A Evergrande, a imobiliária gigante que acaba de estourar, ate dois anos atrás era a “ação imobiliária” mais valiosa do mundo. Fernão Lara Mesquita:
A
China tem apartamentos vazios suficientes para abrigar 30 milhões de
famílias. O bastante para 90 milhões de pessoas, mais que as populações
inteiras de países como França, Alemanha, Reino Unido ou Itália. Mas
falta energia elétrica a ponto de paralisar a produção em vários pontos
do país.
Como se explica isso?
Fácil.
A “bolha imobiliária” tem o exato tamanho da corrupção no país do
partido único, proprietário único de tudo, inclusive da única imprensa
existente. Numa economia que saiu da escravidão absoluta para a abolição
lenta, gradual e controlada por deliberação do partido único, dono de
cada centímetro do território nacional, a franja mais extensa da
privilegiatura fora da qual tudo que existe é submissão absoluta ou
morte, são as células locais do Partido Comunista Chinês (PCC),
equivalentes aos nossos governos municipais e suas subdivisões menores.
É
a eles que os “empreendedores imobiliários” apadrinhados pelos figurões
mais altos do partido terão de pedir a cessão dos terrenos onde
construir seus prédios. E, claro, como em todos os outros recantos
habitados pelo bicho homem, ter-se-á de pagar para ter esse privilégio …
em apartamentos do empreendimento futuro aos funcionários a quem cabe
ceder ou não as terras. Far-se-á necessário, então, um financiamento do
braço do banco estatal único controlado por alguém escolhido por outro
figurão do partido, a esse “empreendedor imobiliário”. E tal
autorização, naturalmente, também terá seu preço … em apartamentos no
futuro empreendimento, pois para o “empreendedor”, o importante é fazer e
não vender os prédios, mesmo porque o dinheiro que tudo move é “do
povo”, que não tem prazo para recebê-lo de volta…
Assim
foram construídos não apenas prédios-fantasmas (semana passada 15 foram
implodidos ao mesmo tempo) mas até cidades-fantasmas ligadas por
rodovias-fantasmas, tudo explicável pelo mesmo mecanismo da “economia”
movida a decisões de figurões do partido e não a demandas de um anônimo
mercado.
Com
a multiplicação da quantidade de bilhões girando nessa ciranda a
ganância despertada pela China vence fronteiras, e ela é admitida na
comunidade econômica internacional como um “parceiro igual”. Para além
do processo de “consolidação” de setores inteiros da economia para
enfrentar a concorrência “igual” dos monopólio do capitalismo de estado
chinês, com o correspondente massacre dos salários no Ocidente inteiro,
os trilhões de yuans correspondentes aos milhões de metros quadrados de
construções vazias passam a ancorar-se também em financiamentos em
dólar.
A
Evergrande, a imobiliária gigante que acaba de estourar, ate dois anos
atrás era a “ação imobiliária” mais valiosa do mundo. O valor da empresa
caiu de US$ 41 bi, no ano passado, para US$ 3,7 bi agora. 80 mil
chineses detêm 40 bi de yuans de debêntures da empresa. O resto está com
investidores ocidentais. O setor imobiliário contribui com 29% do PIB
chinês. Mas as vendas de terrenos pelos governos locais caiu 90% nos
primeiros 12 dias de setembro. Eram elas que geravam ⅓ da renda desses
governos que acumulam uma divida de US$ 8,4 tri, perto de 43% do PIB…
E o que isso tem a ver com a crise de energia?
Tudo.
Como “democratizar a corrupção” com a mesma extensão que a “indústria
imobiliária” permite fatiando usinas de produção de energia? Resultado:
30 milhões de apartamentos inúteis; nenhuma usina de força. Vêm ai alta
do petróleo, do carvão e das emissões de carbono que o Biden se
comprometeu a cortar.
O
petróleo bruto subiu 64% este ano, a maior alta em 7 anos. Os preços do
gás praticamente dobraram nos últimos 6 meses. Óleo para calefação
subiu 68%. Carvão teve altas recordes. Não falta petróleo nem carvão
para isso. Mas os grandes tubarões produtores aproveitam esse momento de
volta da pandemia e apagão na China para abrir suas torneiras sempre
com atraso bastante para justificar altas de preços desse calibre.
É
a “tempestade perfeita”. Isso e a escassez de semicondutores e
componentes básicos de eletrônicos determinada pelo desarranjo
estrutural do “abre” e “fecha” dos lockdown de sabor político desmancham
as supply chain chinesas que fizeram mais pela enormidade das Apples da
vida que o próprio Steve Jobs.
Mas,
claro, não são esses os únicos predadores do sistema. Atrás deles
galopam, sempre, as hienas da política. Pro resto do mundo vai ser mais
complicado. Enquanto ele rebola para voltar a ajustar-se, o Brasil de
Brasília, onde não ha desemprego nem pressa, já sabe exatamente o que
fazer: basta que nos livremos do Bolsonaro. E, até para garantir isso,
os governos estaduais, de par com o Poder Judiciário e seus mutirões de
multiplicação de precatórios, são hoje os mais vorazes especuladores em
dólar contra o favelão nacional.
A
explosão dos preços do petróleo e do dólar multiplicaram a base sobre a
qual aplicam seus tributos e as receitas estaduais cresceram 10% reais
(descontada a inflação) em plena paradeira da pandemia. A arrecadação do
ICMS, que incide em média a 25% sobre o preço dos combustíveis que tudo
movem no Brasil, aumentou 19% na média nacional. Isso levou o País Real
de volta à cozinha à lenha que comeu metade da Mata Atlântica no século
19. Essa nova conquista do estado democrático de direitos adquiridos no
país onde “o petróleo é nosso”, foi registrada na primeira página de O
Estado de S. Paulo de domingo, um dia depois dele e a Folha “saudarem”
em manchete a premiação com o Nobel de dois jornalistas contra os quais,
se atuassem no Brasil, os dois estariam atiçando o Alexandre de Moraes.
A lenha, depois da eletricidade, volta a ser a 2a fonte de energia mais
utilizada nos lares brasileiros com 26,1% de participação contra 24,4%
do gás de botijão.
Nem
por isso os investimentos em educação dos estados saíram do padrão de
sempre: caíram 6,4% versus 2020 e 7,4% versus 2019. E agora todos eles
(os donos do nosso petróleo) estão acenando com aumentos para o
funcionalismo no ano eleitoral de 2022. E, é claro, dificilmente o mesmo
Congresso que acaba de cortar a verba para ciência e tecnologia em 92%
porque esta é das poucas verbas que não contam nem com lobbies, nem com
“bancadas” na “Casa do Povo” onde só quem não as tem é o indigitado
povo, vai insurgir-se contra mais este esbulho.
Tudo
isso, ainda que no Brasil já tenhamos experimentado uma meia sola, é
consequência da falta que a democracia, o único antídoto contra a
corrupção e a miséria de comprovada eficácia jamais inventado, faz
naquela China que tantos de nós, especialmente em Brasília, hoje andamos
invejando tanto.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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