Sir Paul Nurse (centro) com a rainha Elizabeth (2016). |
Paul Nurse, geneticista e Prêmio Nobel, lança o livro "O que é a vida - Compreendendo a Biologia em cinco passos". J. L. Sampaio para o Estadão:
Aos
13 anos de idade, Paul Nurse encantou-se com uma borboleta. Amarela e
trêmula, ele lembra, ela voava de um lado para o outro de uma cerca. Até
que uma sombra a assustou, fazendo com que voasse para longe, em busca
de refúgio.
Aos
52 anos, já um biólogo e geneticista reconhecido pelos seus pares,
professor da Universidade de Oxford, Nurse recebeu o Prêmio Nobel de
Fisiologia ou Medicina pela descoberta de moléculas de proteína que
controlam a divisão, ou duplicação, de células.
Nos
quase quarenta anos que separam o menino do profissional, Nurse
colocou-se constantemente uma mesma pergunta: o que é a vida? E aquilo
que descobriu está reunido no livro não por acaso batizado de O Que É a
Vida? – Compreendendo a Biologia em Cinco Passos, agora lançado no
Brasil pela editora Intrínseca em tradução de Livia de Almeida.
Os
cinco passos referem-se ao que Nurse chama de “cinco grandes ideias da
Biologia”: a célula, o gene, a evolução por seleção natural, a vida
enquanto química e a vida enquanto informação. A ideia, ele explica, é
“usá-las como passos que podemos dar, um de cada vez, para melhor
percebermos o modo como a vida funciona”.
À
primeira vista, pode soar como um tema de difícil compreensão – capaz
de evocar as memórias nem sempre felizes das aulas e provas de Biologia
na escola. Mas o livro se escreve como um romance, em que uma história
nos é contada. No caso, a história de como, com o tempo, a compreensão
sobre os seres vivos foi sendo desenvolvida e elaborada. De maneira
ágil, Nurse passeia pela história, mostra o momento em que estamos e o
que podemos esperar do futuro, tanto na pesquisa como em sua aplicação.
“Entender
o que é um organismo vivo é entender o que somos. O que o livro propõe
não é um estudo técnico, mas, sim, uma forma de compreensão do mundo”,
conta ele. “Fatos são aprendidos a todo instante e essa lista fica cada
vez maior. O importante, no contato com o público em geral, me parece
ser buscar colocar todos esses fatos em contexto. Pois sem transformar a
informação em princípios, em ideias mais amplas, perdemos o foco. E o
contato com o público. Essa é uma área em que podemos melhorar muito”,
completa.
Na
entrevista a seguir, ele fala ao Estadão sobre a gênese do livro,
lançado no ano passado na Inglaterra, o modo como ele ganhou sua forma
final e sobre temas atuais, como a relativização do conhecimento
científico e a desconfiança de certos grupos com relação a vacinas,
evidente durante a pandemia.
Como surgiu a ideia de escrever este livro?
As
livrarias estão cheias de livros de ciência destinados ao público em
geral, resumindo e apresentando as grandes ideias da Física, como a
Mecânica Quântica, por exemplo. Se na Física essa é uma prática comum,
no campo da Biologia, isso não acontece. Isso se dá talvez pelo fato de
que estamos sempre olhando para o futuro, pensando em como transformar a
Medicina, por exemplo, especulando sobre possibilidades, sobre coisas
que ainda não aconteceram, acreditando no poder do nosso campo de ajudar
a construir esse futuro. Mas isso não significa que não devemos
celebrar aquilo que nós já sabemos, o que já descobrimos, as ideias
centrais sobre nosso funcionamento, e apresentá-las em conjunto.
O
livro trata de questões técnicas específicas, mas, de alguma forma,
pode ser lido como um romance, há uma história sendo contada,
despertando a curiosidade. Em que medida essa foi uma preocupação
durante a escrita?
É
uma obrigação nossa tentar popularizar essas ideias, oferecendo um
olhar diferente sobre a vida. Entender o que é um organismo vivo é
entender o que somos. A Biologia é estudada nas escolas, e os leitores
provavelmente vão reconhecer termos e palavras sobre os quais precisaram
responder em provas e testes. Mas o que o livro propõe não é um estudo
técnico, mas, sim, uma forma de compreensão do mundo.
Em
diversos momentos do livro, a filosofia se faz bastante presente na
narrativa. E as ideias de pensadores como Aristóteles, Humboldt e Kant
se tornam importantes na compreensão da ciência da qual o senhor está
tratando na obra?
