Em "Arrancados da Terra" o historiador e escritor brasileiro Lira Neto traça a errância dos judeus sefarditas portugueses. Desde que foram expulsos por D. Manuel I até ao momento em que se fixaram em Manhattan. Joana Emídio Marques para o Observador:
No
dia 1 de maio de 2012, o presidente norte-americano Barack Obama
entregava aos jornais uma declaração sobre os judeus do Recife (de
origem portuguesa) que estiveram entre os fundadores da cidade de Nova
Iorque. “Há 358 anos, um grupo de 23 refugiados judeus fugiu do Recife,
Brasil, acossado pela intolerância e opressão. Para eles, a fuga marcou o
fim de mais um capítulo de perseguição para um povo que vem sendo posto
à prova desde o momento em que passou a professar a sua fé (…)”.
Obama
prossegue, explicando como em Nova Amesterdão (hoje Nova Iorque) estes
23 judeus encontraram “um porto seguro” e as “sementes da liberdade”.
Uma busca no Google mostra como entre nós passou quase incógnito este
pequeno-grande acontecimento: o reconhecimento da comunidade de judeus
sefarditas de origem portuguesa, na génese da história da mais
importante cidade americana. No mesmo dia, Obama aterraria em Cabul,
numa visita surpresa ao Afeganistão, acontecimento abundantemente
noticiado. Estará esquecido o papel que os sefarditas tiveram na
cultura, na economia e na construção identitária de Portugal e Brasil?
Trezentos
anos de Inquisição, um lento progrom, um lento holocausto parecem ter
conseguido fazer com que os portugueses recalcassem a sua herança
judaica. Efetivamente, publicam-se dezenas de livros com a palavra
“Auschwitz” na capa, fazem sucesso todos os filmes sobre o nazismo, os
campos de concentração criados por Hitler, mas continuamos a saber pouco
sobre a história judaica portuguesa.
![](https://s3.observador.pt/wp-content/uploads/2021/08/13092223/arrancados-da-terra-editoraobjectiva-penguinrandon-house.jpg)
Arrancados
da Terra, de Lira Neto, publicado pela editora Objectiva/Penguin Random
House, é um convite aos portugueses para conhecerem a sua história e a
sua herança judaica
Mas
na História macro e micro, como no nosso inconsciente — essa coisa
fabulosa descoberta pelo judeu Sigmund Freud — tudo o que é recalcado
retorna mais tarde ou mais cedo, de forma direta ou distorcida. Regressa
como salvação ou culpa, mas regressa. No nosso caso, foi o ADN que
tramou o recalcamento e o desinteresse generalizado.
Essa espiral da vida da Terra manteve o rastro que a memória apagou: em 2008, um estudo publicado no New York Times
indicava que 20% dos habitantes da Península Ibérica tinham ADN
sefardita contra apenas 11% de ADN árabe e berbere, o que contrariava
bastante a nossa mitificada “origem árabe”. Outro estudo, publicado no American Journal of Human Genetics,
no mesmo ano, dava conta que 35% dos homens no Sul de Portugal e 25% no
Norte têm genes judeus sefarditas. Mais recentemente, pesquisas
genéticas feitas em homens, nas aldeias do distrito de Bragança,
revelaram indivíduos cujo ADN tinha mais semelhanças com um israelita do
que com um português, isto vários séculos depois do édito de expulsão
feito pelo rei D. Manuel I, das conversões forçadas e das fogueiras
inquisitoriais. Pesquisas mais recentes só têm vindo a confirmar estes
dados, bem como a força desta diáspora de um povo que terá chegado à
Península Ibérica durante o império Romano, terá permanecido durante as
ocupações árabes e voltado a permanecer perante as tentativas de
expulsão visigóticas até ter uma situação ora favorável ora desfavorável
consoante o rei que reinasse em Portugal.
