Como o Talibã, destruindo templos cristãos e budistas, as patrulhas "woke" não deixam pedra sobre pedra. Dagomir Marquezi para a revista Oeste:
Era
uma vez uma linda princesa. No seu primeiro aniversário, três fadas
compareceram à festa e deram-lhe presentes. Mas uma bruxa malvada e
invejosa lançou uma maldição à aniversariante: quando a pobrezinha
entrasse na vida adulta, espetaria o dedo em uma roca de fiar e cairia
num sono profundo. E só despertaria com o primeiro beijo de amor.
E
assim aconteceu. A Bela Adormecida ficou desfalecida por muito tempo,
cuidada pelos bichinhos da floresta. Mas um formoso príncipe encantado
enfrentou uma barreira de espinhos e conseguiu chegar até a princesa. O
herói apeou de seu cavalo branco, curvou-se respeitosamente e beijou com
delicadeza os pálidos lábios da linda princesa. Ela abriu os olhos para
alegria do dedicado príncipe. Os passarinhos chilreavam de felicidade,
os esquilinhos corriam entre os galhos, flores multicoloridas caíam das
árvores para abençoar a vitória do amor mais puro e verdadeiro. Mas,
para surpresa de todos, a princesa reagiu com indignação:
—
Quem te deu autorização para me beijar?! Meu corpo, minhas regras!
Hashtag não é não! Isso é um verdadeiro estupro contra uma mulher em
situação indefesa! Eu estava desacordada e você abusou de mim. Além do
mais, quem disse que eu me casaria com um homem branco, hétero,
representante de um passado colonial e racista?!
Em
seguida, a princesa voltou para seu castelo e usou sua influência para
cancelar o príncipe, cortar suas fontes de financiamento e bloquear sua
participação nas redes sociais.
Moral
da história: a militância “woke” (de “despertar”) já foi longe demais. E
poderá seguir em frente, nos levando a uma era de trevas e destruição
cultural jamais vistas. A nova versão da história da Bela Adormecida
“vítima” é só um dos muitos sinais da violência desses milicianos do
controle do pensamento.
A
tirania do cancelamento é orgânica. Não depende de uma força estatal
para ser implementada. Não necessita de censores, de polícias ou
prisões. Basta um patrulheiro ideológico que denuncie, e um produtor
cultural que obedeça. E também de uma população que se omita.
Os
canceladores ainda não conseguiram fazer muitos estragos na chamada
cultura erudita — o que não quer dizer que não chegarão lá. O alvo fácil
por enquanto é a cultura pop. Pela sua fluidez, é mais fácil apontar
detalhes que eles consideram inaceitáveis num filme, numa série ou numa
história em quadrinhos do que num romance de Charles Dickens ou José de
Alencar. Para os cidadãos do século 21, a cultura pop está muito mais
próxima. É nossa zona de conforto.
“É uma terrível tragédia, meu amor”
O
caso de Pepe Le Gambá mostra a que ponto de ridículo essas patrulhas de
censores podem chegar. E o poder absurdo que adquiriram. Pepe Le Gambá
(Pepé Le Pew, no original) foi criado em 1949 na produtora Warner
Brothers por três grandes gênios: os diretores Chuck Jones e Mike
Maltese e o dublador Mel Blanc. O personagem ganhou um Oscar de melhor
curta de animação logo em sua estreia.
Como
todo personagem de desenho animado, Pepe funciona à base de repetição.
Ele costuma conhecer uma gatinha negra de longa cauda como a sua. Um
acidente faz com que caia tinta branca no dorso da gata, e Pepe acha que
ela também seja gambá. Ele então cita frases românticas com sotaque
francês recheadas de “mon amour” e “ma petite fleur”. Tudo o que a
gatinha quer é fugir do cheiro do gambá. E, quanto mais ela foge, mais
Pepe acha que está apaixonada por ele.
Pepe Le Gambá |
Com
seus cenários parisienses, Pepe Le Gambá ensinou a gerações de meninos o
ridículo que é insistir na conquista de uma mulher que não está a fim
de você. Por reflexo, aprendemos desde criança que forçar uma mulher a
nos aceitar cheira mal. Como dezenas de outros personagens de animação
da Warner, Pepe tinha uma participação garantida no filme Space Jam: um
Novo Legado, estrelado pelo astro do basquete LeBron James. Até que
alguém denunciou que o gambá romântico divulgava uma “cultura do
estupro”.
Quem
fez essa denúncia? Que pessoa? Que grupo? Que ONG? Ninguém sabe. O que
sabemos é que a poderosa Warner Brothers, parte de um dos maiores
conglomerados de mídia do mundo, a Time Warner Inc, obedeceu de joelhos e
cabeça baixa a essa pessoa ou grupo de pessoas. A aparição de Pepe Le
Gambá em Space Jam 2 foi cortada. E a empresa já anunciou que o gambá
não irá aparecer em nenhuma outra produção envolvendo os personagens de
animação da Warner. Foi assassinado aos 72 anos. Em sua lápide, poderiam
colocar a frase: “C’est une terrible tragédie, mon amour”.
Logo
que a Warner declarou sua decisão, apareceram alguns colunistas,
jornalistas e personalidades ditas “progressistas” apoiando o
cancelamento do gambá. Outras poucas vozes protestaram. Nunca houve uma
pesquisa de opinião sobre se Pepe Le Gambá era realmente um criminoso ou
se merecia outra chance. A vontade de seus canceladores, seja lá quem
fossem eles, foi acatada sem discussão. Agora, só falta retirar seus 18
desenhos animados dos catálogos de streaming. E das próximas edições em
DVD, blu-ray ou seja lá qual for a próxima mídia física. Como o Talibã,
destruindo templos cristãos e budistas, as patrulhas “woke” não deixam
pedra sobre pedra.
