Daniel Haidar
Estadão
O governo Luiz Inácio Lula da Silva lançou nesta sexta-feira, 21, um pacote de projetos de leis, a serem votados no Congresso, que endurecem as penas para quem ‘atentar’ contra o Estado Democrático de Direito e que facilitam a asfixia financeira de financiadores de movimentos antidemocráticos. As propostas foram articuladas pelo ministro da Justiça, Flávio Dino, e batizadas de “Pacote da Democracia”.
Um dos projetos quer aumentar a pena para até 40 anos de prisão para quem atentar contra a vida do presidente da República, do vice-presidente, dos chefes do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do procurador-geral da República (PGR).
CRIMES MAIS GRAVES – Se aprovado no Congresso esse aumento de pena, ameaças às vidas das cúpulas federais do Judiciário, do Legislativo e do Executivo serão os crimes mais graves de toda a legislação brasileira, de acordo com juristas. Até então, os crimes com punição mais rigorosa previam no máximo 30 anos de prisão: feminicídio, homicídio qualificado, latrocínio (roubo seguido de morte) e extorsão mediante sequestro que resulte em mortes.
Até a sanção no fim de 2019 do controverso “pacote anticrime” pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), proposto pelo então ministro da Justiça e atual senador Sérgio Moro (Podemos-PR), a legislação brasileira permitia que criminosos ficassem no máximo 30 anos na cadeia, mesmo se condenados a penas maiores em múltiplos processos. O pacote aumentou esse tempo máximo de prisão para 40 anos.
A proposta de Lula quer agora atualizar os trechos no Código Penal que tratam dos crimes contra o Estado Democrático de Direito, para criar “causas de aumento” ao crime de “tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”.
PUNIÇÃO RIGOROSA – A pena prevista atualmente para esse crime é de 4 a 8 anos de prisão, além das penas previstas nos tipos de violência envolvidos (lesão corporal, tentativa de homicídio, etc).
Pela proposta de Lula e Dino, pode ser ampliada a punição, para uma pena de 20 a 40 anos de prisão, quando esse “emprego de violência ou grave ameaça” for cometido contra presidente da República, vice-presidente, chefe do Senado ou da Câmara dos Deputados, procurador-geral da República ou ministros do STF, para “alterar a ordem constitucional democrática”.
A proposta também eleva a pena, para 6 a 12 anos de prisão, para quem atentar contra a integridade física e a liberdade dessas autoridades. A medida é lançada uma semana depois do ministro Alexandre de Moraes, do STF, alegar ter sido hostilizado no Aeroporto de Roma, na Itália, em episódio no qual seu filho de 27 anos teria sido agredido fisicamente.
POPULISMO PENAL – Em entrevista ao Estadão, alguns juristas viram “valor simbólico” nas propostas de Lula para endurecer as penas de crimes contra a democracia, mas avaliaram que as medidas podem ser consideradas “populismo penal”, como é chamada a tendência de apresentar soluções fáceis com aumento de punições para problemas complexos.
Em resposta ao Estadão durante entrevista coletiva, Dino criticou essas opiniões e defendeu a importância da legislação em desestimular e prevenir crimes.
“O que mudou no dia 9 de janeiro? A força estatal. É falsa a ideia de que força estatal não é preventiva. É claro que ela é preventiva. Tanto é preventiva que nunca mais sitiaram quartel no Brasil. E mais: a força estatal é também reparatória para as vítimas, o que é um dever do Estado. Não é populismo penal nem é ilusão. É proporcionalidade à vista da gravidade material dessas condutas”, afirmou Dino sobre os projetos que endurecem as penas contra golpistas.
MAIS CRÍTICAS – O criminalista Davi Tangerino, professor de direito penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e ex-assessor de ministro do STF, avalia que as mudanças propostas por Lula têm apenas valor “simbólico”.
“Esse tipo de legislação é puramente simbólica. Ou seja, serve apenas para dar uma resposta placebo. Dá a falsa sensação de que a vida dos ministros está mais protegida. Alguém estaria disposto a encarar 30 anos, mas desistiria diante de 40? Não parece fazer sentido”, afirmou Tangerino ao Estadão.
O criminalista Edward Carvalho, mestre em direito penal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), também vê restrições nesse tipo de endurecimento penal. “Novamente o populismo penal, comprovadamente ineficiente, dá as caras. Aumentos de penas são constantes, tanto quanto constantes são suas ineficiências práticas para resolver problemas”, afirmou ao Estadão.
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