Isto
indica-nos também que o cripto-judaísmo era bem maior do que se
pensava, que a maioria dos sefarditas se tornaram cristãos-novos e por
cá ficaram, misturando-se bastante com os cristãos velhos, mas também
continuando a casar entre si, a varrer a rua na direção da porta de
casa, a lavar a carne antes de a cozinhar, a matar os animais com um só
golpe e a verter o sangue na terra, a acender velas ao pôr-do-sol de
sexta-feira. Muitos outros desligaram-se da religião e esqueceram mesmo a
sua origem. Porém, como o escritor francês Pascal Quignard, escreverá a
certa altura, no livro Vida Secreta: “Os judeus portugueses
esqueceram-se porquê, mas o seu corpo não”.
Arrancados
da Terra é uma obra que nos leva através da vida do judeu sefardita
Menasseh Ben Israel (filho de cristãos-novos portugueses torturados pela
Inquisição e refugiados na Holanda), numa errância entre Lisboa,
Amesterdão, Recife e Nova Iorque, em busca da terra prometida. O livro
foi escrito na cidade do Porto, e parte das investigações feitas na
Torre do Tombo, em Lisboa, e em Amesterdão, na Holanda. Lira Neto
arrancou-se a si e à família do Brasil de Bolsonaro e veio viver para
Portugal, em 2018. Esta obra, que, começou por ser um projeto sobre a
figura de Maurício de Nassau, o holandês que governou a região do
Recife, no estado de Pernambuco, depois da invasão holandesa em 1637,
acabou por conduzir Lira até às suas próprias origens sefarditas no
Ceará. A decisão de escrever sobre a diáspora dos judeus expulsos de
Portugal e os cristãos-novos fugidos da Inquisição, tomou-a, em 2017,
quando os seus pés assentaram no chão do cemitério de St. James Place,
em Manhattan, o primeiro lugar onde se enterraram os homens e mulheres
da nação hebraica que, em 1654, terão desembarcado em Nova Iorque vindos
do Recife, e que Obama homenageou, em 2012, sob o nosso manto de
silêncio.
O
cemitério de St. James Place é um dos poucos vestígios dessa aventura
ainda envolta em brumas. Uma saga que, caso seja considerada, permite
estabelecer uma ligação directa entre as fogueiras da inquisição na
Península Ibérica, a opulência da época de ouro nos Países Baixos, as
guerras sangrentas no chamado «Brasil holandês» e os primórdios da
cosmopolita Nova Iorque. Como pano de fundo de toda essa trama sobressai
a vida eternamente à deriva dos que, para fugir à morte, se lançavam
para os confins de outras terras e o desconhecido de novos mundos”.
[Arrancados da Terra, pag.24]
Da
pura impossibilidade de se pensar num assunto à sua chegada à linguagem
e à visibilidade distam, por vezes séculos, circunstâncias, discursos,
formas de olhar e de uma cultura arrumar o que lhe é incómodo. Lira Neto
vai a contrapêlo das tendências e da colonização do nosso olhar
coletivo feita pelo cinema americano sobre a II Guerra Mundial e por uma
literatura de intuitos meramente comerciais, os tais romances
históricos tão em voga no nosso tempo. Espantado com tantas montras e
escaparates cheios de livros supostamente sobre Auschwitz, nas livrarias
portuguesas, Lira Neto não teme em afirmar que a maioria destas obras
“não têm qualquer valor ou fundamento científico e distorcem a história
em favor de objetivos comerciais”. Porém, eles vendem-se, e muito.
Em
Portugal, o escritor diz ter “encontrado umas duas dezenas de bons
estudos sobre a história dos sefarditas”, mas reconhece “que é pouco”
face à quantidade de material disponível à espera de ser estudado.
Porque abre margem para investigações cada vez mais mais aprofundadas. O
arquivo da Torre do Tombo é um mundo a ser explorado. Existe ali um
manancial de documentos e muito pouco deles explorados, há ali material
de trabalho para uma vida inteira”, diz o historiador e ex-jornalista
brasileiro, em entrevista ao Observador.
Outra
das coisas que diz tê-lo chocado foi o facto de a História de Portugal
que se ensina nas escolas, nomeadamente a história dos Descobrimentos,
“anular totalmente a importância e o papel dos judeus nas Descobertas”.
