Os neomaoístas do século 21 estão decididos a destruir qualquer pessoa ou ideia que consideram 'problemáticas'. Brendan O'Neill para a Oeste:
Imagine
ter o infortúnio de passar não por uma, mas por duas revoluções
culturais. Por duas vezes estar em meio a um espasmo autoritário em que
jovens intolerantes com os olhos arregalados caçam pensadores
“incorretos” para envergonhar e punir. Essa foi a infeliz experiência de
Bright Sheng. Ele viveu a Revolução Cultural original na China de Mao
Tsé-tung quando era criança, e agora, adulto, entrou na mira dos
neomaoistas, que estão tumultuando as universidades americanas. Esses
intolerantes da discordância estão loucos para destruir aqueles que
consideram “problemáticos”, como se fossem a Guarda Vermelha da China
nos anos 1960.
Sheng
é professor de música na Universidade de Michigan — pianista e
compositor de sucesso. Suas obras foram executadas por todos os grandes
grupos de música clássica, da Filarmônica de Nova Iorque à Orquestra
Nacional Sinfônica da China. Mas essas conquistas estelares não oferecem
proteção contra a turba woke. O crime de Sheng, aos olhos deles? Ele
mostrou aos alunos o filme Otelo, de Shakespeare (de 1965), em que
Laurence Olivier notória — e, agora, repreensivelmente — fez uso do
blackface para interpretar o mouro. Humilhem-no! Coloquem uma placa
pendurada em seu pescoço! Ele errou e precisa aprender a lição.
A
reação ao crime cultural de Sheng foi imediata e implacável. O motivo
por que ele mostrou o filme para os alunos de graduação da sua
disciplina de composição obviamente não era provocar nem ofender com a
imagem de um dos atores mais famosos do século 20 usando maquiagem para
fingir ter a pele negra. Não, ele estava ensinando a relação entre a
composição musical e as obras de Shakespeare — uma proposta totalmente
legítima e, sem dúvida, esclarecedora do ponto de vista educacional. Mas
os irascíveis jovens de classe média alta do campus moderno tiveram uma
opinião diferente. “Fiquei chocada”, declarou uma aluna ao Michigan
Daily. Nossas aulas “deveriam ser um espaço seguro”, disse ela. No
entanto, foi Laurence Olivier coberto de graxa de sapato que invadiu
suas vidas protegidas e lhes deu pesadelos. O horror.
Depois
de receber reclamações dos estudantes, David Gier, reitor da Faculdade
de Música da Universidade de Michigan, escreveu uma carta basicamente
expondo Sheng. “As ações do professor Sheng não estão de acordo com o
compromisso da nossa escola com ações antirracistas, diversidade,
igualdade e inclusão”, afirmou. Imagine ver uma multidão se formar
contra um de seus professores de música mais bem-sucedidos — apenas por
mostrar um filme — e efetivamente ficar do lado da multidão, em vez de
defender o professor? Parece um exemplo clássico de como a tirania da
mentalidade woke funciona no campus — a covardia institucional se funde
com a intolerância febril de estudantes ingênuos, fazendo surgir um
clima frio e asfixiado.
Bright Sheng deveria saber que no universo kafkiano do identitarismo racial não há como se defender de acusações de racismo
Uma
das coisas mais impressionantes sobre a situação de Sheng é que seu
pedido de desculpas acabou piorando as coisas. Ele se desculpou duas
vezes: a primeira poucas horas depois de exibir Otelo, reconhecendo que o
filme é “antiquado e insensível do ponto de vista racial”, e a segunda
alguns dias depois, afirmando que não tem nenhum tipo de animosidade em
relação a nenhum grupo racial ou étnico e que, na verdade, ele trabalhou
com pessoas de diferentes raças muitas vezes ao longo da carreira.
Nossa! Que erro! Sheng deveria saber que no universo kafkiano do
identitarismo racial não há como se defender de acusações de racismo.
