Porque é que os dirigentes parecem todos maus face à pandemia? Porque é que há tanta gente convencida que tem a solução para a crise? Porque é que o seu vizinho acredita em teorias da conspiração? Pilar Casquilho para o Observador:
Estes
2 anos de pandemia têm despertado reações e comportamentos extremados,
que têm levado a debates mais ou menos acesos. Porquê? Vamos olhar para
alguns destes fenómenos.
Comecemos
pelas reações ao uso das máscaras ou ao distanciamento físico: porque é
que tanta gente tem dificuldade em aceitar os gestos de proteção?
As ciências do comportamento destacam quatro razões:
1. A percepção distorcida das possibilidades
O
ser humano sobrestima as probabilidades quando são elevadas e
subestima-as quando são baixas: um risco de 2% é percepcionado ao mesmo
nível que um risco de 0,01% − para nós, é irrelevante.
Quando
estimamos a probabilidade de um acontecimento, apoiamo-nos na
«relevância»: o número de casos que nos vêm espontaneamente à cabeça.
Assim, enquanto não conhecemos ninguém afetado pelo vírus, o risco para
nós é percepcionado como ínfimo. Em contrapartida, quando ele começa a
fazer vítimas entre os nossos conhecidos, entre celebridades ou mesmo
entre “amigos de amigos”, a nossa perceção do risco aumenta
exponencialmente…
2. A difícil projeção pessoal no futuro
O
nosso cérebro não faz qualquer distinção entre o “eu mesmo num futuro
distante” e “outra pessoa qualquer, no futuro”. Por isso, enquanto um
risco imediato nos aterroriza (por exemplo, a roleta russa), um risco
diferido deixa-nos normalmente indiferentes, sobretudo se for
percepcionado como pouco provável (as “coisas más” só acontecem aos
outros).
3. Os hábitos são mais fortes do que as opiniões
São
os nossos hábitos que determinam as nossas opiniões iniciais e não o
contrário. Quando ainda não se usava cinto de segurança nos automóveis, a
maioria das pessoas achava que eram inúteis, até perigosos. Quando o
seu uso se tornou obrigatório, forçando a mudança de hábitos, as
opiniões inverteram-se…
4. A prevalência da norma social
São
os comportamentos dos nossos próximos que determinam os nossos. Quem
adota um comportamento desviante é rapidamente sancionado pelo resto do
grupo – frequentemente com zombaria: sentir-se “gozado” é, muitas vezes,
quanto basta para abandonar o comportamento.
Há uma segunda reação que vale a pena aprofundar: porque é que os dirigentes parecem todos maus face à pandemia?
Os
decisores de todo o mundo têm sido recorrentemente acusados de não
fazer o suficiente, de agir demasiado tarde ou de tomar medidas
contraditórias.
Convenhamos, é no mínimo bizarro que todos os dirigentes façam sistematicamente pior do que o mais comum dos cidadãos…
Uma
explicação é dada por um fenómeno conhecido em psicologia social sob o
nome de “viés retrospetivo” – que traduzimos simplesmente por “eu sempre
soube!” Trata-se da nossa tendência para percecionar os acontecimentos
passados como muito mais previsíveis do que na realidade eram quando
tiveram lugar.
Este
viés desencadeia também uma deformação das nossas memórias: acreditamos
genuinamente que já tínhamos previsto, desde o primeiro instante, como
tudo iria passar-se – sobretudo face a acontecimentos negativos, cujas
consequências são pesadas, como é o caso desta pandemia.
Em resumo: não conseguimos impedir-nos de analisar as decisões de ontem à luz das informações que temos hoje!
Em matéria de curiosidade, é possível que já lhe tenha ocorrido uma outra questão: porque é que há tanta gente convencida que tem a solução para a crise?
A
crise que atravessamos é de uma enorme complexidade: no entanto, uma
imensidão de pessoas, a priori nada qualificadas, está convencida de que
possui a solução genial que terá escapado aos especialistas do mundo
inteiro. A prova? Já ouviu com certeza o “Ora, bastava….” ( …«distribuir
cloroquina a toda a gente”, “testar toda a população”, “fazer como a
Suécia” ou “endurecer as medidas de confinamento”…)
Essa
ingenuidade explica-se pelo efeito de Dunning-Kruger. De que se trata?
Quando ignoramos tudo sobre um assunto, temos poucas ideias formadas. Da
mesma forma, quando dominamos uma disciplina e apreendemos toda a sua
complexidade, voltamos a ter poucas certezas. O problema coloca-se
quando, por exemplo, uma reportagem nos apresenta um fragmento de
informação – e nos dá o sentimento ilusório de ter compreendido o
assunto na totalidade. Ora, quanto menos compreendemos um assunto, menos
temos consciência de que tudo nos escapa. É aí que cometemos graves
erros de julgamento, sem duvidarmos de nós por um instante sequer.
O que nos ensina este efeito, é que há bem pior do que a ignorância: a ilusão do conhecimento!
E terminamos com outra pergunta provocadora: porque é que o seu vizinho acredita em teorias da conspiração?
As
sondagens realizadas em todo o mundo mostram que uma em cada seis
pessoas acredita que o vírus SARS-CoV-2 foi fabricado intencionalmente.
Estando as teorias da conspiração muito difundidas entre pessoas menos
qualificadas, é tentador ver nelas um sinal de falta de inteligência.
Mas a verdade é que, enquanto seres humanos, todos temos necessidade de
encontrar um sentido para os acontecimentos que nos ultrapassam. É um
fenómeno denominado “necessidade de fecho cognitivo” (cognitive
closure).
Face
a uma catástrofe, não aceitamos a pluralidade das causas nem o papel do
acaso: precisamos de uma história simples, com “bons” e “vilões”. Nas
classes mais altas, acusam-se os responsáveis políticos; nos meios
populares, os “maus” da história são anónimos supostamente poderosos
(estrangeiros, serviços secretos, bancos, laboratórios farmacêuticos).
Ao alívio de dar um sentido ao acontecimento junta-se a satisfação de
frustrar as “mentiras escandalosas” da classe dominante.
Portanto,
o seu vizinho não terá provavelmente razão, mas não é um idiota. Tem
apenas necessidade de encontrar um sentido e não aderiu à mesma história
a que você aderiu!
Julgar
é não compreender: quando compreendemos, já não conseguimos julgar. É
talvez o maior desafio destes tempos: com tudo o que aprendemos, que
aprendamos a compreender!
blog orlando tambosi
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