Com duas filhas adolescentes a estudar nas escolas portuguesas, o
escritor apercebeu-se de como Portugal “continua a não assumir a sua
dificuldade e a sua violência para com o outro, o diferente, sejam os
judeus ou os negros. Não só o papel dos judeus continua a ser apagado, e
sem eles, sem o dinheiro e a ciência deles, talvez nem tivessem havido
as grandes navegações”. Recentemente, conta ter lido num jornal
português a pergunta ‘O Colonialismo foi um crime?’: “Tentei discutir
isto com um renomado académico português que rejeitava que o
colonialismo português tenha sido um crime ‘porque levou o iluminismo a
estes povos’. E pensei: não acredito no que estou a ouvir. Há de facto,
na academia portuguesa e fora dela, muita cautela, muito remorso e muita
culpa face às questões raciais da sua história”.
Sefarditas controlavam o tráfico de escravos no Recife |
A isto junte-se o facto de, os currículos de Língua Portuguesa do ensino secundário, não ensinarem que o poeta renascentista, Bernardim Ribeiro, era um marrano, cristão-novo, que professava secretamente o judaísmo, e também não ensinarem que a novela Menina e Moça é uma obra cabalística, como o académico e ensaísta Helder Macedo, provou, já nos anos 70, com o a sua investigação publicada no livro O Significado Oculto da Menina e Moça. Também nos cursos de Psicologia e Medicina ainda se ignora a figura de Luís Filipe Montalto, judeu português, médico de Catarina de Medicis e precursor da Psiquiatria, embora a Universidade Nova tenha estado a levar a cabo uma profunda e pioneira investigação sobre o trabalho de Montalto, e já existam vários livros publicados sobre a sua obra. Mas tudo isto são sintomas do que Lira Neto chama “pisar ovos na história” e que quer agitar com este seu livro.
Arrancados
da Terra não faz uma hagiografia dos sefarditas, enfrenta factos menos
honrosos para esta comunidade, como a sua incapacidade de lidar com os
que a criticaram por dentro, como Menasseh Ben Israel, Uriel da Costa ou
Bento de Espinoza, a sua participação no tráfico de escravos de África
para as Américas, ou a forma como se foram unindo ao poder que melhor
servisse a sua causa. Lira Neto foi colhendo vestígios de uma história
quase invisível, pelo meio destrói as utopias consoladoras e lisas que
Portugal construiu sobre o seu passado, para falar de uma questão que
extrapola a Lusitânia, os judeus, os holandeses, as guerras, as jogadas
políticas e económicas: a situação intemporal dos refugiados, dos
migrantes, dos que têm que sair ou são arrancados da sua terra, da sua
casa e têm que partir, ficando numa situação de absoluta fragilidade
social.
“Creio
que o grande tema deste livro é a situação de todos os migrantes,
refugiados, proscritos. É discutir a intolerância e o preconceito. Esta
obra, dentro da minha produção historiográfica, é aquela que mais recua
no tempo mas, paradoxalmente é aquela que mais se aproxima das questões
urgentes da experiência contemporânea. O conflito que Menasseh
experimenta, ao publicar livros que afrontam a comunidade judaica
portuguesa de Amesterdão, é o mesmo conflito que os judeus enfrentavam
em Portugal. Ou seja, o conflito por se tentar pensar de forma
diferente, pelo facto de se expressar de forma diferente. Enfim, porque,
em todos os tempos e lugares, quando se é ‘o outro’, o estranho, o
estrangeiro, passa-se a ser estigmatizado, perseguido, isolado. Mesmo
quando se fala da suposta ‘tolerância’ com que os hebreus portugueses
foram recebidos em Amesterdão, isso é muito relativo”, nota o autor.
“Essa ‘tolerância’ estava muito ligada ao facto de os sefarditas
dominarem o comércio marítimo com o Oriente, terem muito dinheiro e
serem bastante bons nos negócios.
Quando
a Holanda os incita a partirem para o Recife recém conquistado, não
deixa de pedir que ‘não mandem para lá judeus pobres’. O dinheiro, mais
do que a religião é a questão de fundo que explica uma parte desta
história, é ele que está subjacente ao discurso e à demonização deste
povo. A própria Inquisição era uma máquina que o se mantinha à custa do
confisco dos bens dos prisioneiros, judeus ou não. Assim, a igreja
católica não caçava apenas os que cultuavam o judaísmo em segredo, ela
era uma máquina de fabricar judeus. Bastava ter bens para se ficar
debaixo do olho inquisitorial.”
