Aproveitando-se de suas fragilidades internas, a ditadura chinesa infiltrou-se com sucesso nas altas esferas de poder das democracias ocidentais. Coluna de Flavio Gordon para a Gazeta do Povo:
As
eleições americanas parecem, enfim, estar chegando a termo. Embora o
(ainda) presidente Donald Trump tenha mais algumas batalhas legais e
políticas por travar, a verdade é que Joe Biden – a quem, doravante, só
chamarei de presidente-eleito sabe-se lá como – se acerca da Casa
Branca. Para a satisfação do governo chinês, uma vez que, como sugeriu a
revista Forbes em matéria do ano passado, Biden é “o único homem capaz
de salvar a China em 2020”.
Diante
desse cenário iminente, convém recordar um fato que, embora tenha
viralizado na internet há algumas semanas, foi pouco ou nada comentado
na imprensa brasileira. Refiro-me a um vídeo de meados de novembro
(censurado nas mídias sociais chinesas, por óbvio), em que um professor
chinês de Relações Internacionais, Di Dongsheng, gabava-se da influência
de Pequim sobre Wall Street e comemorava a presumida vitória de Biden.
Segundo Dongsheng, vice-diretor da Escola de Relações Internacionais da
Universidade Renmin, a despeito de eventuais rusgas, as relações entre
China e EUA foram de vento em popa no período compreendido entre os anos
de 1992 – quando Bill Clinton venceu as eleições, fazendo de sua
administração uma verdadeira mãe para a China – e 2016, ano da vitória
de Trump, cuja administração marcou o fim de décadas de apaziguamento
com a ditadura comunista chinesa.
Nas
palavras do intelectual chinês: “Na época, os conflitos eram
equacionados e absorvidos no tempo, como um casal faz com os seus
desentendimentos, resolvidos na alcova. Acertávamos tudo em questão de
dois meses. E por quê? Direi agora algo talvez um pouco explosivo:
apenas porque tínhamos gente nossa no topo. Dispúnhamos de velhos amigos
nos mais altos círculos de poder e influência na América... Durante os
últimos 30 anos, nos valemos do poder central nos EUA. Desde os anos
1970, Wall Street exerce uma grande influência sobre os assuntos
domésticos e internacionais daquele país. Então, era algo com que
podíamos contar. O problema é que, depois de 2008, o status de Wall
Street decaiu. E, sobretudo, depois de 2016... Wall Street não consegue
enquadrar Trump... Mas agora, estamos vendo, Biden foi eleito. E a elite
tradicional, a elite política, o establishment, todos são muito
próximos de Wall Street. Trump falou outro dia que o filho de Biden tem
uma fundação. Sim. E quem o ajudou a construir a fundação? Entenderam?”
Dongsheng
afirma com todas as letras aquilo que, na grande imprensa brasileira, e
a despeito da abundância de informações a respeito, continua sendo
desprezado como teoria da conspiração: a ideia de que, aproveitando-se
de suas fragilidades internas, a ditadura chinesa infiltrou-se com
sucesso nas altas esferas de poder das democracias ocidentais. O
problema é tão real e urgente que, em dezembro de 2017, até mesmo o
progressista Washington Post publicou matéria a respeito, na qual se
lia: “Washington está despertando para os gigantescos escopo e escala
das operações de influência conduzidas pelo Partido Comunista Chinês
dentro dos EUA, com penetração em várias das nossas instituições. O
objetivo principal da China é, no mínimo, defender o seu sistema
autoritário contra ataques, e, se possível, exportá-lo para o mundo às
custas da América. A campanha de influência estrangeira é parte da
empreitada chinesa pela conquista do poder global, o que inclui expansão
militar, investimento estrangeiro direto, acumulação de recursos e
influência sobre leis e normas internacionais. Mas essa última parte do
plano chinês é a mais opaca e mal compreendida. A estratégia de Pequim
consiste em, primeiro, bloquear toda discussão crítica sobre o governo
chinês, e, então, cooptar influenciadores americanos para promover a
narrativa chinesa”.