Quando o dedo apontado da condenação se volta contra você, a única opção
é abaixar a cabeça envergonhado, confessar sua ignorância racial e
prometer “melhorar”. Qualquer outra coisa vai apenas aumentar mais a
temperatura da situação.
Sheng
foi atacado tanto por suas desculpas quanto por ter mostrado o filme
Otelo. Como a Newsweek afirmou, de forma bastante eufemística, “a
maneira como ele formulou [suas] desculpas aumentou mais a polêmica”. O
que isso significa é que um bando de neomacartistas, ofendidos com a
temeridade que Sheng cometeu ao se defender das insinuações de racismo,
escreveu uma carta exigindo que ele fosse retirado do curso de
composição. Dezoito alunos do curso de composição, 15 de pós-graduação e
nove funcionários da universidade escreveram para o reitor de música
exigindo que Sheng fosse removido. Segundo eles, o curso havia sido
maculado pelo blackface de Laurence Olivier. Então Sheng se retirou.
Vamos
falar a verdade sobre o que aconteceu. Em uma prestigiosa faculdade de
música, um compositor brilhante foi perseguido em um de seus próprios
cursos por mostrar aos alunos Laurence Olivier interpretando Otelo.
Pense nisso. Agora, todos podemos concordar que o blackface é antiquado,
e que nenhum ator sério faria isso hoje em dia. Mas estamos falando de
Laurence Olivier e de Shakespeare sendo mostrados em uma situação
educativa cheia de jovens adultos que deveriam apreciar a cultura em
toda a sua complexidade. A humilhação pública de Sheng confirma a
tacanhez e o barbarismo da cultura woke. A ideologia hipersensível e
profundamente intolerante é hostil à cultura, à arte e à abertura de
mentalidade que esses nobres esforços exigem.
O
tratamento que Sheng recebeu traz à mente outro episódio sombrio da
história moderna, no qual a Guarda Vermelha, e não a “Guarda Woke“,
assumiu a tarefa de punir aqueles que mantinham ideias “obsoletas”.
Sheng viveu a Revolução Cultural. Nasceu em Xangai em 1955. A Guarda
Vermelha confiscou o piano de sua família por considerá-lo um luxo
“burguês”. Esses guerreiros maoistas roubaram do jovem Sheng os meios de
tocar música; os neomaoistas da cruzada politicamente correta dos dias
de hoje roubaram dele um de seus meios de ensinar música. Em ambas as
situações, ele foi punido por filisteus rudes e censuradores que se
recusam a tolerar quaisquer práticas ou ideias que considerem antiquadas
ou “problemáticas”.
Assustadoramente,
um dos alunos da Universidade do Michigan afirmou que a renúncia de
Sheng era o “mínimo” que ele podia fazer. O que mais eles querem?
Mandá-lo para a reeducação? Raspar sua cabeça e fazê-lo desfilar em
praça pública? Pendurar uma confissão em seu pescoço, em que ele admite
ter pecado contra a nova moral?
Dizem
que a cultura do cancelamento não existe. Ela existe, e tem ecos
sombrios da Revolução Cultural, que foi uma guerra enlouquecida contra
os “Quatro Velhos” — ideias velhas, velhas culturas, velhos costumes e
velhos hábitos. Da mesma forma, a “Revolução Woke” de hoje deseja acabar
com todas as coisas “obsoletas”, sejam estátuas de figuras históricas
que tinham ideias diferentes das nossas, programas de comédia que façam
piadas de mau gosto e não politicamente corretas, grandes obras da
literatura que contenham termos racistas (incluindo obras expressamente
antirracistas, como To Kill a Mockingbird, ou O Sol É para Todos) e
qualquer um que se apegue à crença aparentemente antiquada de que existe
um sexo biológico. Vamos punir e eliminar todos eles. Esse é o maoismo
do século 21, e qualquer instituição de ensino ou cultural que abrace
isso está assinando a própria sentença de morte.
Brendan O’Neill é o jornalista-chefe de política da Spiked
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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