O “fascismo” é muito perigoso, sobretudo quando é imaginário. Quando é real, há uma forte hipótese de os comunistas o apoiarem. Contra nós. Via Observador, a crônica semanal de Alberto Gonçalves:
Nos
últimos dias, correu no Twitter o seguinte texto sobre os talibãs: “A
concretização da invencibilidade (enquanto um estiver vivo, haverá
resistência), da irmandade, da crença na bondade do que estão a fazer.
Se isto desculpa atrocidades? Não. Mas torna-os dignos de um segundo
olhar. E, para já, não houve atrocidades.” [corrigi os erros de
português]
Adivinhe
quem escreveu isto: a) Um talibã; b) Dois talibãs; c) Um discípulo de
Charles Manson; d) Charles Manson; e) Um comediante; f) Ninguém. A
resposta certa poderia ser qualquer das opções anteriores. Não é nenhuma
delas. A autoria desse momento apetitoso para a psiquiatria é uma
senhora que, ao que me disseram, é advogada e assina uma coluna no
“Expresso”. Uma investigação mais aprofundada, que me demorou cerca de
meio minuto, acrescentou que a senhora é do Bloco de Esquerda e aparece
em retratos sorridentes ao lado do dr. Costa. Em suma, o texto acima foi
escrito pelo exacto tipo de criatura que se esperaria que o escrevesse.
A
criatura em questão, aliás, não se satisfez com a primeira exaltação
dos talibãs e, a título de polimento, juntou-lhe esta: “Os talibãs
afirmam que actuarão de maneira diferente, que não haverá violência,
que, dentro da lei islâmica, respeitarão os direitos das mulheres.” Sei
que continua a parecer sátira. Sabemos que não é. Existem mesmo
espécimes que não resistem à sedução de um bando de selvagens devotos da
opressão, da tortura e da morte. Chamam-se comunistas e é indiferente a
estirpe a que pertencem.
A
tal senhora, que não nomeio para não publicitar trogloditas, não está
sozinha. Ao longo da semana, formal ou informalmente, surgiram por aí
inúmeras manifestações de relativização ou simpatia face aos talibãs. Do
PCP ao BE, passando pelas zonas menos envergonhadas do PS actual, não
se pouparam esforços para celebrar a derrota do “neoliberalismo” e a
tomada de Cabul pelas forças “progressistas” (cito um candidato
autárquico). E não, não estamos a falar de um daqueles movimentos
patetas que prescrevem a virgindade antes do casamento. Trata-se dos
talibãs, os bons e velhos talibãs das barbas e do surro, das castrações
públicas e da escravização das mulheres, dos genocídios literais e
simbólicos, que de resto já retomaram as tradições que os celebrizaram.
Não
há nada de novo. Se de um lado temos um psicopata a degolar infelizes e
do lado oposto um infeliz degolado, os comunistas nunca se baralham na
escolha. Lembram-se da última vez em que os comunistas hesitaram a
decidir entre o totalitarismo e a democracia? Aconteceu há oitenta anos e
apenas porque puderam opor-se a um regime assassino em prol de um
regime assassino similar. Caso os nazis não tivessem violado o pacto
germano-soviético, os comunistas negariam hoje o Holocausto com a ênfase
com que negam o Holodomor, o Gulag e a bestialidade que calhar.
Nem
sequer é fidelidade ao leninismo: é repulsa a tudo o que for suspeito
de índices mínimos de liberdade, decência e tolerância, o que em geral
coincide com os sistemas ocidentais. Talvez seja engraçado recordar que,
em 1996, os talibãs que os comunistas agora acarinham arrastaram pelas
ruas o cadáver amputado do sr. Najibullah, em tempos o matraquilho do
Kremlin na presidência do Afeganistão. As recordações abundam.
Recentemente, notei numa destas crónicas a infalível preferência dos
comunistas pela barbárie em detrimento da civilização. É facílimo de
acertar no Totobola dos tarados: Palestina vs. Israel – 1; Argentina vs.
Reino Unido – 1; EUA vs. Iraque – 2; Terrorismo vs. Humanidade – 1;
etc. Se repararam, limitei-me a referir situações em que o encanto dos
comunistas vai inteirinho para governos, grupos ou filosofias
inequivocamente f-a-s-c-i-s-t-a-s, louváveis logo que ameacem o que
merece ser preservado. Dos governos, grupos ou filosofias assumidamente
comunistas não vale a pena falar. Vale a pena constatar que, havendo
possibilidade de miséria e massacre, os camaradas não desiludem.
A
propósito, a senhora que reclama compreensão e “um segundo olhar” para
tresloucados aproveitou o espaço no “Expresso” para esclarecer: “Os
Talibãs, no que os opôs e opõe aos Estados Unidos, têm algumas razões
que devem ser ouvidas.” Embora lhes ouça as razões, a senhora não
aprecia os talibãs por eles próprios e sim por serem inimigos dos EUA e a
antítese do “espírito” que os EUA, e afinal o Ocidente em peso,
representam. O evidente fervor sanguinário é despiciendo se comparado
com o abençoado ódio ao mundo em que vivemos – nós e, inexplicavelmente,
fanáticas do calibre da tal senhora.
É
isto que custa entender, a insistência dos talibãs de trazer por casa
em frequentar sociedades que detestam. Conheço (à distância, salvo seja)
poucos comunistas que se mudaram da Europa ou da América do Norte para
Cabul, Gaza, Caracas ou Pyongyang. Nem sequer nas férias. A que pretexto
andam por cá a suportar o imperialismo, o materialismo, o consumismo, o
neoliberalismo, o machismo, a homofobia e os abusos climáticos se
podiam viver felizes num dos paraísos alternativos à disposição? É
verdade que Portugal está a aproximar-se rapidamente dos paraísos, mas
ainda falta um bocadinho.
Alguns,
talvez apressadamente, sugerem que os comunistas não se vão embora na
medida em que gostam de usufruir das vantagens do capitalismo e,
altruístas, deixar que outros sofram as maravilhas de um despotismo a
sério. É uma teoria. A minha teoria é diferente: os comunistas
permanecem aqui para, altruístas, nos alertar acerca dos perigos do
“fascismo”. O “fascismo” é muito perigoso, sobretudo quando é
imaginário. Quando é real, há uma forte hipótese de os comunistas o
apoiarem. Contra nós.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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