Snowflake e Safespace
A
Disney, rival da Warner, é outro campo de tiro livre para essas
patrulhas. Muito provavelmente seus boards decisórios estão
completamente aparelhados por canceladores de fala mansa e sorriso de
empatia no rosto. A voluptuosa Jessica Rabbit, do filme Uma Cilada para
Roger Rabbit, vai trocar seu figurino de estrela de Hollywood dos anos
1940 por uma roupa mais masculinizada de detetive. A roupa sexy da
princesa Leia (de Star Wars) foi retirada de catálogo. Mulheres
femininas estão vetadas.
Jessica Rabitt |
Parte
da corporação Disney, a Marvel virou um laboratório de experimentos
“woke”. Super-heróis que fazem parte da mitologia pop global há 60 anos
estão sendo abatidos sem piedade. O personagem Iron Man (Homem de Ferro)
virou uma mulher negra de cabelo afro chamada Riri Williams e agora
atende pelo nome de Ironheart. O Homem-Aranha não é mais Peter Parker.
Foi trocado pelo negro com sangue mexicano Miles Morales.
Riri Williams agora se chama Ironheart |
Jane
Foster, a namorada cientista de Thor, usou o martelo Mjolnir e se
tornou ela mesma a deusa do trovão, destruindo a milenar mitologia
nórdica no processo. A identidade secreta de Hulk deixou de ser nosso
velho conhecido Bruce Banner e agora atende pelo nome de Amadeus Cho, um
cientista de origem coreana. Eles poderiam simplesmente ter criado
novos personagens com essas características. Não era suficiente. Era
preciso destruir a herança deixada por Stan Lee, o grande gênio da
Marvel. Eles precisam arrasar nossos sonhos e memórias.
Jane Foster, a Thor mulher. |
A
criação “woke” mais radical da Marvel é um casal de super-heróis
dedicados a combater o bullying. Eles atendem pelos nomes de Snowflake e
Safespace. Que são dois termos (“floco de neve” e “espaço seguro”)
usados para definir uma geração marcada pela fragilidade e pelo medo de
enfrentar a idade adulta. Snowflake é uma menina que se veste de azul.
Safespace é um menino que se veste de rosa. Os dois usam o mesmo corte
de cabelo. São “não binários”. Ainda não se sabe se, ameaçados, correrão
com seus iPhones e iogurtinhos para debaixo do edredom. Snowflake e
Safespace fazem parte de um novo universo Marvel no qual só existe um
personagem branco — o vilão.
Snowflake e Safespace |
“Lendas
dos quadrinhos como Stan Lee e Hayao Miyazaki eram guiados pela sua
imaginação, não por conceitos e clichês políticos”, escreveu o professor
indiano Abhijit Majumder no site Firstpost. “Francamente, parece que os
(novos) personagens são criados numa linha de produção, tirados
diretamente do PowerPoint da equipe de marketing da Marvel, com o pé da
imaginação firmemente acorrentado a chavões como ‘diversidade’,
‘multirracial’ e ‘não binário’.”
O
problema dessa cultura de cancelamento é que ela tem porta de entrada,
mas não tem porta de saída. É uma rodovia expressa para o inferno da
ignorância e do autoritarismo. Eles impõem uma realidade que não faz
sentido fora das bolhas que frequentam. Hoje foi Pepe Le Gambá. Quem vai
ser amanhã? Que perguntas serão feitas por esses censores empoderados?
Por
que os zumbis de Walking Dead têm a pele escura? Tom e Jerry não
provocam a cultura do ódio? O elenco de Friends é adepto da supremacia
branca? A série chamada Mad Men não poderia ser trocada por outra
chamada Mad Women (ou Mad Non Binary)? 101 Dálmatas seria a glorificação
de uma raça pura (de cães)? Tarzan, esse velho símbolo do colonialismo,
não deveria ser substituído por um negro africano nativo? O Rei Leão,
título que simboliza o poder machista, não deveria ser cancelado e
substituído por uma Rainha Leoa? Mary Poppins não representa a submissão
profissional das mulheres? O Corcunda de Notre-Dame não seria uma
ofensa aos deficientes físicos?
São
perguntas estúpidas, todas elas. Mas provavelmente estão sendo
formuladas por essa elite oculta, disposta a transformar nossas vidas
numa chatice sem fim. Elas serão ouvidas por quem manda na cultura. E
provavelmente obedecidas em todos os detalhes nesse pesadelo “woke” que
estamos vivendo.
Eles
só agem em países democráticos. A ditadura do Partido Comunista chinês
anunciou que todos os personagens de games produzidos no país deverão
ter “gênero definido”. Basta que um único personagem não possa ser
identificado como homem ou mulher para que o projeto todo seja vetado.
Mas a China é respeitada pelos “wokes” por ser “anti-imperialista”.
“Wokes” não se importam com o que acontece em países regidos por
ditaduras. Danem-se as mulheres e os homossexuais do Irã. Eles têm
coisas mais importantes a fazer, como banir do mundo um gambá de sotaque
francês.
A
situação só tende a piorar, se não houver resistência. Enquanto essa
destruição for encarada como algo inevitável, vai continuar. É elitista,
artificial, contraditória ao máximo. Mas está se impondo e se
espalhando, alimentada por nosso silêncio.
“Esta
é a vingança da esquerda que não consegue se eleger”, resumiu Abhijit
Majumder no Firstpost. “Por meio de seu controle da mídia e da academia,
ela tem forçado sua agenda de constranger pelo menos a elite influente
para que seja desenraizada, desfigurando suas próprias raízes e cultura,
fundindo toda a diversidade em padrões, enfraquecendo a cola que une
nações e democracias.”
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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