Em abril desse ano, Roberto Jefferson, esse patriota convicto, gravou um vídeo ensinando a matar policiais. Postou-se diante de uma câmera e deu dicas, inclusive mostrando os equipamentos que deveriam ser usados. Guilherme Macalossi para a Gazeta do Povo:
A
lavanderia de reputações do bolsonarismo fez de Roberto Jefferson um
herói da nova era. Sua adesão ao governo de turno o permitiu ser
reabilitado do mensalão e do petrolão, escândalos de corrupção pelos
quais foi condenado na Justiça. Virou um conservador empedernido, apesar
dos serviços que prestou a todos os governos anteriores, inclusive os
lulopetistas.
Em
abril desse ano, esse patriota convicto gravou um vídeo ensinando a
matar policiais. Postou-se diante de uma câmera e deu dicas, inclusive
mostrando os equipamentos que deveriam ser usados. Primeiro uma
balaclava, depois um revolver. Apontando para um alvo imaginário disse:
“um irmão patriota bota fora de combate”. Na sequência, recomendou os
porretes que tinha em cima da mesa: “têm que ter alguém com uma perna
dessas de inchada, ou um taco de beisebol”, erguendo o objeto tal qual
um tacape e mostrando que o ideal era acertar no antebraço, para depois
concluir o ataque com chicotadas. Tomou nota aí do que deve ser feito?
Há
quem veja nisso o exercício da liberdade de expressão, direito
consagrado pela Constituição Federal. Mas não é o caso. E desafio o
leitor a mostrar onde está contida a sua suposta opinião. Ninguém
encontrará. O que ele praticou foi um crime, previsto no Art 286 do
Código Penal. Incentivava a prática da violência. Seu vídeo circulou
nas redes sociais, servindo de possível inspiração a um incalculável
número de pessoas. Vendo sua performance, alguém com ganas poderia muito
bem colocar suas lições em prática. Jefferson deveria ter sido preso em
flagrante.
Mais
recentemente, em Porto Alegre, um cidadão escreveu para a namorada de
um jovem estudante negro que ele “exalava um cheiro típico”, que tinha o
“cérebro programado para fazer o máximo de filhos que puder” e que
“pode não ser um problema lá onde a natureza dá cabo deles”. Liberdade
de expressão? Não. Trata-se de racismo, que é igualmente tipificado como
crime pela lei.
Recentemente, o jornalista Augusto Nunes escreveu em seu Twitter que
“não existe crime de pensamento numa democracia” e que “só ditaduras
tratam como criminoso quem apenas exerce o direito à liberdade de
opinião”. Ele repetiu esse ponto em um programa que ancora na Rádio
Jovem Pan. Levado ao limite, esse argumento acabaria protegendo até
mesmo a pregação nazista. Afinal, poderiam eles exercer o pensamento de
uma sociedade etnicamente pura, conceituando raças superiores e
inferiores, desde que ninguém fosse encaminhado para uma câmara de gás.
Parece razoável? Por óbvio que não.
Da
mesma forma, não pode um parlamentar eleito usar a tribuna da Câmara
dos Deputados para defender a deposição do sistema político que o
colocou lá. A defesa de um golpe de Estado, de uma quartelada dos
militares, de um processo disruptivo que violasse o que vai disposto na
Constituição Federal não faz parte do conjunto de prerrogativas
legislativas albergadas pela Carta Magna. É outro crime, dessa vez
contra o Estado Democrático de Direito, previsto nos Art 359-L e 359-M da Lei 14.197/21.
O artigo 13 do Pacto de San José da Costa Rica,
do qual o Brasil é signatário protege a liberdade de expressão, mas
estabelece limites muito claros: “A lei deve proibir toda propaganda a
favor da guerra, bem como toda apologia ao ódio nacional, racial ou
religioso que constitua incitamento à discriminação, à hostilidade, ao
crime ou à violência”. Essa ressalva, ratificada e incorporada ao nosso
ordenamento jurídico é um garantia ao regime de liberdades.
A
democracia não pode ser elástica a ponto de tolerar que seus inimigos
se valham de seus pressupostos para destruí-la desde dentro, sob risco
de, uma vez vencedores no processo democrático, esses agentes anulem as
garantias conferidas a seus adversários. A República de Weimar caiu
também por ignorar isso, com seus líderes achando que a pregação de
agitadores de cervejaria era tão legítima quanto à dos que operavam
dentro das regras da civilidade.
O
Brasil vive uma época perigosa em que o direito individual foi tomado
como exercício de sociopatia e a liberdade de expressão como conceito
tão amplo que serve inclusive para tornar criminosos inimputáveis.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário