MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

sexta-feira, 18 de novembro de 2022

Alguém chame a Moderação

 

BLOG  ORLANDO  TAMBOSI

Esse poder seria acionado à maneira do Batman, com um sinal (uma coroa) nas nuvens sempre que houvesse qualquer falta de moderação no território nacional. Via Crusoé, a crônica de Orlando Tosetto Jr.:


Quando eu era moleque, nos anos 70, havia uma matéria escolar chamada Organização Social e Política do Brasil, abreviada como OSPB, que nos fazia decorar, entre outras informações úteis, os nomes de todos os ministros de estado. Os tempos eram singelos, não havia tantos ministros quanto hoje: eram só uns oito ou dez, mas mesmo assim eu não conseguia decorar todos. Em todo caso, a escola, casmurra e manhosa, me fez guardar para sempre a tabuada e os nomes ilustres dos senhores Shigeaki Ueki e Mário Henrique Simonsen.

A matéria ensinava os nomes, mas não ensinava o que o ministro fazia, ou para que servia. Só agora nestes dias de provecto é que vim saber que, para os latinos, o ministro (minister) estava abaixo ou era menor do que o mestre (magister) e era uma espécie de pau mandado desse, uma espécie de bedel. O magister dizia: faça-se, e o minister corria a cumprir, a ministrar, a administrar as ordens de cima. Pode ser que a senhora gentil e sofrida que nos ensinava OSPB (tão gentil e tão sofrida que, quarenta e tantos anos depois, lhe esqueci o nome) achasse feio dizer que o ministro é uma espécie de capataz de alto coturno, que o nome impressionante disfarça uma função que tem seu tanto de sabuja. Pode ser; mas, se tivesse nos ensinado isso, o Brasil de hoje seria muito mais fácil de entender.

Agora, pelo que ando lendo, o novo governo velho vai restaurar os sessenta e sete ministérios que a Nova República criou até 2018, e quem sabe até arranjar alguns novos. Tantos ministérios talvez obriguem a escola a recriar a OSPB, nem que seja só para dar conta deles. Por outro lado, fazer a molecada decorar os nomes dos sessenta e sete ministros, entre as muitas personalidades obscuras e trocas, seria sadismo. Imagine o pobre garoto de dezessete anos, que ainda sofre para escrever o próprio nome e para somar dez mais dez, tendo que saber como se chamam o Ministro dos Cânhamos e Especiarias ou a Ministra das Tinturas Capilares e Body Art. Por feia que a juventude nacional esteja na fita, ela não merece castigo tal.

* * *

Tal e qual o conquistador barato cheio de frases bregas, eu também tenho saudades de coisas que não vi nem vivi. Uma delas, amigo leitor, é a ação do poder moderador.

Imagino esse poder como um camarada de terno e lenço na lapela, talvez de luvas também; calças com vincos perfeitos e sapatos muito bem engraxados; alguém assim com ar de mordomo ou de maître, mas com autoridade e campo de atuação maiores, pontificando não apenas sobre residências e mesas, mas sobre todo o resto; educado mas incisivo; polido mas decidido; sorridente e atencioso, mas cortando logo todo o papo em contrário; uma mistura ideal de Sílvio Santos com o Barão do Rio Branco e o Jeeves. Com as barbas do Imperador, que era, afinal, seu dono e detentor.

Esse poder seria acionado à maneira do Batman, com um sinal (uma coroa) nas nuvens sempre que houvesse qualquer falta de moderação no território nacional. Por exemplo: lá está o casal – ele de verde e amarelo, ela toda rubra – discutindo ferozmente, imoderadamente, suas preferências políticas: dá-se o sinal e vem o poder moderador educadamente restaurar a harmonia no lar. Ou então lá estão as torcidas organizadas, prontas para o confronto: vem o poder moderador e dispersa as duas, com palavras mansas e talvez umas bombas de efeito moral. Na Câmara, o debate é sangrento, cheio de ofensas pessoais: vem o poder moderador cheio de civismo e cala a boca da deputaiada em desvario. Útil poder, pois não? Excelente poder.

Não pense entretanto o amigo que virei monarquista. Não, eu sou fã é da Moderação. Se a Moderação fosse uma cantora, eu teria seus pôsteres na parede e seus discos em casa; se fosse uma escritora, eu teria as obras completas; se fosse atriz, eu teria seus filmes e novelas; se a visse no metrô, eu lhe pediria o autógrafo. Sem Moderação a vida é o que estamos vendo, e quem é que quer uma vida dessas?

Aliás, se o amigo souber por onde anda a Moderação, por favor me avise que eu vou lá ver se ela está interessada em vir deitar água nessa fervura toda que está aí.

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