Coluna de Carlos Brickmann, publicada nos jornais de domingo, dia 10 de outubro:
Na
época do controle de preços, o então presidente Médici foi informado de
que sua equipe econômica iria tornar a carne mais cara. Suspendeu a
decisão por alguns dias, vendeu seus poucos bois e só então liberou o
aumento. Até ele, ditador com poderes absolutos, sabia que se apenas
deixasse a carne subir, muitos pensariam que seu objetivo fosse lucrar
com a decisão, o que afetaria a credibilidade do governo. O hoje
ministro Paulo Guedes não aprendeu a lição: não se pode ficar dos dois
lados do balcão. Não se discute sua seriedade, mas isso não se faz:
qualquer medida do Governo afeta, para cima ou para baixo, os US$ 9,5
milhões que ele mantém no Exterior. É difícil convencer quem paga
impostos escorchantes de que o ministro, ao tomar decisões, não se
preocupe com o destino de seu dinheiro. É uma preocupação que ele tem –
tanto que sua empresa off-shore é legal, constituída não para ocultar
dinheiro, mas para poupar impostos e colocar seu patrimônio a salvo das
flutuações da política econômica brasileira.
Mas
não acredite que o Centrão, base do Governo Bolsonaro, esteja triste
por essa mancada do antigo superministro. Nada disso: vai fingir que
está indignado, pressionará o ministro, mas na verdade ficou feliz. O
declínio de Paulo Guedes abre a chance de conseguir mais cargos e
verbas. E, se isso for ruim para o prestígio de Bolsonaro, ótimo: o
apoio do Centrão será ainda mais essencial para o presidente.
E, portanto, custará mais caro.
O tempo passa
Na
campanha eleitoral que levou Juscelino Kubitschek à Presidência, a TV
Tupi tinha um programa humorístico, O Hotel da Sucessão. O programa
acompanhava as mudanças de posição dos candidatos aos diversos cargos e
usava um bordão clássico: Entrou em ação um objeto misterioso. Maços de
dinheiro trocavam de mãos e as opiniões mudavam magicamente.
Tempos
ingênuos: hoje, o objeto misterioso continua funcionando, em malas,
cuecas, até mesmo nos círculos mais íntimos da política, mas há também
orçamentos ocultos, estatais, cargos, rachadinhas, viagens inúteis ao
Exterior com boas diárias, bebidas premiadas, picanhas de R$ 1.700,00 o
quilo, vinhos cheios de medalhas. A política se sofisticou, a ponto de
levar os apoiadores de uma facção a festejar seus erros. Quem disse que é
só acertando que se ganha?
Frito é melhor
É
por isso que a convocação de Guedes para depor na Câmara, por 310 votos
a 142, não deve ser encarada como prenúncio da queda do ministro. Se
ele cair, talvez seja substituído por alguém mais firme. OK, Guedes diz
que leu Keynes três vezes no original, o que indica apenas que ele sabe
falar bem o inglês do Reino Unido. Mas enfrentar as feras do Congresso,
especialistas em caçar as melhores e mais nutritivas presas de Brasília,
é outra coisa. Para os profissionais, Guedes é um ministro nutella, que
em comum com Posto Ipiranga só tem a loja de conveniência.
Engoliu
todas as exigências, fossem do Centrão ou de Bolsonaro, aceitou todos
os jabutis que foram pendurados em emendas e, ao contrário de Moro, não
reagiu. A única vez em que ficou irritado de verdade foi no início da
pandemia, quando o hotel em que morava, em Brasília, parou de servir
suco de laranja. Aí foi para sua casa no Rio e só voltou a Brasília
quando lhe prometeram o suquinho espremido na hora.
Vai subindo...
A
Petrobras aumentou de novo o gás de cozinha: agora o botijão sai da
refinaria a R$ 50,15. Aí entram os impostos, os custos, a distribuição, o
lucro da distribuidora, as despesas e o lucro das lojas, e quem não
puder pagar que cozinhe com lenha. A gasolina também sobe, no mesmo
percentual: 7,2%. O diesel, que subiu na semana passada, continua com o
mesmo preço. Mas, como já subiu, contribui para elevar o custo do
transporte do gás.
Agora só falta a propaganda do Governo anunciar que comida crua é que faz bem.
...e subindo
O
presidente Bolsonaro já se previne: diz que no ano que vem haverá mais
problemas na produção de alimentos, já que os fertilizantes (importados,
na maior parte da China) estarão em falta no mundo. Anunciando altas
que talvez ocorram no ano que vem, a consequência é que as altas
começarão mais cedo, todos se prevenindo contra problemas futuros. Não
seria o caso de, imediatamente, iniciar a pesquisa de novos
fornecedores? Quando os chineses faziam pouco comércio, de onde vinham
os fertilizantes? Desapareceu a rocha fosfática que o Brasil comprava de
países africanos?
Calma (por enquanto)
Não
se assuste com a notícia de que submarinos nucleares americanos estão
circulando perto da China. Estão mesmo, e faz tempo. Também os voos de
aviões de combate chineses até as proximidades de Taiwan são apenas de
teste (por enquanto). Pode ocorrer um incidente; mas confronto, mesmo,
só depois de os chineses se sentirem seguros para tentar a conquista de
Taiwan.
É coisa para mais alguns anos, se não houver negociações até lá.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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