“Apostamos
naquilo que Renato Vallone, um dos entrevistados, chama de montagem
descolonizada. Falamos de montagem no Brasil e para o Brasil, sem o
salvo conduto do estrangeiro”
Piero Sbragia, jornalista e documentarista que escreveu
“Na Ilha: conversas sobre montagem cinematográfica”
Livro pioneiro sobre o ofício da montagem cinematográfica no Brasil, “Na Ilha: conversas sobre montagem cinematográfica” (Editora Paraquedas,
314 pág.) reúne depoimentos de 27 montadores e montadoras que ajudam a
dar ritmo ao cinema nacional desde antes do Cinema Novo até filmes
recentes como Bacurau. O livro foi escrito pelo jornalista e
documentarista Piero Sbragia a partir de entrevistas feitas pelos montadores/cineastas Julia Bernstein e Vinicius Nascimento com o apoio do produtor e pesquisador da área Bem Medeiros.
As
entrevistas, que deram origem ao filme “Na Ilha” (2020), abordam a
montagem como um elemento que representa produto de visões criativas que
se chocam e compõem o cinema enquanto arte feita coletivamente. “Na
Ilha: conversas sobre montagem cinematográfica” trata de encontros entre
os autores e suas fontes que foram proporcionados pela vontade de dar
luz a esse tema, pelo contexto de falar e fortalecer o cinema nacional,
em especial o ofício da montagem que está diretamente relacionado a
criação da Associação dos Profissionais de Edição do Audiovisual, que
acaba de completar dez anos.
As
conversas foram filmadas entre 2014 e 2020, mas cobrem um amplo período
da história do cinema nacional que passa pelas chanchadas, pelas
produções independentes, pela retomada e pela busca contemporânea para
firmar uma nova indústria audiovisual no país. A obra traz relatos de
profissionais que vão desde Máximo Barro, montador que trabalhou com
filmes do Mazzaropi nos anos 60, a Lucas Gonzaga, que finalizou a
cinebiografia de Marighella, lançada nos cinemas em novembro de 2021. De
Alberto Tupã Ra’y a Natara Ney, passando também por grandes nomes do
cinema nacional como Cristina Amaral, Eduardo Escorel, Giba Assis
Brasil, Vânia Debs, entre outros.
É
preciso dizer que o livro só foi possível graças a um financiamento
coletivo que teve 234 pessoas apoiadoras, e a generosidade de todas e
todos que abriram suas “ilhas” para o projeto.
“Estufo o peito para dizer que este é um livro inédito. Não
há no Brasil nenhum livro sobre montagem cinematográfica a partir de
tantas entrevistas com montadoras e montadores profissionais.
No Brasil tem o ‘Cinema e Montagem’ da Maria Dora Mourão e do Eduardo
Leone. Fora existem algumas referências teóricas, como ‘Num Piscar de
Olhos’, de Walter Murch. Mas não quisemos ser influenciados por livros
de teoria da montagem estrangeiros. Apostamos naquilo que Renato
Vallone, um dos entrevistados, chama de montagem descolonizada. Falamos
de montagem no Brasil e para o Brasil, sem o salvo conduto do
estrangeiro”, afirma o autor Piero Sbragia, que organizou as entrevistas
feitas por Julia, Vinícius e Bem.
A montagem como um processo de aglutinação
Receber
o material bruto na cadeira de montagem, seja na moviola lidando
fisicamente com a película ou em frente a um computador, é lidar com a
responsabilidade de organizar aquele bruto de acordo com uma visão. Para
Márcio Hashimoto (de “Bingo!”, “Era o hotel Cambridge” e da minissérie
“Capitu”), existe um aspecto selvagem em enfrentar o que chega na sala
de edição: “O montador precisa reconhecer o caráter selvagem da
matéria-prima que tem em mãos e tentar uma aproximação, sem a intenção
de domesticar, mas de potencializar esse material”.
Num
dos trechos, Cristina Amaral, que trabalhou ao longo da difícil década
dos anos 90, passando pela retomada e reindustrialização do cinema
nacional, resume a montagem como uma soma de muitas energias juntas. A
da fotografia, da direção, da direção de arte, da atuação. Cristina foi
aluna do próprio Paulo Emílio Sales Gomes (maior historiador de cinema
do Brasil) e trabalhou ao lado de cineastas lendários como Carlos
Reichenbach e Andrea Tonacci.
De
muitas formas, este trabalho ora solitário, ora colaborativo, se
reflete na própria ideia do título. Esta “ilha” tanto descreve a ilha de
edição quanto simbolicamente traz à tona uma ideia de isolamento deste
processo que é feito distanciado do resto na maior parte do tempo. O
livro não é feito de entrevistas em formato tradicional, mas a partir de
relatos pessoais na voz de cada um dos artistas que o compõem.
"Quando
resolvemos fazer essas conversas sobre o ofício da montagem, fomos
movidos pelo desejo de compartilhar inquietações muito particulares do
dia a dia da edição e entender como cada pessoa pensava e realizava esse
ofício, através de casos concretos. Tivemos sempre uma preocupação com a
diversidade de pessoas e estilos, mas a seleção final se deu através de
filmes que admiramos e, desta forma, acredito que o livro dá acesso a
alguns trechos importantes da história desses nossos cinemas, no plural
mesmo, de tão rico que não pode ser considerado apenas um cinema
nacional", ressalta a montadora e cineasta Julia Bernstein.
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