Na era digital, a intuição, o instinto jornalístico, pode e deve ser apoiada pelos números. A informação precisa ser bem fundamentada. Carlos Alberto Di Franco para o Estadão:
Há
gente desencantada com o jornalismo e fascinada com as redes sociais.
Acreditam, ingenuamente, que a balbúrdia do mundo digital vai resgatar a
verdade conspurcada. Como se as redes fossem um espaço plural que se
contrapõe a uma suposta hegemonia da mídia tradicional. Não percebem,
talvez involuntariamente, que a internet tende a criar redutos fechados,
bolhas impermeáveis ao contraditório, um ambiente embalado ao som de
Samba de Uma Nota Só.
Sou
apaixonado pelo jornalismo. Escrevo na imprensa tradicional e participo
intensamente das novas mídias. Ambas são importantes. Não são
excludentes.
O
combate às fake news, demanda importante e necessária, não deve
justificar censura, limitações à liberdade de expressão e prisões
arbitrárias e ilegais. Quem vai dizer o que podemos ou não consumir?
Quem vai definir o que é ou não fake news? O Estado? Transferir para o
Estado a tutela da liberdade é muito perigoso. Fake news se combatem não
com menos informação, mas com mais informação, e informação mais
qualificada.
A reinvenção do jornalismo passa, necessariamente, pelo retorno aos sólidos pilares da ética e da qualidade informativa.
A
crise do jornalismo está ligada à falência da objetividade e ao avanço
do subjetivismo engajado. Quase sem perceber, alguns jornais sucumbem à
síndrome da opinião invasiva. Ganham traços de redes sociais. Falam para
si mesmos, e não para sua audiência. Como disse João Pereira Coutinho,
“não são as redes sociais que matam os jornais, são eles próprios que se
suicidam quando seguem o exemplo das redes”.
É
preciso apostar na informação. Sentir o cheiro da notícia. Persegui-la.
Buscar novas fontes e encaixar as peças de um enorme quebra-cabeças
para apresentá-lo o mais completo possível. Dentre as competências
necessárias para exercer um bom jornalismo, algumas parecem ser inatas
e, por mais que se tente aprender, inútil será o esforço. É assim o tal
“faro jornalístico”. Uma capacidade quase inexplicável que alguns
profissionais têm de descobrir histórias inéditas, de furar a
concorrência e manter pulsando a certeza de que é possível produzir
conteúdo de qualidade que sirva ao interesse público.
Nunca
se pôs em xeque o papel essencial do instinto jornalístico. Nem eu
pretendo fazê-lo agora. Como já venho reiterando há tempos neste espaço,
apenas essa vibração será capaz de devolver a alma que, por vezes,
percebo faltar ao trabalho das redações. O que quero é acrescentar um
aspecto que julgo importante nesta discussão: na era digital, a intuição
pode e deve ser apoiada pelos números. A informação precisa ser bem
fundamentada.
Realidades
que pareciam alheias aos negócios da mídia estão cada vez mais próximas
dos veículos. É o caso do Big Data. A cada dia os acessos digitais aos
portais de notícias geram quantidades incríveis de dados sobre o
comportamento de nossas audiências, mas ainda não fomos capazes de
enxergar o potencial que há por trás desta montanha de informação
desestruturada. Nas redações brasileiras, multiplicam-se as telas
coloridas que trazem, minuto a minuto, indicadores e gráficos
mirabolantes. Ao fim de um dia de trabalho, qualquer editor está
habilitado a responder quais foram as reportagens mais lidas. Mas e
depois disso? Já não basta que definamos nós o que precisam os
consumidores de informação. É preciso ouvir o que eles têm a dizer. O
ambiente digital rompeu a comunicação unidirecional que, por muitas
décadas, imperou nas redações. O fenômeno das redes sociais estourou a
bolha em que se confinavam alguns jornalistas que produziam notícias
para muitos, menos para o seu leitor real. Além disso, perdemos o
domínio da narrativa. Chegou a hora das pautas com pegada.
Ao
longo deste ano, alguns jornalistas da grande mídia, sobretudo na
cobertura de política, em nome de suposta independência, têm enveredado
excessivamente pelo que eu chamaria de jornalismo de militância. E isso
não é legal. Não fortalece a credibilidade e incomoda seus próprios
leitores.
Na
verdade, há um crescente distanciamento entre o que veem e reportam e o
que se consolida paulatinamente como fatos ou percepções de suas
próprias audiências, posto que a estas foi dado o poder de fazer suas
reflexões e até mesmo apurações, facilitadas e potencializadas pela
internet.
É
necessário perceber, para o bem e para o mal, que perdemos a hegemonia
da informação. Impõe-se um jornalismo menos anti e mais propositivo.
Precisamos olhar para nossas coberturas e nos questionarmos se há valor
diferencial naquilo que estamos entregando aos nossos consumidores.
Sabendo que, se a resposta for negativa, poucas serão as possibilidades
de monetizar nosso conteúdo. Afinal, ninguém pagará pelo que pode
encontrar de forma similar e gratuita na rede.
Sou
otimista em relação ao futuro das empresas de comunicação, mas não
deixo de considerar que o renascer do nosso setor será resultado de um
doloroso processo. Exigirá uma boa dose de audácia para dinamitar
antigos processos e modelos mentais que, até este momento, vêm freando
as tentativas de reinvenção.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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