Todo o debate em torno da distribuição “gratuita” de absorventes mostra como somos escravos numa arena pública dominada pela esquerda. Via Gazeta, a crônica de Paulo Polzonoff:
Fui trouxa. Ou pior, escravo. Quando dei por mim, estava escrevendo sobre absorventes.
Pior ainda, estava lendo sobre absorventes. Opiniões apaixonadas a
favor ou contra. Trocadilhos ruins que na hora parecem bons (PC d’O.B),
memes, zilhões de memes. Falácias disfarçadas de argumento. Ruído, muito
ruído, e afetações de todos os tipos se passando por argumento. E, no
meio de tudo isso, meus dois dedinhos de prosa.
O
sequestro do debate público em torno de uma questão menor como essa
mostra como a esquerda, aqui exemplificada pela causa da “pobreza
menstrual” proposta pela deputada-que-rima, Tabata Amaral, domina
completamente essa arena. E, ao redor da arena, instala armadilhas para
que seus adversários se arrisquem antes mesmo de lutar contra a ideia,
por mais estúpida que seja ela.
Só
de pensarmos na distribuição “gratuita” de absorventes como assunto de
política pública estamos sendo escravizados. É como se Tabata Amaral nos
tirasse à força de nossas senzalas intelectuais e nos levasse para sua
plantação de assistencialismo, onde nos vemos obrigados a trabalhar
incansavelmente colhendo argumentos e estatísticas capazes de servir de
base ou refutar essa bobagem.
Ao
longo dessa lida, muitos de nós nos iludimos e sentimos que a pele está
livre dos grilhões. Mas não. Há uma corrente invisível que une os
escravos nesse cativeiro interminável. Raramente nos damos conta disso.
E, se ignoramos o peso da corrente, é porque nossos feitores têm esse
estranho poder de nos seduzir com a ideia. Por mais estúpida que seja
ela.
Tanto
da parte dos feitores quanto dos escravos, o mecanismo desse esquema é
complexo. Diria até ultracomplexo – para você não ter a menor dúvida
dessa complexidade. Envolve arrogância, venalidade, um tiquinho de
perversidade e dois ou três litros de vaidade. Mas o principal
ingrediente é mesmo a insuportável necessidade de dar algum sentido à
vida. Ao plantarem a ideia (por mais estúpida que seja ela), os feitores
sentem que podem moldar o mundo de acordo com sua vontade. Ao
colherem, desfolharem e debulharem a ideia, os escravos se sentem vivos,
como se o suor de seus raciocínios fosse capaz de irrigar essa terra
árida de valores.
Assim,
quando percebemos estamos aqui: sem comer ou beber, o sol a pino, a mão
ferida de tanto arrancar o fruto desse cafezal dos infernos. E nos
tratando uns aos outros como inimigos, como se não fôssemos irmãos nessa
miséria política em que nos meteram. Hoje é o absorvente, amanhã é a
Lei Paulo Gustavo; na semana seguinte, CPI da Covid e a busca por alguém
que personifique essa culpa desgraçada que precisamos expiar. E,
depois, eleições ou energia limpa ou o terrível sofrimento dos gordos.
Qualquer
coisa que seja do interesse dos feitores. Ou melhor, qualquer coisa que
desvie os escravos de realizarem seu propósito de vida: a verdadeira
liberdade. Qualquer coisa que os distraia ou que os entretenha. A pipa
da desigualdade social. As bolinhas de sabão do ambientalismo. O
esconde-esconde da homofobia. O pega-pega do identitarismo.
Uma
vez que se reconheça a condição de escravo, resta saber se há alforria
possível. Uns se embrenham no silêncio e, descalços, evitando onças e
arbustos espinhentos, sonham alcançar um quilombo de paz. Mas a fuga nem
sempre é uma opção. À luta resignam-se outros tantos – o tempo todo
acreditando que serão capazes de tomar a Casa Grande e instaurar algum
tipo de comunidade livre.
A
maioria, contudo, continuará saindo para o trabalho todos os dias, às
vezes de cabeça baixa, às vezes de cabeça erguida. É a multidão da qual
ouso fazer parte – tem um cantinho aí para mim? Colhemos e debulhamos as
ideias estúpidas dos feitores e pode parecer que somos de uma mansidão
tola. Mas não. Há, entre nós, hábeis sabotadores que enxertam nas mudas
de estupidez galhinhos de sabedoria. E, se plantamos essas árvores, é
porque acreditamos que um dia elas florescerão e darão frutos que serão
colhidos quando não mais estivermos aqui.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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