A
Biologia carrega um aspecto filosófico. Ela não é uma ilha e você se dá
conta disso quando olha com clareza a filosofia básica das coisas. A
presença de Immanuel Kant em um livro sobre Biologia pode gerar
surpresa, claro, mas é possível pensar a ideia de uma filosofia moral no
fato de estarmos vivos. Ter uma compreensão das ideias de Kant ou de
vários outros pensadores importantes pode ser fundamental para qualquer
biólogo.
O
senhor mostra como a membrana externa delimita o que está dentro ou
fora da célula, colocando uma ideia de limite e de como se dá a relação
entre o indivíduo e o ambiente em que vive. Poderíamos encontrar nesse
fato científico uma metáfora das próprias relações humanas, ou seja,
daquilo que é individual e como ele colabora com o coletivo?
Seres
vivos são marcados pela interação e essa interação ajuda a entender o
que é a vida. A interação entre indivíduos da mesma espécie, nesse
sentido, pode bem ser uma metáfora. Estamos falando da Sociobiologia, um
campo que nos últimos quarenta anos tem pensado a natureza biológica do
ser humano levando em consideração as relações humanas. E muitas das
descobertas nesse sentido têm de fato múltiplas implicações.
No
livro, o senhor chama atenção para a necessidade de entendermos a
Biologia como um conjunto de ideias e não apenas de fatos. Por quê?
Isso
é fundamental. Estamos afogados em dados, informações. E para mim essa é
a importância desse livro. Não se trata de um livro técnico, que
costuma ser uma lista de fatos. Pois fatos são aprendidos a todo
instante e essa lista fica cada vez maior. O importante, no contato com o
público em geral, me parece ser buscar colocar todos esses fatos em
contexto, tratando de ideias mais amplas sobre a química da vida.
Daquilo que é particular, dos detalhes, podemos partir em direção a
contextos mais amplos, nos quais se torna mais fácil discutir princípios
básicos da vida. Pois sem transformar a informação em princípios, em
ideias mais amplas, perdemos o foco. E o contato com o público. Essa é
uma área em que podemos melhorar muito.
O
livro é, em certa medida, uma defesa da ciência como ponto de partida
para transformações não apenas pessoais, mas também para questões como a
preocupação com o ecossistema, por exemplo. Vivemos, porém, em uma
época na qual a relativização do conhecimento científico é flagrante,
desde a crença de que a Terra é plana até a certeza de que há, nas
vacinas, pequenos chips que permitirão o controle das pessoas que forem
vacinadas. O que fizemos para chegar a esse ponto?
A
humanidade sempre pode ser um pouco estranha. O Iluminismo e a idade da
razão, claro, mudaram um pouco as coisas, permitindo que as pessoas
buscassem e entendessem a natureza do mundo. E, em geral, seguimos nesse
caminho. Mas sempre haverá a loucura de algumas pessoas. Isso,
acredito, não é novo. Mas as redes sociais acabaram colocando essas
pessoas em contato umas com as outras e isso fez delas uma força. E
precisamos estar atentos a isso. O exemplo do chip do qual você me conta
me parece impressionante, e há muitas outras teorias absurdas. E o caso
das vacinas é interessante, porque em outros momentos da história
também houve questionamento a elas. Enfim, não estaremos livres dos
aspectos mais ridículos da natureza humana. Mas é preciso que
continuemos a informar, a dar segurança às pessoas, da forma mais
educada possível, e com paciência, para não amplificar ainda mais aquilo
que é irracional.
Leia um trecho de 'O que é a Vida?'
“A
partir de uma perspectiva mais ampla sobre a vida, desenvolve-se uma
visão mais rica do mundo vivo. A vida na terra pertence a um único
ecossistema, imensamente interligado, que incorpora todos os seres
vivos.
Tal
conexão fundamental vem não apenas da profunda interdependência, mas
também do fato de que toda a vida é geneticamente relacionada por raízes
evolutivas compartilhadas. Essa perspectiva de uma relação profunda e
interligada é defendida há muito tempo pelos ecologistas. Tem sua origem
no pensamento do explorador e naturalista do século XIX Alexander von
Humboldt, que defendia que toda vida é ligada por uma teia holística de
conexões. Por mais inesperada que seja, essa teia é central à vida, e
deveria nos dar bons motivos para pensar com mais profundidade sobre o
impacto da atividade humana no resto do mundo vivo.
(...)
Se toda vida é parte da mesma árvore da família, que tipo de semente
deu origem a ela? De algum modo, em algum lugar, há muito tempo,
produtos químicos inanimados e desordenados se combinaram em formas mais
organizadas, capazes de se perpetuar, se copiar e, enfim, ganhar a
importantíssima capacidade de evoluir pela seleção natural. Mas como
essa história, que acabou sendo a nossa, teve seu início?"
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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