O ex-governador de Nova York não entendeu os novos tempos. Vilma Gryzinski para a edição impressa de Veja:
Em
qualquer ambiente onde mulheres e homens convivam, duas coisas são
certas: tensão sexual em graus variados e fofocas sobre quem está
envolvido com quem, principalmente se uma das partes desse envolvimento
ocupar posição de chefia. Muito antes de qualquer filtro institucional
detectar comportamentos indevidos, a rádio corredor já terá todas as
informações relevantes — e as irrelevantes também, pois nada é mais
humano do que comentar da vida dos outros, idealmente em todos os
detalhes. Como é possível que homens em posições de grande autoridade,
as quais conquistaram não sendo ingênuos ou fora de sintonia com a
realidade circundante, ignorem esses fatos da vida?
Provavelmente
porque, além de corromper, o poder também cegue. O caso de Andrew
Cuomo, que renunciou diante da certeza de que sofreria impeachment e
seria destituído pela Assembleia Estadual de Nova York por múltiplos
casos de assédio sexual, foi um dos maiores exemplos dessa sensação de
invulnerabilidade que beira o delírio. Cuomo não só nasceu numa dinastia
política como foi procurador-geral, conhecendo, portanto, intimamente
como são feitos os escândalos e os processos judiciais. Sabia muito bem
que qualquer promotor de Nova York, diante de um caso de grande
projeção, enfia os dentes até o osso para não deixar nenhum bambambã se
safar de alguma encrenca em que tenha se metido — e não é preciso nem
ter lido A Fogueira das Vaidades, o livro de Tom Wolfe sobre a derrocada
de um operador de Wall Street que se enrosca com a lei, para ter
consciência disso. E, no entanto, persistiu nos comportamentos abusivos,
enquanto publicamente criava programas de combate à violência sexual e
promoção da igualdade de condições para as mulheres. Um dos pacotes até
exagerava, do ponto de vista mais conservador, na facilidade de
condições para mulheres abrirem processos por discriminação. Criar um
ambiente de trabalho mesmo que “parcialmente hostil” era uma delas.
Progressista no discurso, na prática o ex-governador se cercava de
assessoras escolhidas pela aparência, pespegava beijos indesejados,
fazia comentários de natureza sexual, deslizava a mão por baixo da
blusa, corria o dedo pelas costas (e de ninguém menos do que uma
policial estadual que ele havia trazido para seu serviço de segurança),
entre outros avanços. Como os anos passavam e as mulheres não o
denunciavam, Cuomo foi ficando cada vez mais seguro de seu lugar num
Olimpo inexpugnável.
Inacreditavelmente,
não se deu conta da mudança cultural que criminaliza qualquer contato
íntimo entre chefes e subordinadas. Hoje em dia, mesmo relacionamentos
consensuais são estritamente vetados. Num dos casos mais conhecidos, e
de grande poder simbólico, o presidente executivo da McDonald’s, Steve
Easterbrook, foi não apenas demitido como processado pela empresa por
causa de um romance com uma funcionária (denunciado por carta anônima; a
rádio corredor é implacável). Homens como Cuomo e Easterbrook empurram
os limites da credulidade com sua falta de noção sobre os novos tempos?
“O problema com a ficção é que ela tem de ser plausível. Isso não vale
para a não ficção”, ensinava Tom Wolfe.
blog orlando tambosi

Nenhum comentário:
Postar um comentário