Num
texto escrito para o congresso sobre Agustina Bessa-Luís, em 2018, a
filósofa Maria Filomena Molder fala sobre Uriel da Costa, esse exemplar
da vida humana que ao pensar contra o seu tempo, é excomungado, pisado,
levado ao suicídio, mas que “fez face ao dia”. Ou seja, aceitou o
desafio de pensar contra o seu tempo. Uriel, que Agustina resgatou das
trevas, tal como Lira Neto resgata, neste livro, o rabino e editor
Menasseh Ben Israel. Ambos atreveram-se a pensar e a viver contra as
leis judaicas, criticaram o seu fechamento ao pensamento e à ciência,
atreveram-se a ignorar o poder dos rabis e as normas estritas da sua
comunidade, quiseram debater o espírito do tempo. O mesmo fez Padre
António Vieira, a quem chamavam “o judeu do Brasil”, e que tentou, junto
do rei D. João IV, que Portugal recebesse de volta os sefarditas
expulsos por D. Manuel I e sonhou com o Quinto Império. Todos eles
pagaram caro esse atrevimento, mas todos eles fizeram “face ao dia”.
Estes
três homens encontram-se no livro Arrancados da Terra como exemplo dos
que sacrificam as suas vidas, e até os seus corpos (Uriel foi apedrejado
e pisado à porta da sinagoga de Amesterdão, Vieira esteve vários anos
preso) em nome do pensamento livre, da justiça humana. “Vieira, para
além de um grande estilista da língua portuguesa, são dele ainda jovem
as primeiras descrições da invasão holandesa do Brasil. E que vivacidade
naquela narrativa absolutamente cinestésica, em que nos faz ouvir os
tiros, ver o povo em fuga pelo sertão adentro. Porém, eu exploro aqui
uma faceta menos conhecida dele que é a de homem político. Conselheiro
do rei D. João IV ele aconselha-o a entregar Pernambuco aos holandeses
pois o reino depauperado não teria como suportar uma guerra com os
neerlandeses. Depois, de forma visionária, mas absolutamente atrevida,
tendo em conta que ele era um jesuíta, vai propor ao rei que chame de
volta os judeus sefarditas, porque só eles, como o seu dinheiro,
negócios e controlo do comércio de açúcar e especiarias, poderiam trazer
ao reino o antigo poder. O rei não aceita”, explica Lira Neto.
No
livro podemos ver o padre António Vieira a liderar, da embaixada à
Holanda, para tentar restabelecer o entendimento com Portugal, conhece
Menesseh Ben Israel (cujo pai, Gaspar Rodrigues Nunes fora torturado e
condenado pela Inquisição, em Lisboa) e ambos vão encetar um diálogo
profícuo, pois ambos compreendiam a proximidade que há entre o
cristianismo e o judaísmo e, sobretudo, como na Península Ibérica essas
duas culturas confluíram e se inter-influenciaram profundamente. Ambos
escreverão livros polémicos sobre isso.
Só
um povo profundamente marcado pelo judaísmo poderia ter esperado tantos
Messias: D. Sebastião, o Quinto-Império, Salazar e, atualmente, Jair
Bolsonaro, no Brasil. “Que ironicamente tem como nome próprio Messias”,
lembra o escritor Lira Neto. A forte cultura de raiz messiânica de
Portugal é o melhor exemplo da influência dos mais de mil anos de
presença hebraica em terras peninsulares. Embora supostamente acredite
que Cristo é o Messias, a verdade é que Portugal não cessa de procurar o
homem providencial, o que restaurará uma nova idade do ouro. Esse
messianismo foi exportado para o Brasil e Lira Neto vê em Bolsonaro uma
representação desse arquétipo lusitano. Arrancados da Terra é, por isso,
um livro que nos lembra o que faz a criação de uma cultura assente nas
perseguições, no medo, na separação entre gente de bem e gente de mal.
Uma cultura assente na delação, na denúncia do vizinho, do familiar e
como é fácil para um povo, um país cair nas mãos dos homens
providenciais, os que inevitavelmente usam a tática de “dividir para
reinar”.
