No último dia 09/08, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) lançou seu mais recente relatório, o relatório AR6 WG1.
O documento trata das causas das alterações climáticas e foi categórico
em dizer que precisamos de ações significativas para conseguirmos
manter o aquecimento da Terra em até 1,5ºC até 2030- se não quisermos
presenciar cenas piores do que aconteceram, por exemplo, na Grécia, na
Argélia, na Turquia, nos EUA, no Brasil, na China, nas últimas semanas.
Dado o atual contexto político e econômico, e a escassa ação das
lideranças políticas e empresariais, somado à ascensão de governos
negacionistas, o relatório reconhece a dificuldade de se conseguir um
cenário de emissões zero no tempo necessário, mas reforça a necessidade
da ação dos tomadores de decisão nesse sentido.
Como destacado no relatório Fios da Moda: Perspectivas Sistêmicas Para Circularidade, lançado em fevereiro deste ano pelo Instituto Modefica em parceria com o Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas (FGVces) e a consultoria para moda circular Regenerate Fashion,
a moda é responsável por cerca de 4% das emissões globais de gases de
efeito estufa (GEEs), o que equivale ao total de todas as emissões da
França, Alemanha e Reino Unido combinadas. Cerca de 70% desse total são
emitidos durante as atividades classificadas como upstreams, que são as atividades necessárias para a composição de um produto, como processamento de materiais e produção.
Nesse sentido, o relatório Fios da Moda faz
uma análise dos impactos ambientais da produção das três
matérias-primas mais utilizadas na indústria têxtil e de confecção
brasileira: algodão, poliéster e viscose - e destaca como cada uma
dessas fibras contribui negativamente para o colapso climático,
sobretudo por conta do volume produtivo e formas de produção desses
materiais. A publicação destaca as emissões da extração do petróleo para
a produção de poliéster, bem como a pressão que a produção brasileira
de algodão e viscose, em esquemas de monoculturas e uso intensivo de
agrotóxicos, exerce sobre biomas importantes para o equilíbrio
climático, como o Cerrado.
Na
esteira da publicação do IPCC, e reconhecendo seu papel de grandes
contribuintes para o aquecimento global, diversas empresas da moda
lançaram planos de emissão zero por vias de compensação de carbono.
Entretanto, o relatório do IPCC destaca a necessidade de redução
de emissões, algo que tem se mantido de fora das ações das principais
empresas da moda. A compensação de carbono - o que faz uma empresa se
autoproclamar carbono neutro - se dá por meio de compensar por vias
diversas as emissões. “É um toma lá, dá cá. Uma equação de resultado
zero, significa que não saímos do lugar”, comenta Marina Colerato,
diretora do Instituto Modefica. “Além disso, há uma série de problemas
com os esquemas de compensação de carbono em se tratando de justiça
social e climática, demonstrando que os esquemas de compensações, muitas
vezes, são mais um nicho de mercado do que uma ação efetiva para
combater a crise climática”, alerta Colerato.
No
topo disso, enquanto algumas empresas estão se dando prazos como 2050 e
2060 para compensar suas emissões na totalidade, a demanda do mundo
real tem outro tempo: o IPCC é enfático em dizer que precisamos de
redução das emissões e que precisamos fazer isso no prazo de 5 ou 10
anos, no máximo. “Não só as empresas estão indo pelo caminho da
compensação, e não da redução, como estão se auto concedendo um prazo
completamente fora da realidade. Não temos até 2050 ou 2060, e não é só o
relatório do IPCC que está dizendo, é a própria Terra. Basta olharmos
as notícias do último mês, onde parte do globo pegou fogo e outra parte
foi inundada, para vermos que as ações precisam ser para ontem. Falamos
de alteração climática há pelo menos 40 anos, as marcas já tiveram
bastante tempo para se adaptar. Agora não temos mais 40”, completa a
diretora.
O mais importante: o relatório Fios da Moda
mostra como produções alternativas, sobretudo do algodão, bem como
incentivos para reciclagem têxtil, podem contribuir positivamente para
as reduções de emissão. O uso do algodão agroecológico reduz em até 46%
as emissões de gases de efeito estufa enquanto a utilização de poliéster
reciclado significa um decrescimento de 25 a 75%, dependendo do tipo de
tecnologia empregada. “Temos alternativas que vão desde implementação
de novos modelos de negócios, menos dependentes da superprodução e do
consumismo, assim como temos alternativas de produção que podem ser
escalonadas se receberem incentivos sistemáticos, tanto por parte dos
governos quanto das empresas”, finaliza Colerato.
Por
fim, as perdas econômicas relacionadas às mudanças climáticas são
significativas para todos os setores, com destaque para o agronegócio
brasileiro (cujo algodão é carro chefe junto com a soja e o milho) - que
representa 26,6% do PIB nacional e que já sente perdas bilionárias pela
mudança do clima. Se não pelo âmbito ético e moral da responsabilidade
compartilhada, as perdas econômicas devem ser uma força motriz para as
tomadas de ações. No mundo, as perdas podem chegar a 10% do valor
econômico total até a metade do século.
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