Se o Comitê Nobel fosse mais ousado, corajoso, poderia ter nomeado o político russo Alexey Navalni ou as dirigentes da oposição bielorrussa Svetlana Tikhanovskaya e Maria Kolesnikova. José Milhazes para o Observador:
Não
duvido que Dmitry Muratov e Maria Ressa mereceram o Prémio Nobel que
lhes foi atribuído, mas, se o Comité Nobel fosse mais ousado, corajoso,
poderia ter nomeado o político russo Alexey Navalni ou as dirigentes da
oposição bielorrussa Svetlana Tikhanovskaya e Maria Kolesnikova.
Dmitry
Muratov dirige praticamente o único jornal independente de nível
federal na Rússia: o Novaya Gazeta, pois os restantes órgãos de
comunicação social estão nas mãos do Kremlin ou foram comprados por
oligarcas próximos do autocrata Vladimir Putin. Esta liberdade tem um
preço elevado: depois da sua fundação em 1993, seis dos seus melhores
jornalistas foram assassinados e outros alvos de ataques e ameaças.
Basta recordar Anna Politkovskaya, abatida cobardemente e a sangue-frio
há 15 anos atrás. Os mandadores do crime nunca foram descobertos, embora
Vladimir Putin tivesse publicamente prometido então que tal não iria
acontecer. O mesmo aconteceu nos outros casos.
Considero
que o Novaya Gazeta continua a ser uma das poucas vozes que denuncia as
violações dos direitos humanos e a corrupção na Rússia por ter o apoio
de Mikhail Gorbatchov, o primeiro e último Presidente da União
Soviética. Enquanto ele estiver vivo, Putin não terá coragem de se
apoderar deste órgão de comunicação ou de “galardoá-lo” com o título de
“agente estrangeiro”, como tem feito com muita frequência nos últimos
tempos não só a órgãos de comunicação, mas também a jornalistas.
As
reacções da autocracia vigente mostram a sua total hipocrisia face à
atribuição do prémio a Muratov, pois sabe que ele foi para todos os
jornalistas do Novaya Gazeta, para todos os que lutam contra o regime
autoritário.
O
Kremlin saudou a atribuição do Prémio Nobel da Paz a Muratov. O
porta-voz do presidente russo, Dmitry Peskov, declarou: “Podemos dar os
parabéns a Dmitry Muratov. Ele trabalha de forma consequente em
conformidade com os seus ideais, segue-os. Tem talento, é ousado. E
claro que é uma alta nota”.
Mas,
logo a seguir, os “jornalistas” ao serviço da propaganda do Kremlin
abriram a boca para revelar o que realmente o poder autocrático pensa de
tal decisão. Margarita Simonian, redactora-chefe da Russia Today,
afirmou: “Sei com certeza que, pessoalmente, Muratov ajuda de forma real
e apaixonada crianças doentes, e seria agradável pensar que o Nobel lhe
foi atribuído por isso, e não pelas razões do costume”.
Vladimir
Soloviov, apresentador de talk-shows na televisão estatal russa, vai
mais longe e não poupa insultos para não ficar atrás: “Pobre Muratov.
Agora, os navalnizinhos vão despedaçá-lo e os apoiantes de Tikhanovskaya
vão fazer dele carne picada, e só os adeptos de Greta irão esfregá-lo
com fezes ecologicamente limpas”.
Dmitry
Kisseliov, que dirige uma série de órgãos de propaganda do Kremlin,
juntou-se ao coro: “O Prémio Nobel da Paz é uma das nomeações mais
polémicas no Comité do Nobel. Semelhantes decisões desvalorizam o
prémio, torna difícil tê-lo como ponto de orientação”.
Não duvido que a campanha de ataques contra Muratov e o jornal que dirige irá continuar. O tiro de partida já foi dado.
Com
a atribuição do prémio a Muratov, o Comité do Nobel chamou uma vez mais
a atenção para o problema da falta de liberdade de imprensa e de
expressão na Rússia, mas não teve a ousadia de nomear Navalny, líder da
oposição extraparlamentar russa que se encontra na prisão a cumprir uma
longa pena, o que iria irritar solenemente Putin e “seus muchachos”. A
propósito, em 1975, o Comité Nobel teve a coragem de atribuir esse
prémio ao académico soviético Andrey Sakharov, pela sua luta pelos
direitos humanos durante a ditadura comunista na União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas.
Svetlana
Tikhanovskaya e Maria Kolesinova também mereciam esse prémio pela sua
coragem e pela sua luta contra a ditadura de Alexandre Lukachenko,
ditador fantoche bielorrusso controlado pelo Kremlin. A primeira
encontra-se no exílio após ter sido derrotada numas eleições
presidenciais viciadas e nada transparentes e a segunda está a cumprir
uma pesada pena de prisão por ter dirigido manifestações de protesto
após o escrutínio. Aliás, nas prisões bielorrussas há centenas de presos
políticos, basta um comentário mais sincero nas redes sociais para que a
polícia secreta bata à porta.
Não
espero que Vladimir Putin ou Alexandre Lukachenko alterem as suas
políticas repressivas depois da atribuição do Prémio Nobel da Paz a
Dmitry Muratov. Por isso, é preciso que a comunidade internacional
esteja atenta às violações dos direitos humanos no mundo.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário