemente
dos EUA, o Brasil até hoje não tem uma classificação racial clara e
burocrática da sua população. Antes das cotas e depois das cotas os
negros entraram na universidade sem usar cotas. À época da implementação
das cotas, tentou-se criar um sistema de identificação racial de todas
as crianças ainda no ensino básico (Demétrio Magnoli registrou isso na
coletânea Divisões Perigosas).
No sistema vigente, quem pleiteia uma vaga de quotas raciais precisa
passar por um tribunal racial, que irá aprová-lo ou não. Ser considerado
negro por uma banca não é garantia de nada; cada tribunal tem autonomia
para dar um veredito diferente, de modo que a cada vestibular se pode
ganhar, do Estado, uma classificação racial diferente. Há nesta Gazeta
uma matéria preciosa detalhando o funcionamento de tal instituição-jabuticaba.
Quem
viveu a mudança do vestibular para o ENEM há de se lembrar que uma das
promessas do novo método de acesso era acabar com o decoreba para criar
uma prova que qualquer pessoa inteligente e bem alfabetizada pudesse
responder só com base no texto. Eu tenho memória privilegiada nesse
quesito porque peguei os anos finais do vestibular como método de acesso
à UFBA e era filha de professora de colégios particulares prestigiosos.
Então eu me lembro bem disso. E uma prova que não precisa de decoreba
porque pessoas inteligentes resolvem é isto: seleção segundo o QI. No
caso brasileiro, seleção negativa de QI.
As
federais hoje reservam incríveis 50% das vagas para as cotas. Seja você
um branco rico que estudou em escola de elite, ou um preto pobre que
estudou numa escola pública ruim, se você tirar uma nota boa no ENEM,
você não entra por cotas e preenche as vagas de acesso livre, ou seja, a
outra metade das vagas. Só se você não conseguir uma nota boa, é que
vai usar suas cartas junto à burocracia – cartas essas que incluem a
raça, mas não se limitam a ela; e que são variáveis de universidade para
universidade. Por exemplo, além das quotas estritamente raciais (que
são julgadas por tribunais), pode haver quotas para quilombolas, índios
de aldeia, deficientes… Criam-se assim sinecuras para atestar, driblando
o tribunal racial da universidade, que tal aluno é um quilombola ou índio aldeado, comprando certificados de lideranças.
Seja
como for, o Reuni acabou com o vestibular rigoroso que cobrava
conhecimentos da história local e substituiu-o por uma prova
centralizada que exige QI e conhecimento do politicamente correto… para
destinar metade das vagas aos burros. Um curso é feito de professores e
alunos. O Reuni se certificou de que a universidade pública deixasse de
ser a universidade de elite. Foi sabotagem. Quem ganha com isso?
Logicamente, as corporações transnacionais de uniesquinas, que têm
dinheiro para comprar políticos. Mas os vilões mais em evidência são os
demagogos de esquerda, os docentes apedeutas e os discentes
oligofrênicos. São vilões reais, ainda assim, é preciso dar a eles a sua
real dimensão.
A
direita liberal aponta o funcionalismo como o grande ganhador. Esta é
uma meia verdade. A parte do funcionalismo que já tinha emprego antes do
Reuni não ganhou nada; é mais fácil ter perdido por causa do
congelamento de salários. No entanto, como o Reuni inchou o
funcionalismo, podemos dizer que a maior parte desse funcionalismo que
está aí hoje de fato ganhou com a destruição da universidade, pois deve o
emprego à abertura exagerada de concursos. Um dos meus primeiros textos
para esta Gazeta foi justamente para explicar que concurso docente é
tudo menos impessoal. Aí entrou um monte de lacrador uspiano nas
federais do Brasil todo.
Mas
o fato mais importante é que os docentes, enquanto classe, se
enfraqueceram com o Reuni. O professor universitário não pode mais ter
ares de aristocrata independente; a classe agora é mais numerosa, menos
remunerada, menos inteligente e, sobretudo, menos autônoma, porque o
ambiente institucional foi tomado pela esquerda lacradora. Os bons
professores se autocensuram porque temem a administração e o linchamento
dos alunos burros.
O professor que ganhou com o Reuni é um insignificante. Outro insignificante que ganhou foi o rentista pobre,
um tipo social novo, criado pelo liberalismo (“imposto negativo”), que
não quer saber de trabalhar e vive catando auxílio aqui e ali. É tanta
bolsa que os alunos de federal recebem que é constrangedor perceber que
as reitorias agora só falam de dinheiro. Ninguém mais quer estudar.
O
Reuni começou a ser implementado em 2008; lá se vão quinze anos. De lá
para cá, as universidades públicas deixaram de ser cobiçadas pelas
famílias de classe média e média alta. Agora, quem pode, paga para os
filhos irem estudar em universidades particulares caras de São Paulo. E o
pobre dedicado, que já perdeu a escola pública boa na década de 70,
perdeu a universidade pública boa nos anos 2010. Não tem mais como
ascender por meio da educação pública em seu estado de nascimento.
O que resta à maioria da população é a dívida estudantil,
um problema crônico dos EUA que Haddad vigorosamente importou para cá
ao mesmo tempo em que destruía a universidade pública. Há quem creia que
isso é coincidência. Eu, não. A marcha globalista sobre as universidades
é real; essa marcha é ligada ao mercado financeiro (Soros não é
exatamente um funcionário público); e ao cabo o que ela conseguiu, em 15
anos, foi fazer uma mídia amestrada comemorar a redução da carga horária do curso universitário mais antigo do Brasil.
De
um lado, a esquerda americanizada diz que é racismo esperar que gato,
cachorro, papagaio e periquito não entrem nas universidades públicas e
combate a ideia de que deva existir uma elite intelectual no país. De
outro, vulgata liberal da direita repete que os problemas do Brasil se
resumem ao Estado, sem atentar à destruição da vida universitária
brasileira concomitante ao ingresso do capital transacional no ensino
superior. Meus senhores, sem investimento do Estado em pesquisa, não
haveria agronegócio no Brasil! Vocês estão trocando Paolinelli por
Lemann e acham bonito. É preciso superar essa terra arrasada e reerguer a
ciência nacional.
Postado há 3 weeks ago por Orlando Tambosi
Nenhum comentário:
Postar um comentário