O
rabino e editor Menasseh Ben Israel é a personagem central deste livro,
que começa em Lisboa, com a prisão e tortura de Gaspar Rodrigues Nunes e
Filipa Rodrigues, cristãos-novos que administravam um pequeno negócio
de venda de pregos. A descrição das torturas que sofreram antes de serem
condenados é de uma fisicalidade asfixiante. Podemos ouvir os ossos a
partir, os nervos e as articulações a cederem sob a máquina que ia
supliciando os corpos até deles obterem uma confissão ou uma denúncia.
“Quando cheguei a Amesterdão perguntei-me: como seria para um
cristão-novo português chegar aqui no século XVII? E fui investigar. Li
que o ar recendia a peixe, e quis colocar isso no livro. Trabalhar as
texturas, os símbolos”. Assim, para além da perseguição aos judeus
podemos perceber como viviam os corpos adestrados, domesticados pelo
medo, os corpos que fugiam e morriam ao passar a linha do Equador pois
não suportavam o calor e a humidade ou estavam demasiado fracos para a
viagem. Podemos sentir o que é o poder voltar a andar nas ruas em
liberdade, como sentiram os judeus quando chegaram a Amesterdão, e foram
recebidos por uma nação Calvinista que lhes dava liberdade de erguer
uma sinagoga, assumir nomes hebraicos. Ou, mais tarde, depois da chegada
da Inquisição ao Brasil, como terá sido chegar a Nova Iorque e andar
sem medo junto ao grande muro (futura Wall Street), erguer de novo uma
sinagoga, ensinar hebraico aos filhos.
Na
Europa da terceira década do século XXI, quando o anti-semitismo
renasce em força, e se tentam destruir estátuas de homens como o padre
António Vieira, o livro de Lira Neto vem-nos lembrar que o Ocidente é um
caldo de utopias, mitos, passagens secretas, vizinhanças imprevistas,
misturas que deram lugar à grande arte, ao pensamento, ao
desenvolvimento da ciência, da técnica e do humanismo. Colocando a sua
atenção no que permanece como o “não-dito” da História, procurando nas
entrelinhas de cada exemplar da vida humana, um símbolo para pensarmos a
contemporaneidade à luz do passado, testemunhando a passagem pela Terra
de tanta gente anónima, que teve um papel relevante no mundo, ele
permite-nos mudar o nosso esquema percetivo sobre o nosso passado, sobre
as zonas de conforto que criámos, como se ele não fosse algo em
permanente mutação.
A
futura trasladação para o Panteão Nacional dos restos mortais de
Aristides Sousa Mendes deve servir, não para nos enganarmos fingindo que
fomos muito bons porque um homem só ajudou os judeus fugidos da
Alemanha Nazi, mas para nos perguntarmos porque é que, como povo,
aceitámos trezentos anos de Inquisição no nosso solo, e com ela a morte e
a mutilação de centenas de milhares de homens e mulheres judeus
sefarditas. Numa entrevista que deu à revista Sábado, Lira Neto, lembra
que “não se pode confundir o povo judeu com o estado de Israel e os seus
políticos”, uma vez que a questão palestiniana parece ser o rastilho
para o renascer do anti-semitismo na Europa.
Hoje
que, pelos estudos genéticos se torna cada vez mais evidente que os
portugueses, como os brasileiros, não são raças puras mas uma mistura de
judeus, berberes e escravos negros, e que o sangue, anterior às
palavras e às leis nos dá pistas para um novo humanismo, que aceita
discutir e pensar o que é diferente, é urgente ler este livro, que na
capa ostenta não uma criança de pijamas às riscas, não uma estrela
amarela, mas a figura de um judeus errante, o símbolo da editora fundada
por Menasseh Ben Israel. E os livros ontem como hoje continuam a ser a
grande fonte da descoberta da alteridade, da empatia, da desordem.
A
Edição brasileira de Arrancados da Terra conta com mais 70 páginas de
notas de rodapé e bibliografia. Na edição portuguesa essas 70 páginas
foram suprimidas, mas as notas estão devidamente assinaladas e a sua
explicação pode ser consultada aqui.
blog orlando tambosi
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