A
infiltração chinesa em instituições políticas e econômicas americanas
ficou ainda mais evidenciada com o vazamento recente de dados pessoais
de membros do Partido Comunista Chinês, pelo que ficamos sabendo da
existência de quase 2 milhões de integrantes do partido infiltrados em
empresas (Boeing, Qualcomm e Pfizer, para citar apenas três) e órgãos
governamentais, incluindo o consulado americano em Shangai. Como
observou o ex-chefe de inteligência nacional de Trump, Richard Grennell:
“A China foi capaz de infiltrar em nossas universidades e corporações
gente cuja lealdade destina-se unicamente ao Partido Comunista. Nossa
querida comunidade sino-americana tem nos alertado sobre essa tática há
muitos anos, mas a classe política ignorou esses alertas”.
Como
mostra o jornalista Bill Gertz no livro sobre o qual começamos a falar
no artigo anterior, a eleição de Trump representou uma virada de 180
graus na estratégia de enfrentamento à China. Já em 2017, o presidente
americano começou a reverter a tendência de agentes públicos a minimizar
as ameaças da China e o avanço chinês em busca de supremacia global.
Trump foi o primeiro presidente, desde que os comunistas chegaram ao
poder no país asiático em 1949, a confrontar diretamente Pequim,
desfazendo décadas de comércio desigual e subvenção tecnológica. Ele
associou diretamente a segurança nacional à segurança econômica dos EUA,
fazendo desta o pilar da nova política para com a China. Impôs bilhões
de dólares em tarifas como parte de negociações duras concebidas para
punir a ditadura comunista por décadas de comércio injusto e
transferência ilegal de tecnologia. Em 2019, Trump enfrentava
abertamente Xi Jinping, e a economia chinesa começara a retrair em face
da pressão americana.
Como
disse o secretário de Estado Mike Pompeo em entrevista a Gertz: “Por
muito tempo, assistimos passivamente à China avançar sobre o mundo,
levando malas de dinheiro e tentando exercer influência por meio de
empresas controladas pelo Estado... Em todos os casos, o governo chinês
avançou em seus meios de ação, e frequentemente sem uma resposta
americana à altura. Agora, estamos fazendo um esforço e recorrendo a
todas as ferramentas à disposição para responder a essas ameaças ao povo
americano”.
Com
Biden – o “único capaz de salvar a China”, segundo a caracterização já
citada da revista Forbes –, é evidente que todo esse esforço tende a ser
desfeito, e as coisas devem voltar ao estágio pré-Trump. Segundo
analistas do Center for American Progress (CAP), “a estratégia de poder
de longo prazo da China inclui construir relacionamentos com – e tirar
vantagens de – governos, instituições, negócios e indivíduos
proeminentes ao redor do mundo. Hackear as informações pessoais de
milhões de pessoas é um jeito de fazer isso” (vejam, aliás, esta matéria
recente do The Guardian). E eles acrescentam mais uma informação
interessante: “Dadas as ambições chinesas e o desejo do país de ser
visto sob uma luz favorável no palco mundial, o Partido Comunista Chinês
parece valorizar muito a negabilidade plausível”.
“Negabilidade
plausível” (plausible deniability) é uma expressão em língua inglesa
notabilizada pela CIA nos anos 1960, cujo sentido indica a capacidade
que os superiores têm de negar a sua participação em – ou mesmo
conhecimento de – maus atos praticados por subordinados. É curioso que
os analistas do CAP tenham usado o termo para se referir à China. Na
entrevista que deu ao apresentador Tucker Carlson, da Fox News, Tony
Bobulinsky, ex-sócio da família Biden, revelou detalhes dos negócios dos
Biden com empresas chinesas (e, consequentemente, com o Partido
Comunista Chinês). Certa vez, Bobulinsky perguntou a Jim Biden, irmão do
presidente-eleito sabe-se lá como, se ele não tinha medo de que o
envolvimento da família com a CEFC China Energy comprometesse a carreira
política de Joe. Ao que Jim respondeu negativamente, recorrendo à
expressão em questão: “negabilidade plausível”.
Mas Jim Biden talvez pudesse ter acrescentado: e negabilidade midiática.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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